quarta-feira, 15 de junho de 2016

12.11.1989 ─ 'La Pasionaria' morre na Espanha, aos 93 anos



'La Pasionaria' morre na Espanha, aos 93 anos

MADRI ─ Dolores Ibarruri, La Pasionaria, a lendária líder comunista da Guerra Civil Espanhola (1937-1939), morreu ontem em Madri, aos 93 anos, de pneumonia dupla. Ela estava internada desde setembro.

Nascida em Gallerta, no país Basco, em 9 de dezembro de 1895, ela queria ser professora, mas teve que abandonar os estudos aos 15 anos, para trabalhar como cozinheira. Casada com o mineiro socialista Julian Ruiz, Dolores foi uma das fundadoras do PC. Ela adotou o pseudônimo por ter escrito seu primeiro artigo na Sexta-feira da Paixão.

Com o advento da República, ela foi eleita deputada em 1931. Em 1937, já em meio à rebelião militar que levaria à ditadura de Francisco Franco, ela lançava no rádio sua famosa palavra de ordem: "No passarán", que animou a resistência republicana contra Franco.

Dolores Ibarruri
Combativa, abnegada e Stalinista

Com a morte de La Pasionaria desaparece um dos últimos mitos do comunismo da velha escola. Combativa, abnegada, mas stalinista inflexível e fiel a Moscou até à morte. Uma morte que ─ coincidência ou não ─ ocorre junto com a queda do Muro de Berlim.

Essa mulher baixinha, sempre vestida de preto, sombrancelhas cerradas e eternos brincos de prata, desafiou o rígido catolicismo da família e seu destino provável ("tecer, parir e chorar", segundo ela mesma). Aderiu ao comunismo, mas sempre com a mesma rigidez moral. O partido em primeiro lugar. Mão de seis filhos, ela viu quatro deles morrerem por falta de assistência médica e um quinto como oficial do Exército Vermelho, combatendo nazistas em Stalingrado.

Antes de tudo, o PC e a URSS. Em nome dos dois, ela liderou a tenaz resistência contra Franco. "É melhor morrer de pé que viver de joelhos", dizia, retratada por Ernest Hemingway como Pilar, no livro Por quem os sinos dobram.

Mas também em nome do partido e da URSS, aceitou que o PC massacrasse centenas de anarquistas e socialistas revolucionários espanhóis, cujo "radicalismo" estragava a "aliança republicana" defendida pelos comunistas. E mandou de volta para as Brigadas Internacionais, os militares de voluntários esquerdistas de todo o mundo que foram à Espanha lutar contra Franco. "Vocês podem ir com orgulho. Vocês são a história", afirmou na despedida. A desmobilização havia sido ordenada por Stálin, temendo que o internacionalismo da brigadas assustasse franceses e britânicos, seus parceiros em um novo acordo de paz. Os brigadistas partiram e Franco venceu.

A mesma Dolores que, proibida de falar em um comício na Suíça, em 1973, cantou músicas da Guerra Civil Espanhola ("Não me proibiram de cantar", disse), foi a dura secretária-geral do PCE que sempre justificou os vaivéns de Stálin. Desde o pacto com os nazistas até o massacre da oposição soviética, passando pelo culto à personalidade. Afinal, estavam em jogo "as necessidades do socialismo", como lembra o rancoroso ex-comunista Jorge Semprun em Autobiografia de Federico Sanchez.

Estranha Dolores. Exemplo de resistência ao fascismo ou símbolo da intolerância stalinista, até ser posta de lado com a ascensão do eurocomunista Santiago Carrillo no PCE? Talvez ela mesma tenha dado a melhor pista para matar a charada quando declarou: "Eu só queria ser professora". (Jayme Brener)

Jornal do Brasil, domingo, 12 de novembro de 1989

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