quinta-feira, 30 de junho de 2016

27.09.1983 ─ Paixão pelo Karmann Ghia, o ponto em comum dos membros do clube

 O GLOBO     Terça-feira, 27/ 9/ 83           • 27


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JOAO BAPTISTA DE ABREU
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Paixão pelo Karmann Ghia, o ponto em comum dos membros do clube

Manhã nublada de domingo na Lagoa, um grupo de 20 pessoas ─ todos homens com mais de 35 anos ─ se reúne no posto de gasolina Mengão, na avenida Borges de Medeiros, esquina com a rua Mário Ribeiro. Em comum entre eles, apenas a idade e o fato de serem proprietários de um automóvel fora de linha há sete anos, mas que até hoje desperta a paixão dos aficcionados: o Karmann Ghia, primeiro carro esporte fabricado em série pela indústria brasileira.

Criado há um ano e meio, o Karmann Clube já tem 150 associados, que todo último domingo do mês têm um ponto de encontro no posto Mengão para trocar peças, acessórios e conversar sobre o estado de conservação dos antigos Karmann Ghias. Só uma coisa pode frustrar a reunião a chuva, a maior inimiga destes carros, que, por uma falha no sistema de vedação das portas, inundam facilmente, danificando o assoalho e o estofamento.

A idéia de criar o Karmann Clube partiu de Vicente Eustáquio dos Santos, de 36 anos, dono de uma loja de autopeças da linha Volkswagen, em Bento Ribeiro. Conta Vicente:

─ Na década de 70, muita gente aproveitou chassis de Karmann Ghia para fabricar buggys. Começou a faltar peças e acessórios, mas a Volkswagen, que teria de suprir esta necessidade nunca se preocupou com isso. Então, em 1975 resolvi abrir uma loja de autopeças para atender a demanda e, com o movimento, fui sentindo que a gente podia formar um clube a partir de um interesse comum. Dono de um Karmann Ghia preto, em fibra de vidro, que ele afirma não vender por menos de Cr$ 3,5 milhões, Vicente acrescentou que "já me ofereceram Cr$ 2,5 milhões à vista, mas eu recusei".

A cotação destes carros é algo difícil de avaliar, pois o que conta, na maioria dos casos, é o valor afetivo. Quase todos os proprietários possuem mais de um automóvel e usam o Karmann Ghia apenas para passear nos fins de semana de sol. Um dos colecionadores é o advogado André Richer, ex-presidente do Flamengo e atual diretor jurídico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ele tem quatro carros, sendo dois Karmann Ghias. Orgulhoso ─ alisa a capota a todo momento ─, Richer garante que seu automóvel, modelo 71, é todo original, inclusive os pneus, e só rodou 12 mil quilômetros.

─ Eu já recusei uma proposta de Cr$ 4 milhões de um diretor de banco amigo meu. Em 1979 troquei um relógio rolex de ouro poe este carro, que estava parado na garagem. Para mim, ele não tem preço ─ frisa Richer, enquanto abre e fecha a porta várias vezes para mostrar a suavidade do batente da fechadura. ─ Viu?. É como porta de geladeira.

O diretor da CBF diz que, de vez em quando, vai ao trabalho com um de seus Karmann Ghias, para que a bateria não descarregue. Ele estaciona na calçada em frente à sede da CBF, na rua da Alfândega, e quando volta há sempre um bilhete no pára-brisa com o telefone de pessoas interessadas em comprar o carro.

Mas nem todos os donos de Karmann Ghia são colecionadores. O ator Edson Silva, do núcleo de telenovelas da Rede Globo, tem um modelo 71, que comprou há nove anos de Francisco Cuoco. Diz ele:

─ Eu não tenho esse cuidado.. Rodo pouco normalmente, porque moro em Ipanema e trabalho no Jardim Botânico, mas nunca tive problemas mecânicos. E o carro ainda faz nove quilômetros com um litro de gasolina. O único problema é a dificuldade para encontrar alguns acessórios, como a lanterna e a grade da frente.

Ele acha o clube simpático, mesmo reconhecendo que estava há quatro meses sem ir às reuniões: "É uma forma de a gente se encontrar para trocar peças e bater papo com os amigos".

O pessoal do Karmann Clube pensa em estender a confraternização a outras cidades. O encontro no último domingo de outubro acontecerá num sítio em Volta Redonda, onde haverá um churrasco. E em novembro, a festa será conjunta com o Karmann Cluve de São Paulo, no Clube dos 500, em Guaratinguetá. Os colecionadores sairão em caravana da loja de Vicente Eustáquio, na rua Carolina Machado, em Bento Ribeiro.

A Volkswagen produziu 24 mil Karman Ghias entre 1963 e 1972 e mais 18 mil do modelo TC entre 1971 e 1976. Hoje, não se sabe ao certo quantos ainda circulam no País. Vicente calcula que, somente no Rio, haja mais de mil veículos, dos quais apenas 10% em bom estado de conservação. Os outros podem ser comprados até por Cr$ 300 mil.

Quando o Karmann Ghia foi lançado, em 1963, Vicente Eustáquio tinha apenas 16 anos e nem podia pensar em comprar um automóvel, quanto mais um modelo esportivo. "Meu sentimento era de deslumbramento. Só quem tinha Karmann Ghia na época eram os filhinhos-de-papai e os coroas play-boy, mas sempre sonhei em possuir um. Era o carro da moda, o chamariz das mulheres", lembra Vicente, que, por ironia, só teve condições financeiras de comprar o seu em 1976, no ano em que a Volkswagen retirou o carro de linha.

Hoje, ele está montando uma pequena fábrica para produzir carrocerias de Karmann Ghia em fibra de vidro, feitas sob encomenda. Cada automóvel sairá por Cr$ 2,5 milhões, com o comprador dando o motor, a suspensão, a caixa de marcha e o chassi. Vicente já recebeu seis encomendas: uma de um capitão-de-corveta e as outras cindo de agências de veículos.

Na reunião de todo último domingo do mês, sócios do Karmann Clube conversam, descontraídos

Há sempre um detalhe do carro a ser comentado, uma troca de informação sobre peças

Sua roupa encolheu?
ou você
engordou?

O Globo, terça-feira, 27 de novembro de 1983

quarta-feira, 29 de junho de 2016

12.08.1987 ─ Pois é isso, Juca



João Saldanha

Pois é isso, Juca

Peço licença ao Juca Kfouri para utilizar seus números do Placar e que fazem a estatística de público dos campeonatos. Sentem na cadeira mais próxima para não cair de bunda no chão. Lá vai: campeonato paranaense: 2.448 pessoas por jogo. E o Onaireves (Severino ao contrário) bota uma banca enorme. O gaúcho é melhor e talvez o senhor Hoffmeister se orgulhe do seu resultado: 2942 pessoas em média por jogo. Oba! É massa. Deve ser exatamente por isto que o Grêmio e o Internacional a toda hora vendem um craque. O campeonato mineiro ganha do gaúcho: 3148. Fantástico! Acho que o Mineirão está superado. Deve ser construído outro estádio. Onde meter a enchente de massa que assiste aos jogos do campeonato mineiro? Ah... mas temos ainda Rio e São Paulo. O Rio, do Maracanã, e o São Paulo, do Morumbi. Está bem. No Rio a média é de 6637 e em São Paulo de 7083. Êta ferro! Pois no paredão da praia, nas duas linhas de fundo e na beira d'água, já pusemos mais de dez mil. Chile 4 a 0.

