quarta-feira, 6 de julho de 2016

24.10.1921 ─ Uma homenagem aos índios caingangs



Uma homenagem aos índios caingangs

Para assignalar uma passagem historica da construcção da Noroeste do Brasil
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A estação Heitor Legru passou a denominar-se "Promissão"

A' medida que se exclue a truculencia dos processos da catechese leiga, novas tribus, conquistadas pela doçura e pela bondade dos modernos desbravadores da mattas virgens emergem do seio virginal das grandes selvas e começam a incorporar-se á civilisação, iniciando-se no que ella tem de rudimentar. Tribus que recebiam a flexadas os missionarios do progresso, acabam por acolhel-os como amigos e por seguil-os para novos aldeamentos erguidos sob a protecção da lei, á sombra da bandeira que desdobra a sua ondulação como um abrigo de que não são excluidos mesmo os que nunca a viram, ou não a conhecem, nem amam, como os nossos irmãos selvagens. Entre os indios que, de inimigos, transformaram-se em amigos dos novos bandeirantes, contam-se os caingangs, ainda ha pouco anthropophagos e hoje mansos, aos quaes o governo, celebrando a sua incorporação á sociedade juridica, prestou, agora, uma homenagem.

Realmente, com taes intuitos, o Sr. ministro da Viação mudou o nome da estação "Hector Legru", da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, para "Promissão". E' possivel  que aquelle engenheiro; um dos constructores da estrada, não merecesse o olvido a que foi condemnado o seu nome e talvez os caingangs não saibam o que é "Promissão", mas isso, não obstante o inferno estar calçado de boas intenções, não diminue a excellencia da intenção ministerial, nem apaga a recordação dos acontecimentos que, o ministro, com essa mudança de nomes, quiz fixar, dando-lhe, o encanto de uma esperança a illuminar o futuro.

Ao tempo da construcção da estrada de ferro, quando se assentaram os trilhos naquelle logar, então denominado Hecror Legru e agora chamado Promissão, que está situado em pleno sertão paulista e era habitado pelos indigenas, houve um verdadeiro combate dos trabalhadores e os technicos constructores com os caingangs, sacrificando-se, de ambos os lados, numerosas vidas. Estes nossos irmãos selvagens não poderiam adivinhar que os nossos engenheiros e seus auxiliares, abrindo uma nova via de communicação com o Estado de Matto Grosso, estavam libertando o nosso transporte, sujeito a licenças do Uruguay, do Paraguay e da Argentina, e, naturalmente, recebiam os desbravadores do sertão como conquistadores de suas terras, praticavam contra elles, toda a sorte de represalias e vinganças. Se um trabalhador lhes caia nas mãos, era decapitado, sendo, depois, comido pelos anthropophagos. Nessas condições, os portadores do facho da civilisação tinham sempre o espírito ensombrado pelo receio de serem churrasqueados pelos caingangs.

Mas um dia, um caingang caiu prisioneiro dos trabalhadores. Era o inicio da paz. O caingang foi scientificado, precisamente, das intenções da engenharia brasileira e das razões de ser dos silvos agudos da locomotiva brasileira e voltando á tribu, explicou-as melhor aos seus irmãos. A luta serenou. Roupas, iguarias nossas, nossos costumes, emfim, foram introduzidos no meio selvagem, e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil venceu essa etapa no seu martyrologio de vidas, porque a maleita, as febres perniciosas victimavam dezenas e dezenas de operarios diariamente. Os indios foram domesticados, ha pouco. Ali mesmo, em Hector Legru, elles se estabeleceram como brasileiros civilisados, trajando regularmente como qualquer de nós.

Convertidos em bons lavradores, o caingangs vivem hoje em plena felicidade em "Hector Legru", ou "Promissão", a 632 kilometros de S. Paulo e 1.130 do Rio.

Conhecemos de longa data, posterior, felizmente, á sua ferocidade, os caingangs, pois, quando A NOITE, ha annos, emprehendeu uma excursão de conhecimento ás longinguas paragens de Matto Grosso, servida po via-ferrea e a seis dias do Rio de Janeiro ali mesmo um representante noso teve ensejo de falar aos caingangs, através de um interprete, que lhes ensinou o que é um jornal, ensinando-lhes tambem a pronunciar o nome da A NOITE, repetido por muitos delles. Por essa occasião, tiramos a photographia com que illustramos hoje a nossa reportagem.

A obra de catechese, posterior aos serviços da Estrada, por isso que a Paz com os indios não se faz para longe das margens da via-ferrea, foi ainda obra de patriotismo, a cuja frente esteve, segundo estamos informados, o Dr. Horta Barbosa.

A A NOITE e seu representante entre os caingangs, na plataforma da antiga estação Heitor Legru, hoje "Promissão"

A NOITE, segunda-feira, 24 de outubro de 1921

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