O que me admira é a impunidade de a desfaçatez com que estes homens que assaltaram o poder do futebol fizeram leis que nem gangsters de Chicago fariam. Conduzam os clubes à falência, apresentem contas de vinte milhões de dólares no México, apresentem contas do mais pródigo gastador de Córdoba, onde também gastamos mais do que todos os outros juntos. Inclusive os argentinos e uruguaios. E ninguém vai preso? E mais ainda, a falta de pudor e vergonha de ir a Brasília pedir a cabeça dos homens que querem que o futebol volte a trilhar o caminho das vitóris? Pois é, Juca. Eles estão soltos. É sim, soltos! Corrompem brutalmente, associam-se a qualquer grupo de marginais que mandam e desmandam no esporte brasileiro. Inverteram tudo. Compraram escandalosamente os votos a seus igualmente corruptos eleitores. Acabaram com os esportes olímpicos dentro dos clubes, que ficaram sem dinheiro para sustentá-los. Agora por exemplo, devemos nos contentar com o terceiro ou quarto lugar, brigando com o México longe, muito longe dos primeiros? Nós que somos o 8º país do mundo em produção? E aqui na América onde temos esta melancólica participação naqueles jogos, somos o segundo em produção bruta, o segundo em população, o segundo em estádios, o primeiro em verbas para os esportes? Pois é, Juca. Os bandidos estão no poder nos esportes. Trata-se de mandá-los embora. Para sempre. E você sabe de uma coisa? O único equívoco do Clube dos 13 é não convidar Pernambuco, Paraná e Goiás. Mas sabe de uma coisa? Não espalha hein? Fica só entre nós: um proeminente membro do Clube me disse que topa os dezesseis.

Mais você tem razão em alertar para a manobra da CBF com os tais grupos verde, amarelo, azul e branco. São 64 clubes disputando um campeonato cuja média atual de arrecadação é de menos de 2000 pessoas por jogo. Nós não podemos permitir que estes indivíduos se locupletem vivendo às custas do esporte brasileiro. E sabe de uma coisa, Juca? Cada dia aumenta mais o número de poderosos aliados da luta do Clube dos 13.

Jornal do Brasil, quarta-feira, 12 de agosto de 1987

terça-feira, 28 de junho de 2016

14.04.1962 ─ O NEGÓCIO É TROCAR DE NARIZ...

abaixo os complexos!


O NEGÓCIO É TROCAR DE NARIZ...

Quando se positivou, no Brasil, que operação plástica não oferecia perigos, logo os artistas trataram de juntar dinheiro. Afinal, bem que valia à pena gastar coisa assim de 200 mil cruzeiros, contanto que se mudasse aquêle nariz incômodo ou se removesse certas partes fisionômicas que provocavam complexos em muita gente boa. Renata Fronzi, por exemplo, tinha um desgôsto imenso por causa do seu nariz. E "trocou_o" por outro que o cirurgião Fabrini arquitetou em seu rosto... Hoje ela se considera a mulher mais feliz do mundo! O mesmo aconteceu com a Marlene. Que também considerava que sua antiga fisionomia possuía ângulos negativos. A cirurgia plástica removeu o seu mêdo de fotografar com infelicidade, surgindo feia aos olhos do seu público. Um complexo a menos.

Outras estrêlas trocaram de nariz. Uma das primeiras foi Neuza Maria. Pràticamente foi quem serviu de estímulo para as outras. Zezé Macedo seguiu o exemplo e hoje vive num mar de rosas. O mesmo aconteceu com a vedeta Dilma Cunha, que ganhou nova fisionomia (e bonita) depois de ter o seu rosto rasgado por um criminoso. Ficou de nariz nôvo e encantador.

Dóris Monteiro, uma das primeiras na série de troca de nariz, sugeriu ao Cauby Peixoto (e a foto na capa desta edição o prova) que também amoldasse o seu nariz no melhor estilo da época. Afinal, um artista, entre outras coisas, precisa variar de fisionomia. Haja vista que o próprio Cauby muda, e muito, de penteado. Para não cansar o público. O cantor achou a idéia muito boa... e está fazendo planos nêsse sentido. Vale dizer, por sinal, que outros artistas estudam essa mesma possibilidade, havendo já quem afirme que o cômico (atualmente em São Paulo) Colé, pretenda trocar de nariz numa dessas próximas semanas. A moda "pegou"!

Dóris Monteiro ficou assim, depois da operação plástica. Sugeriu que o Cauby mudasse também a forma do seu nariz. O cantor está pensando no caso. E está propenso a operar.

Renata Fronzi mostra como ficou de nariz nôvo. Marlene posa de perfil modêlo 1961. Dilma Cunha sorri, deliciada, com o nariz novinho em fôlha que o dr. Fabrini ajustou em seu rosto. E Zezé Macedo exibe o apêndice nasal feito sob encomenda. Ficaram ainda mais bonitas.

Revista do Rádio, sábado, 14 de abril de 1962

segunda-feira, 27 de junho de 2016

20.10.1968 ─ TERROR LEVA POLÍCIA DE VENCIDA

Diário de Notícias, 20-10-68 ─ Pág. 12 ─ 1ª Seção


MILITARES ESTRANGEIROS MORTOS E BOMBAS E ASSALTOS VIRAM ROTINA

TERROR LEVA POLÍCIA DE VENCIDA

• Reportagem de Gilvandro Gambarra e Clóvis Basso

DO ALMIRANTE HECK: "Os atentados às instituições, aos bens alheios e à integridade física das pessoas se sucedem, ininterruptamente, e o terrorismo toma conta das cidades, criando uma rotina de morte e de mêdo, agravada pela certeza da impunidade ou pela repressão às vêzes ilegal ou despropositada". De fato, o terror, a par dos assaltos contra bancos, domina os grandes centros do País. Em São Paulo, de 33 dêsses assaltos, que já ascendem a quase NCr$ 1 milhão, apenas um foi elucidado e nêle estavam implicados elementos da Fôrça Pública e um tal de Sabato de Noite, o astrólogo Aladino Félix. As explosões de bombas, tanto lá como aqui, e, já agora, também em Belo Horizonte, se sucedem e seus autores continuam impunes. E, mais grave ainda: depois do assassínio, no Rio, de um oficial alemão, eis que na capital paulista outro oficial, êste americano, é assassinado de modo nunca visto no Brasil. Em tudo os criminosos se renovam, com o seu fim de destruição, enquanto a polícia, tècnicamente obsoleta e sem elementos preparados, vem sendo levada de vencida. E, agravando ainda o problema, há os crimes atribuídos à própria polícia ─ o "Esquadrão da Morte" ─ e os resultantes da "guerra entre bicheiros", na qual estão implicados, segundo as autoridades, poderosos "banqueiros" do jôgo proibido mas sempre existente.

A morte do americano
A Polícia de São Paulo, notadamente o DOPS, o SNI e a Polícia Federal continuam às tontas para chegar aos matadores do Capitão Charles Rodney Chandler, da Marinha dos Estados Unidos, executado a tiros de metralhadora e revólver calibre 38, no último sábado, quando saía de sua casa no Sumaré. O homicídio traumatizou a opinião pública paulista, dada as circunstâncias em que o oficial foi assassinado ─ dentro do próprio automóvel. Nas investigações que se seguiram após o crime, as autoridades prenderam como «forte suspeito» o dentista José Luís de Andrade Maciel, proprietário do «fusca» SP 21-67-29, cuja chapa foi anotada pela empregada da cantora Hebe Camargo. A doméstica, um pouco confusa, chega a dizer que aquela era a placa do carro em que viajavam os matadores do Capitão. Conta ela que passou a anotar as chapas dos veículos que estacionavam nas proximidades de sua casa porque, uma semana antes, por brincadeira ou não, alguém telefonou para Hebe, ameaçando-a de morte.

A empregada, crivada de perguntas, isto porque era considerada como «chave» para decifrar o mistério, relutou que, antes da morte do oficial americano, anotou os números das chapas de três «Volks» que estacionaram no quarteirão. Um dêles era prêto, outro azul claro e, o último, gêlo, justamente a côr do auto em que viajavam os assassinos. A placa 21-67-29, ao ser entregue à Polícia, deu uma luz às investigações. O veículo era do dentista José Luís de Andrade Maciel, preso horas depois na cidade paulista de Jales. Surprêso com a prisão, José Luís achou até absurdo a idéia de ser um dos envolvidos no atentado. Levado para o DOPS ─ que achou por bem investigar o crime, por ser de motivação política, ─, o dentista apresentou um álibi quase convincente e foi afastado das suspeitas. Ficou, contudo, detido por medida de precaução. A verdade em tôda a apuração que a Polícia vem fazendo é que, até agora, nada há de positivo. Darryl, de nove anos, um dos filhos do Capitão Charles ─ que estava no Brasil aprendendo português para ensiná-lo nos Estados Unidos ─, foi a testemunha ocular da tragédia. Estranhamente, tão logo o pai foi assassinado ─ num caso de tamanha repercussão ─ a família embarcou de volta para West Point, cidade onde vivia Charles. A Sra. Joan, espôsa do oficial, ficou pràticamente impedida de falar qualquer coisa com relação ao fato. Por ordem de sua Embaixada, retornou com os filhos, quase que só com a roupa do corpo, deixando móveis e todos os utensílios na residência de Sumaré. Agora, sem a testemunha importante, que era o menino Darryl, será mais difícil chegar nos assassinos. Isto porque, qualquer suspeito que fôr preso, não poderá ser reconhecido por mais ninguém. Em São Paulo, nos corredores policiais, ante o fracasso das diligências, quase todos já comentam que o assassino do Capitão Charles jamais será descoberto.

O major alemão
O homicídio, de acôrdo com suas características, parece mesmo ou tem, na realidade, ligação com o assassínio do Major alemão Ernest Tito Edward von Westernhagen, ocorrido, no dia 1º de julho último, na Rua Araucária, Jardim Botânico, no Rio. Naquela época, como ainda é do conhecimento geral, Ernest ─ que fazia do Brasil um curso de aperfeiçoamento no Exército (Praia Vermelha) ─ morreu crivado de balas, por volta das 13 horas, quando regressava do lar. Levou 10 tiros, segundo a perícia. Muita gente viu os assassinos despejarem seus revólveres e pistolas contra o oficial germânico. Eram três homens ─ todos brancos ─ que fugiram em direção da Rua Maria Angélica, onde também um «fusca», de côr gêlo, os aguardava com um jovem louro ao volante. A Polícia carioca entrou em diligências e, nas primeiras horas de investigações, já era notório e sabido que o fracasso seria certo. A Delegacia de Homicídios, a que mais trabalhou no caso, foi perdendo terreno a cada minuto que passava e, para completar, a Embaixada da Alemanha determinou que a espôsa do oficial e os filhos embarcassem de volta. A companheira de Ernest prestou ligeiras declarações à Polícia, na própria residência e, de acôrdo com o seu mutismo ─ embora tivesse uma intérprete na ocasião ─ ficou patético que ela estava escondendo a verdade. Sabia de alguma coisa que poderia levar os policiais à elucidação do caso mas acabou levando seu segrêdo para a Alemanha Ocidental. O caso, então, foi arquivado. Agora, interessado outra vez em tentar o esclarecimento, o delegado José Marques, titular da Homicídios carioca conseguiu, através da Embaixada da Alemanha, enviar um grande questionário para a esposa de Ernest responder e assim, em alguma das inúmeras perguntas, responder algumas que dê margem à elucidação do atentado. O perito Thiers, também da Delegacia de Homicídios, é outro que, tão logo ocorreu o assassínio do Capitão Charles, em São Paulo, rumou para aquela capital a fim de colher dados e submetê-los a uma comparação para confirmar ou não se o crime foi praticado pelos mesmos elementos que liquidaram o Major Ernest.

O crime dos martelos: outro alemão
A mesma delegacia, até hoje, ainda não chegou aos elementos ─ judeus, ao que parece ─ que mataram o alemão ex-membro da SS nazista, Wilhelm Karl Ludwing Langen, cujo corpo apareceu bolando nas imediações da Ponta do Cajú, com quatro martelos amarrados em volta da cintura. A vítima, de hábitos estranhos, tinha 63 anos, e residia numa velha mansão da Rua Campos da Paz, no Rio Comprido, onde tinha, também um pequeno laboratório. Vários suspeitos foram presos e libertados por falta de provas. No casarão, os policiais encontraram  livros alusivos aos crimes da Gestapo contra os milhares de judeus, durante a Segunda Grande Guerra, na qual Langen tomou parte como tenente. O mistério do chamado «Crime dos Martelos» é total e, dêle, a Polícia só sabe que Langen, antes de aparecer o mesmo foi seqüestrado na Praça do Rio Comprido por elementos que viajavam num «Simca» verde, com chapa de Cataguazes, Minas Gerais.

Assaltos vão a quase um bilhão
Os assaltos a bancos em São Paulo parecem ser comandados por um grupo de fora e, ainda, consumados por elementos estranhos, eis que êstes, além de agirem livremente, à descobertos até de máscaras, deixando pistas sôbre pistas, irrompem sôbre os estabelecimentos, os saqueiam e somem. Sua última investida, sempre com uma metralhadora como refôrço, foi contra o «Banco do Estado e São Paulo» em Pinheiros, de onde roubaram NCr$ 185 mil. Pela madrugada, praticaram dois outros assaltos, um contra um pôsto de gasolina e outro contra um restaurante, no qual balearam um sargento da PM. Funcionários do banco reconheceram por fotos como 2 dos 5 bandidos, que como sempre, usaram um carro roubado. Roberto Carlos Figueiredo, o «Amigo da Onça» e Edgar Almeida Martins, ambos com registro no DOPS como subversivos. Os dois estão foragidos e as investigações, como sempre, na estaca zero. Dos 33 assaltos consumados em São Paulo nos quais os ladrões roubaram cerca de NCr$ 800 mil, apenas um, contra o banco de Perus, foi elucidado. Também no Rio, houve assaltos contra 4 bancos, entre aqui e Estado Rio e, embora presos os assaltantes, pouco se recuperou do dinheiro roubado.

Atentados a bomba ficam impunes
Outra não é a situação quanto aos atentados terroristas com sucessivas explosões de bombas. Eles começaram em São Paulo, com morte e contra o próprio II Exército, seguindo-se, depois, contra o DOPS e outras instituições. De alguns dêles, foi acusado o grupo de «Sabato de Noite». Êste foi prêso e os atentados continuaram, inclusive no Rio. Aqui, o primeiro dêles foi no cine Bruni-Flamengo, com vítimas, seguindo-se muitos outros, um dos quais, também com vítima, ─ um menino perdeu a mão. O último dêles ocorreu contra a Livraria «Civilização Brasileira», na Rua Sete de Setembro, com graves danos materiais. Mas todos êles continuam em mistério: não há uma pista, uma prisão, nada ─ os terroristas vão levando a polícia de vencida. Daqui, eis que, em Belo Horizonte o terror é desfechado: duas bombas foram lançadas, respectivamente, contra a residência do delegado regional do Trabalho, Sr. Onésimo Viana, e do Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Sr. Humberto Pôrto, cuja casse até bem pouco estivera em greve. Investigações? Nada: tudo é mistério.

Polícia e bicheiros na matança
Enquanto isso, no Rio, continuam insodlúveis os crimes atribuídos ao «Esquadrão da Morte», daqui e do Estado do Rio, e aos bicheiros em guerra, cuja vítima Denilson Serpas, sobrinho do «Banqueiro» Natal, de Madureira. Que a polícia mata, através do seu famigerado «Esquadrão», está provado: falta só identificar (em alguns casos) e prender os criminosos. Tal, por exemplo, é acusação de José Honorato, funcionário do SESI carioca que, indo à Ilha da Conceição, no Estado do Rio, acabou prêso na Subdelegacia local pelo PM Edson que, a seguir, com o subdelegado Meneses, o espancaram e levaram-no para matá-lo na Praia da Luz. Desfecharam-lhe uma rajada de metralhadora e, considerando-o morto, pregaram-lhe o cartaz sinistro da caveira e foram embora. Mas, pela escuridão, erraram os tiros e Honorato escapou, apresentando queixa à Corregedoria de Polícia, onde há muitas outras queixas dêsse tipo.

CONDENADO O MATADOR DE PERPÉTUO

O assassino do detetive Perpétuo de Freitas, o ex-detetive Jorge Galante, foi condenado por 6 a 1 a 12 anos de prisão, pelo II Tribunal do Júri, em julgamento, sob a presidência do Juiz Celso Guimarães, que se estendeu até as 8 horas de ontem. Conforme noticiamos. Galante, já desligado da Polícia, matou o colega quando êste estava empenhado, na favela do Esqueleto, na captura de «Cara de Cavalo», que acabava de assassinar outro agente famoso, o detetive Milton Le Cocq. Galante e Moisés de Castro também estavam ali, em investigações por conta própria ─ era uma corrida de todos para prender o bandido ─ quando surgiu o atrito em meio ao qual, alega que ao ser esbofeteado, Galante sacou da arma e matou Perpétuo. A versão era de que Moisés, ontem absolvido, teria dominado o famoso caçador de bandidos para que o colega Galante pudesse atirar e matar, o que, face ao resultado do julgamento, não prevaleceu. Agora, resta ir a julgamento acusado de lesões corporais contra Galante, o jovem Aramis, filho de Perpétuo que, ao ver seu pai baleado, perseguiu o criminoso e lhe atirou nas nádegas. Galante já foi encaminhado à Penitenciária da Rua Frei Caneca.

ASSASSINADO O COZINHEIRO

A Polícia (30º DD) está procurando Antônio Felipe dos Santos, principal suspeito de haver assassinado, na madrugada de ontem, o cozinheiro da Marinha Mercante, Sebastião Andrade de Lima, de 33 anos, casado, que residia na Rua Tupirapuã, 96, em Marechal Hermes, onde foi atacado com 5 facadas no tórax e 2 tiros no rosto. As autoridades suspeitam de Antônio porque descobriram que sua irmã, Irene da Silva e espôsa do açougueiro José Norberto da Silva (que está internado num hospital do INPS) o vinha traindo com o cozinheiro. Sebastião morreu no Hospital Carlos Chagas e, na Rua Sapopemba, próximo ao nº 742, foi encontrada a faca do crime (igual a que é usada em açougues).

LIVRE MESTRE CUCA DO COPA

ACHANDO por bem anular o flagrante, por considerá-lo técnicamente errado, o Juiz Edélson Melo Serra, da 9ª Vara Criminal, fêz libertar, ontem, o cozinheiro Fernando Dias Pedrinho, do Copacabana-Pálace, que havia sido acusado de ter comido, sem autorização da gerência, meio frango assado. O magistrado levou em consideração o tempo de casa do acusado ─ 22 anos ─ e o excesso de trabalho, que o impediu de almoçar direito naquele dia em que ocorreu o fato.

ROUBADA ATÉ ÂNGELA MARIA

Ângela Maria que, para fãs mais exigentes, em matéria de voz, já não seria a mesma, volta à crônica policial, depois de seu acidentado romance com o espertalhão Cléber, e, desta feita, também como vítima: o assaltante de sua casa, José de Abreu, que de lá, segundo a queixa apresentada pelo empresário da artista, roubou um casaco de "vison", duas perucas e até um televisor. O roubo ocorrera a 24 de setembro último e, ontem, eis que os agentes prenderam o gatuno Abreu, tipo já afeito a tais crimes, surpreendido, então quando saia de uma residência na Rua Professor Saldanha, no Jardim Botânico, onde acabava de "fazer" um rádio. Levado ao chamado "interrogatório científico", Abreu entregou como receptador José Sebastião Hora (Rua Sando Amaro, 180, apto. 104), dono da firma "Perucas Diacuí" situada na Rua Senador Dantas, 117, salas 202 e 425, a quem o ladrão vendera as perucas. "O casaco ─ disse Abreu ─ dei de presente à minha "Mãe de Santo" ─ Léia Paiva dos Santos (Rua Benévolo, 30). O intrujão Hora, que já responde a 11 processos por receptação, foi preso juntamente com Abreu, enquanto o casaco era recuperado com a "Mãe de Santo", cuja macumba não deu para evitar o desfêcho assim amargo de mais essa incursão de Abreu, Hora e outros bichos.

Diário de Notícias, domingo, 20 de outubro de 1968

domingo, 26 de junho de 2016

19.06.1934 ─ Sombrio epilogo de um romance na velhice



Sombrio epilogo de um romance na velhice
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O AMOR, INCENDIANDO O CORAÇÃO DE UM VELHO REJUVENESCIDO, LEVA-O A MATAR A
VELHA COMPANHEIRA E, EM SEGUIDA, MATAR-SE COM A PROPRIA ARMA
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A IMPRESSIONANTE TRAGEDIA DE RICARDO DE ALBUQUERQUE

O ciúme, mais uma vez, deu origem a um episodio sangrento, de consequencias brutalissimas e fataes e que teve por palco a estação de Ricardo de Albuquerque, o longinquo suburbio da E. de F. Central do Brasil. Com o espírito dominado pelo "monstro de olhos verdes", um homem já no seu occaso da vida, cheio de desenganos e experimentado de desilusões, abateu a tiros a sua velha companheira e, em seguida, com a propria arma de que se servira, suicidou-se.

EM CONDIÇÕES IDENTICAS

Foram personagens da impressionante tragedia de ante-hontem, naquella longinqua localidade suburbana, Cornelio Arthur Vargas, negociante, estabelecido com materiaes de construcção á Estrada Nazareth n. 26, e Anna Gervasoni, esta de 50, e aquelle de 58 annos de idade. Ambos estavam em condições identicas, perante a sociedade, pois eram elles separados, um da esposa e o outro do marido.

UM ENCONTRO E UMA UNIÃO

Separado da esposa, ha já alguns annos, Cornelho Arthur Vargas, certa vez, encontrou á porta de seu estabelecimento commercial Anna Gervesoni, tambem casada e separada do marido, do qual tinha os seguintes filhos: Margarida, com 35 annos de idade; Adelaite, Leopoldina, Honorina e Leopoldo, respectivamente com 25, 21, 20 e 18 annos de idade.

Com o coração ainda palpitante de emoções e de desejos, Cornelio , apesar de sua avançada idade, viu em Anna Gervesone uma excellente companheira a lhe encher de alegria a existencia.

Disposto a fazer todos os sacrificios para possuir o coração daquella creatura, que tão grande inspiração lhe provocára n'alma, Cornelio, assediando-a, veiu, finalmente, a possuil-a.

A VIDA DOS VELHOS AMANTES

Unidos e ditosos como um lindo casal de jovens amantes, aconchegados sob o tecto de uma modesta casinha, sita á rua Venancio 63 em Ricardo Albuquerque, Cornelio e sua companheira tão felizes se julgavam, que esqueceram todas as maguas que o passado lhes proporcionára, recordando tão somente o presente e alimentando as maiores esperanças quanto ao seu futuro, que, a julgar pelo grande amor que os empolgava, promettia-lhes as maiores felicidades.

Assim viveram durante alguns annos, sem experimentar sequer a menor contrariedade na sua vida de amantes.

UM ABALO IMPREVISTO E CHOCANTE

Conforme dissemos, Anna Geversoni, quando conheceu Cornelio, vivia ao lado de seus cinco filhos, os quaes, apesar de sua união com o negociante, continuaram em sua companhia.

Mais tarde, porém, Cornelio apaixonára-se por Adelaide, filha de Anna, que era casada e igualmente separada do marido. Aproveitando-se da ciscumstancia de estar Adelaide vivendo sob o mesmo tecto, Cornelio seduziu-a, tornando-se seu amante.

Ao ter conhecimento desse tristissimo facto, Anna Geversoni, que até então se mostrára carinhosa e boa companheira, passou a tratar o amante com indefferentismo, por vezes irritante, não sendo tambem poucas as vezes que com elle discutia fortemente.

Deante de tal situação, Anna Geversoni expulsára de casa a filha ingrata. Cornelio, porém, não abandonou Adelaide, antes, pelo contrário, montou casa para ella e passou a lhe fazer demoradas visitas.

AS SCENAS DE CIUMES CONTINUAM A SE VERIFICAR DIARIAMENTE

Revoltada com o procedimento do amante e não menos com o de sua filha, Anna Geversoni constantemente tinha com Cornelio altercações violentissimas, que só terminavam com a intervenção de terceiros.

E a vida dos amantes, de harmoniosa que era, passou a ser uma constante inquietação. Quasi relegada ao abandono pelo amante, Anna Geversoni, sem intuitos menos dignos, sahia constantemente, só regressando á casa altas horas da noite. Com isso não concordava Cornelio, que passou a denotar violento ciume pela sua primeira amante.

Como que arrependido do seu procedimento, Cornelio, ultimamente prohibira Anna de falar com os parentes e pessoas amigas, renovando, assim, os seus terriveis ciumes. Anna, entretanto, ferida no seu amor proprio e já sem a confiança primitiva que depositára no amante, quanto á sua honestidade, não attendeu ás suas ordens.

A TRAGEDIA

Morrendo de amores pela velha amante, Cornelio passou a vigiar-lhe os passos.

Nada observando que a desmerecesse, Cornelio sentiu-se novamente empolgado pelas caricias de Anna e pediu-lhe que esquecesse o mal que lhe havia causado. Não obtendo solução satisfatoria por parte de Anna, o velho negociante appellou para as ameaças, que eram renovadas de instante a instante.

E as pessoas que privavam das relações dos amantes, presentiam um sombrio epilogo para o desfecho daquella terrivel desavença.

Ante-hontem, indo assistir uma festa na igreja proxima, Anna Gevarsoni, ao regressar á casa poz-se a palestrar com um cavalheiro que não se sabe quem seja. Cornelio, de longe, observára a palestra, e logo planejára vingar-se da amante. Esperou-a traquillamente em casa, armado de revólver.

Assim que a amante lhe appareceu, Cornelio teve com ella violenta altercação. Sem dar grande importancia ao facto, Anna Gevarsoni se dirigiu ao banheiro. Cornelio, completamente allucinado, pediu á amante que abrisse a porta, sendo attendido. Nessa occasião, Cornelio, dominado pelo odio e tambem pela idéa de exterminar a velha companheira, assim que penetrou naquella pequena dependencia, sacou da arma e alvejou-a, indo o projectil attingil-a no pescoço, provocando-lhe morte immediata.

Ouvindo dois estampidos, Leopoldo, filho da infeliz senhora, que serve actualmente á Marinha de guerra e que se achava em seu quarto entregue á leitura de um romance, correu aos fundos da casa, indo encontrar cahido, todo ensanguentado, em frente á porta do banheiro, Cornelio, que apresentava um ferimento no ouvido. Depois, entrando no banheiro, deparou com sua velha mãe, já sem vida, com o pescoço tambem varado por uma bala.

A POLICIA

Quando o commissario inspector Arthur Gomes de Oliveira, do posto policial de Anchieta, chegou á casa da rua Venancio, encontrou estacionada em frente á mesma enorme multidão de curiosos, que indagavam, espavoridos, do que ali havia occorrido.

Rompendo com grande difficuldade aquella massa compacta, conseguiu a autoridade penetrar na casa, encontrando já sem vida os personagens. Em uma busca procedida nas roupas das duas victimas, encontrou o commissario Arthur Gomes de Oliveira, em poder de Cornelio, além de um môlho de chaves, uma navalha e um cartão da casa commercial de propriedade do mesmo, onde se lia, escripto a lapis: "Bancando o camarada, descobri tudo claro. Para não dar escandalo, posso partir e parto."

A REMOÇÃO DOS CADAVERES PARA O NECROTERIO

Tomando todas as providencias que o caso exigia e após tudo apurar com cuidado, a autoridade fez remover os cadaveres para o necroterio do Instituto Medico-Legal. Em seguida, o commissario Arthur Gomes de Oliveira arrolou testemunhas e instaurou inquerito no posto policial local.

A AUTOPSIA E O SEPULTAMENTO DAS VICTIMAS

Hontem, á tarde, o dr. Mario Campello, do Instituto Medico-Legal, procedeu á autopsia nos cadaveres dos protagonistas da emocionante tragedia da rua Venancio, em Ricardo Albuquerque.

Aquelle medico, no exame que levou a effeito, no corpo de Anna Gevarsoni, attestou como "causa-mortis", ferimento no pescoço por projectil de arma de fogo com lesão na carotida primitiva esquerda e hemorrhagia interna consecutiva.

O exame procedido no cadaver de Cornelio Arthur Vargas, attestou, como "causa-mortis": ferimento penetrante do craneo por projectil de arma de fogo com lesão parcial do encephalo.

O sepultamento de Anna Gervasoni e Cornelio Arthur Vargas, verificou-se ás 17 horas, no cemiterio de São Francisco Xavier, sahindo os feretros do necroterio do Instituto Medico-Legal, a expensas, respectivamente, de Leopoldina Gevarsoni, filha da desventurada senhora, e Waldyr Vargas, irmão do criminoso e suicida.

a assassinada
Anna Gervazone

O pomo da discordia
Adelaide Gervazone

O criminoso e suicida
Cornelio Arthur Vargas

AO ATRAVESSAR A RUA
Foi colhido e morto
por um omnibus

Um desastre impressionante occorreu, hontem, á noite, proximo ao Tunel Novo, de que resultou a morte de um transeunte.

Ao atravessar a rua, proximo do tunel, o individui Theodoro Maia, preto, de 36 annos de idade presumiveis, foi colhido e morto pelo omnibus n. 546, da Viação Federal, dirigido pelo motorista Manoel Gastão.

Preso em flagrante o motorista foi autuado na delegacia do 7º districto.

O cadaver da infeliz victima foi removido para o necroterio do Instituto Medico Legal.
Quasi um grande incendio na rua Uruguayana
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A acção sempre efficiente dos bombeiros evitou que
fossem destruidas pelas chamas uma leiteira e a
redacção do AVANTE !
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Um aspecto do sinistro de ante-hontem, na rua
Uruguayana, 144
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O incendio que se manifestou, na tarde de ante-hontem, á rua Uruguayana n. 144, não teve, felizmente, as proporções dos grandes sinistros, graças á acção sempre efficiente dos bombeiros, que promptamente compareceram ao local e combateram as chammas com todo o rigor, conseguindo exterminal-as, antes que as mesmas se alastrassem, não só aos andares superiores do referido predio como tambem ás casas contíguas.

O AVISO

O aviso aos bombeiros foi dado pela caixa de soccorros n. 266, immediatamente os bravos soldados do fogo, com todo o material necessario, compareceram ao predio n. 144, da rua Uruguayana, em cujo andar terreo funccionava a leiteira "Rosa Cruz", de propriedade dos irmãos Maia Lemos & Cia, Ltd., onde, segundo o aviso, lavrava o incendio.

Effectivamente, ao ali chegarem, os bombeiros verificaram que do referido estabelecimento commercial saiam grossos rolos de fumaça denotando a existencia de fogo.

O ATAQUE A'S CHAMMAS

Assentando suas possantes mangueiras, os bombeiros iniciaram o ataque ás chammas, que durou cerca de trinta minutos, findo os quaes, estavam as mormas extinctas. Em seguida, os bravos soldados do fogo, que eram commandados pelo 1º tenente Diogenes e, tinham como chefe de manobras o aspirante Cypriano dos Santos, se retiraram.

A POLICIA

Pouco depois da chegada dos bombeiros compareceu ao local o commissario Vicente Martins, da delegacia do 3º districto, que tomou todas as providencias de sua alçada. Syndicando, apurou a autoridade que o sinistro tivera inicio num commodo existente nos fundos da leiteira e que servia de alojamento dos empregados.

Ao que parece, o fogo originou-se em consequencia de uma explosão no motor da machina de fabricar gelo.

OS SEGUROS

A leiteira "Rosa Cruz", segundo apurou ainda o commissario Vicente Martins, está segurada em sessenta contos de réis, sendo trinta da Companhia de Seguros "Varejistas" e outros trinta na "Novo Mundo".

O predio , em cujo primeiro andar funcciona a redacção do popular jornal "Avante!" está também segurado na Companhia Novo Mundo pela importancia de 18 contos de réis.

OS PREJUIZOS

Não foram, felizmente, avultados os prejuizos. Estes, entretanto, avaliados em 4 contos de réis, foram produzidos mais pelos estragos causadps pela agua do que propriamente pelo fogo.

A redacção do "Avante!", porém foi que mais soffreu esses estragos.

OS DETIDOS

Logo que chegou ao local, o commissario Vicente Martins, deteve os socios da firma, afim de deporem no inquerito que instaurou na delegacia da rua da Alfandega.

Diário de Notícias, segunda-feira,18 de junho de 1934

sábado, 25 de junho de 2016

17.01.1981 ─ Trens da Rede se chocam e há pânico e 37 feridos

   
Descarrilados, os vagões de passageiros por pouco não tombaram de todo

Trens da Rede se chocam e há pânico e 37 feridos

Trinta e sete pessoas feridas e estragos generalizados em uma máquina e dois vagões, é o saldo do choque entre dois trens da Rede Ferroviária Federal, na manhã de ontem, no pátio de manobras da estação de Gongo soco, a 12 quilômetros do centro de Barão de Cocais.

Os primeiros levantamentos feitos pela polícia no local revelam que houve o acidente porque o funcionário responsável esqueceu-se de virar a chave de desvio, às 6h, quando o noturno de prefixo RO-020, comandado pelo maquinista Ivani Roberto Martins, estava para chegar à estação de Gongosoco. Por pouco, a antiga mina de outro de Barão de Cocais não teve um dos mais graves desastres de trens em sua história, uma vez que vários outros já foram registrados ali.

O choque não foi violento porque o trem cargueiro, carregado de ferro e combustível, que ia de Belo Horizonte para Vitória, estava parado na estação. O cargueiro de prefixo FOA-2029, comandado pelo maquinista Manoel Borges da Silva, com 60 vagões, aguardava a passagem do noturno, que estava atrasado em mais de uma hora. O noturno saiu da estação de Barão de Cocais 20 minutos antes do choque. Como no local existe um aclive, o trem ia deVagar para chegar a Gongo Soco. A sinalização luminosa estava ligada, mas supõe-se que havia neblina na serra e o maquinista não observou o sinal de "pare" e, mesmo assim, ainda encontrou a chave de desvio desativada.

Informações de pessoas que vinham de Vitória dão conta de que, nos 16 vagões do trem de passageiros, viajavam mais de 1.800 pessoas, a maioria delas em pé. Tão logo ocorreu a colisão, várias pessoas começaram a viver um grande pânico. E depois, ao tomarem conhecimento de que o guarda-chave da estação tinha esquecido de acionar a chave de desvio, muitos dos passageiros queriam seu linchamento.

Os mais exaltados queriam "pegar" os funcionários da Rede Ferroviária Federal, principalmente o agente de serviço no horário da colisão: João Batista Miguel. O operador do aparelho, utilizando o código Morse, conseguiu informar, às demais estações, do desastre e a Rede providenciou, com muita rapidez, um pelotão de guardas, bem armados, que chegou a Congo Soco menos de 20 minutos depois do acidente.

Os guardas da Rede conseguiram dominar o pequeno tumulto. O delegado de polícia de Caeté, Reinaldo José de Magalhães, também foi avisado e partiu para a estação da serra de Gongo Soco com seis detetives. A esta altura, a Prefeitura de Caeté já havia providenciado dois caminhões e os motoristas foram encarregados de conduzir, para a Santa Casa daquela cidade, todos os feridos. Isto não ocorreu porque a Rede mandou quatro ambulâncias ao local. Os caminhões serviram para transportar mulheres e crianças. Na estação do desastre não tinha, sequer, água potável.

Outros caminhões, da Prefeitura de Barão de Cocais, estiveram na estação e levaram vários passageiros para aquela cidade. Treze feridos foram para o Hospital São João do Morro Grande, de Barão de Cocais, e 24 outros para a Santa Casa de Caeté. Ninguém se machucou além de uma mulher (Luíza Tereza de Jesus, 49 anos, Belo Horizonte) que quebrou o nariz e um rapaz (Joberto Alves de Oliveira), que fraturou o tornozelo.

O comandante do pelotão de Barão de Cocais, tenente José Júlio Fernandes, foi chamado em sua casa e reuniu a maioria de seus soldados, indo para a serra, no local do acidente, com o cabo Vicente. De Caeté, saiu o comandante do pelotão local, tenente Vinícius Maurício Vasconcelos, com dois cabos e cinco soldados. Eles ajudaram na manutenção da ordem e providenciavam socorro para os mais necessitados. O tenente Júlio e o cabo Vicente anotaram todos os pormenores para o relatório que será anexado ao inquérito aberto pelo delegado de Barão de Cocais, Sebastião Henriques, nos próximos dias, para apurar as causas do acidente. O delegado de Barão de Cocais não esteve no local onde os trens colidiram de frente.

ATÉ AS 10h, 240 minutos após o acidente, mais de 800 passageiros estavam numa ruaque dá acesso à saída para Caeté. Muitos deles, tinham estendido cobertores na terra vermelha, e dormiam. Outros ouviam rádio e alguns chegaram a ficar revoltados com a notícias que, no local do desastre, haviam morrido 40 passageiros. Eles justificavam temendo o desespero de suas famílias, em casa. Com a chegada da equipe de reportagens da Rádio Guarani, os rumores foram desfeitos, uma vez que os passageiros tiveram condições de falar para suas famílias de bem perto dos dois trens. Muitos desabafaram a "irresponsabilidade dos funcionários da Rede, que teriam dormido em serviço".

Às 11h, soou vários apitos de máquina por detrás das serras ligadas a Gongosoco. Houve uma manifestação de alegria, quando os passageiros ficaram sabendo que era o trem especial mandado pela Rede Ferroviária para apanhá-los e conduzi-los a seus destinos. O maquinista acionou o apito até a aproximação do pátio da estação. Tão logo o trem parou, houve uma correria geral. A máquina era a de número 1732. Crianças e mulheres voltaram a ter problemas, pois eram empurradas umas contra as outras. Parecia que os passageiros estavam com medo de perder o trem. A polícia voltou a agir, com cautela, e colocou ordem entre os passageiros. Muitos reclamaram ter comprado bilhete para o carro leito e que estavam sendo obrigados, naquele instante, a viajar num carro de segunda classe. Tudo deu certo e muitas pessoas acenaram para a polícia, quando o trem deu partida para Belo Horizonte, numa demonstração de alívio. O trem partiu às 11h30m, sob a orientação do chefe de segurança da Rede, coronel José Ferreira Lopes.

O superintendente de produções da RFF, Harly Anselmo, o superintendente de operações, Edilberto Guido Fernandes, e o chefe da unidade de tração do 2º Distrito de Produção, Antônio Vicente Vicentini examinaram, por longo tempo, uma maneira de retirar o carro-correio da Companhia Vale do Rio Doce, que ficou completamente danificado. Seggundo Antônio Vicentini ele não tem condições de reparos. Seu prefixo é ESF-123. O outro carro danificado é o S-201, de segunda classe.

As máquinas 1751 e 1726, que puxavam os 60 vagões de carga, também, foram danificadas. A máquina 1721, que comandava os vagões de passageiros teve sua parte de trás avariada e terá de ser desmontada para voltar ao funcionamento normal.

Os passageiros feridos e levados para a Santa Casa de Caeté são: Flávio Eduardo Passete Cavalcanti (15 anos, avenida S. Francisco, 284, Contagem); Maria Carolina Lacerda (66 anos, Colatina, Espírito Santo); André Luiz Passete Cavalcante (oito anos, avenida S. Francisco, 284, Contagem); Maria Nunes Pereira (69 anos, Governador Valadares); Bonifácio Ferreira Alves (49 anos, Colatina); Alair Luiz Alves (nove anos, Colatina); Belmiro Cân dido do Nascimento (89 anos, Aimorés), Valdivino Lima de Araújo (53 anos, Tarumirim); Sinval Valverde Arruda (13 anos, rua Martins Soares, 305, Nova ; Odair Sales da Mata (Sete anos, rua 40, número 126, bairro Maria Helena ─ Venda Nova); Conceição Rodrigues Pereira (50 anos); Isaltino Sabino Coelho (50 anos);; Elza Maria de Almeida (22 anos, rua Brasília, São Benedito, Santa Luzia); Delzelane da Cunha Alves (17 anos, rua Sete, número 42, Gorduras); Djalma Moreira dos Santos (48 anos, rua Carvino, 23, Esplanada); José Cláudio Teodoro (20 anos); Maria da Cunha Alves (50 anos); José Izidoro de Almeida (49 anos, rua Brasília, São Benedito); Maria José de Jesus (67 anos, Macedônia, MG); Maria José da Silva Medeiros (44 anos, Ipatinga).

Maria José Medeiros estava grávida de dois meses e continua internada na Santa Casa de Caeté. O médico Paulo Roberto de Abreu, que está cuidando da paciente, teme a possibilidade de a mãe perder o filho. Maria da Silva disse que esta é a quarta gestação com problemas. Os médicos Carlos Eduardo Guimarães e Afonso Rangel de Souza formaram, com Paulo Roberto, a equipe que assistiu os feridos em Caeté.

Os passageiros feridos e medicados no hospital São João do Morro Grande, em Barão de Cocais, são: Iraci Gonçalves Madeira (46 anos, Matozinhos); Nélson Atanásio (33 anos, Barão de Cocais); Argemiro de Moura (23 anos, Barão de Cocais); Melquíades Alexandre de Araújo (39, Belo Horizonte); Luiza Tereza de Jesus (49 anos, Belo Horizonte); Eliza Alves de Oliveira (61 anos, Belo Horizonte); Joana Célia Cintra (11 anos, Belo Horizonte)o Joberto Alves de Oliveira (Belo Horizonte); João Gonzaga de Oliveira (Belo Horizonte); Ademar Basílio Damásio; Eliane Nunes de Assis; Luzia Barreto Estêvão e Joel de Oliveira.

Os passageiros Luciene Marcelina de Oliveira (28 anos); Manoel Cândido da Silva (36 anos, rua Paulo Afonso, 99, Betim), Irajá Guerra de Oliveira (12 anos, rua Uberlândia, 154, Carlos Prates) e Roseval Coelho Cunha (12 anos, rua São Geraldo, 12 Nova Cintra), foram medicados no Pronto Socorro do Hospital João XXIII, em Belo Horizonte.

Mais de oitocentas pessoas se ajeitaram como puderam no trem-socorro

Jornal Estado de Minas, sábado, 17 de janeiro de 1981

sexta-feira, 24 de junho de 2016

11.11.1972 ─ Policial morto é sepultado e sua assassina morre em novo tiroteio

Mário Panzariello          Aurora Maria N. Furtado          Flávio Augusto N. L. de Salles


Policial morto é sepultado e sua
assassina morre em novo tiroteio

Foi sepultado na tarde de ontem o detetive Mário Domingos Panzariello, morto pela terrorista Aurora Maria Nascimento Furtado, pertencente à Aliança Libertadora Nacional. O atentado contra o policial ocorreu na quinta-feira, quando o agente interceptou a terrorista e o seu amante Flávio Augusto Neves Salles, na Av. Brasil. Este conseguiu escapar, enquanto Aurora, conhecida pelos codinomes Márcia, Patrícia, Rita e Lola, feria o policial à queima-roupa e passava a disparar seu revólver entre os automóveis que circulavam no local.

O fato ocorreu na manhã de quinta-feira e, na madrugada de ontem, ao levar uma caravana de policiais ao Méier, onde se localizava o aparelho do seu grupo, Aurora tentou fuga e aos gritos conseguiu alertar vários terroristas que se encontravam no interior de um carro. Estes abriram fogo contra a polícia e, terminado o tiroteio, a moça agonizava. Enquanto os policiais procuravam garantir-lhe socorros, os ocupantes do veículo conseguiram escapar em alta velocidade. Outro detetive, que participou da primeira diligência, saiu também ferido. Está internado em estado grave.

PRISÃO E ATENTADO

Infirme liberado ontem pelas autoridades registra que às 9h40min da última quinta-feira os integrantes de uma radiopatrulha do 2.º Setor de Vigilância Norte interceptaram um casal em atitude suspeita, na ponte de Parada de Lucas. Ao abrir sua bolsa, a pretexto da apresentação de documentos, a mulher retirou um revólver que disparou duas vezes contra o peito do detetive Mário Panzariello, atingindo também outro agente, que se encontra internado em estado grave. Em seguida, a mulher correu por entre os carros que transitavam pela Av. Brasil. De arma em punho ela disparava contra os policiais que a perseguiam.

Ao ser alcançada, resistiu e empreendeu luta corporal com os demais agentes, rolando por uma aribanceira ao lado da ponte de Parada de Lucas. Aproveitando-se do pânico estabelecido entre os populares, o seu acompanhante, mais tarde identificado como Flávio Augusto Neves de Salles ─ o "Rogério" ─, conseguiu fugir por outra direção. Entretanto, deixou cair a maleta que carregava, onde foi encontrada uma metralhadora e inúmeros documentos subversivos. A mulher identificou-se como Aurora Maria Nascimento Furtado. Seus codinomes são Márcia, Patrícia, Rita e Lola e ela confessou pertencer à facção da Aliança Libertadora Nacional.

ESCARAMUÇA

Aurora Maria Nascimento Furtado ao ser interrogada disse que o acompanhante que escapou no momento de sua prisão era seu amante e que ambos estavam encarregados da realização de vários planos terroristas na área da Guanabara. Assegurou aos policiais poder levá-los ao "aparelho" em que encontrava Rogério, na verdade Flávio Augusto Neves Salles. Na madrugada de ontem, levou os agentes ao Méier, onde, nas esquinas das Ruas Adriano com Magalhães Couto, afirmou localizar-se o esconderijo. Alegando razões de segurança, solicitou autorização para dirigir-se a pé ao "aparelho" e sozinha. Tão logo foi libertada pelos agentes, começou a correr em direção a um automóvel Volkswagem, gritando de forma insistente, para alertar os ocupantes do auto.

Estes, ao sentirem a presença da polícia, começaram a atirar. A fuzilaria foi intensa e, quando cessou, a terrorista estava atirada ao solo, ferida e agonizante. Preferindo oferecer socorro a Aurora, os policiais não puderam alcançar o veículo dos terroristas, que deixou o local em disparada. Aurora Maria Nascimento, que morreu logo depois, nasceu em São Paulo, a 17 de junho de 1946. Formou-se em Psicologia na Universidade de São Paulo, onde iniciou suas atividades políticas através do Movimento Estudantil. Dali passou a integrar o Grupo Tático Armado, da ALN de São Paulo. Até abril de 1970 ela trabalhou no Banco do Brasil, agência do Brás.

Seu grau de periculosidade pode ser analisado por diversas ações terroristas.

Jornal Correio da Manhã, sábado, 11 de novembro de 1972