sexta-feira, 10 de junho de 2016

18.06.1934 ─ Um amor furioso e empolgante, no occaso da vida

A VILLA MEU IDEAL, LOCAL DA TRAGEDIA ─ A progenitora da mallograda Anna, quando
posava, em companhia dos seus netos, para a objectiva do DIARIO DA NOITE




Um amor furioso e empolgante, no occaso da vida
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Louco de ciumes, o homem abateu a tiros a sua velha companheira e depois se matou
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EMOCIONANTES DETALHES EM TORNO DA TRAGEDIA BRUTAL QUE SE DESENROLOU A'S ULTIMAS HORAS DA TARDE DE HONTEM, EM RICARDO DE ALBUQUERQUE ─ DUVIDAS DA POLICIA ─ VELHICE POVOADA DE LYRISMO ─ O QUE ATE' AGORA SE APUROU ─ OUTRAS NOTAS DA REPORTAGEM DO "DIARIO DA NOITE"

Uma tragedia brutal, duplamente funesta, desenrolou-se hontem, ao cahir da noite, em Ricardo de Albuquerque, gerada por sanguinario e doentio ciume de um homem que já começava a sentir o frio do inverno da vida, a cabeça branquejando com a neve da velhice. Numa quadra de desencantos, quando já se experimentou toda a escala das sensações a gama das emoções mais intensas e se chega afinal ao accaso, amargando o fel das desillusões que a experiencia provoca, elle com a impetuosidade lyrica de um adolescente, depois de um dialogo em que havia palavras de fogo de uma mocinha ainda sonhadora, abateu a mulher ainda reverdecera a alma, em novos desejos e outras illusões e a seguir, matou-se tragicamente, como um personagem shakespereano ou uma criatura de Ibsen.

Ella, tambem cheia de janeiros, de sua mesma idade, conseguiu como a famosa Ninon de Leuchos que ateava paixões allucinantes, com uma ssenectude gloriosa e deslumbradora, manter sempre accessa e ardente a chamma de um grande amor que incendiava o coração do velho rejuvenescido com o milagre do mesmo sentimento magico que fez Victor Hugo, sexagenario, tornar-se o maior poeta do seu tempo.

Essa tragedia que, em rapidas pinceladas, descrevemos acima, mereceria, em outro tempo, uma moldura do infinito lyrismo, com o mesmo fundo romantico de um quadro de Romeu e Julieta. Mas hoje se busca a sua genese nesse mundo labyrinthico, suprehendente e sensacional que o sabio judeu de Vienna desvendou.

OS PERSONAGENS
São protagonistas da tragedia o negociante Cornelio Arthur Vargas, branco, com 56 annos de idade, e Anna Garvasona, tambem branca, com 58 annos de idade.

Cornelio era casado mas separara-se, ha muito tempo, da esposa, por motivo intimo.

O mesmo acontecia com Anna, que a elle se ligára iam há tres annos atraz, num sabbado de Carnaval.

Do matrimonio Anna tivera os seguintes filhos: Margarida, com 35 annos de idade; Adelaide, Deopoldina, Honorina e Leopoldo, respectivamente com 25, 21, 20 e 18 annos de idade.

UM ROMANCE NA VELHICE
O romance de Cornelio e Anna começou ha tres annos passados, numa tarde de Canaval.

Naquelle tempo Cornelio dispunha de recursos e precisava de uma companheira sincera para lhe encher a existencia de um velho, com o coração ainda palpitante de desejos, em substituição daquella outra que o destino lhe roubára.

Naquella tarde, quando à porta de sua casa commercial Anna appareceu, convidando-o para participar com ella dos festejos carnavalescos, Cornelio experimentou uma sensação nova na sua vida e, animado, como se lhe ardesse n'alma aquella mesma chamma da mocidade já bem distante, accedeu ao gratissimo convite, disposto a fazer tudo para conquistar definitivamente a mulher que, apesar de tão entrada em annos, ostentava os restos bem conservados de uma heraldica e estonteante belleza que provocára, no passado, o furor dos "Don Juans".

E foi feliz o Romeu quinquagenario. Quando o Carnaval passou, deixou-os unidos e ditosos como um lindo casal de jovens amantes, aconchegados sob o tecto de uma casa, a rua Venancio n. 63, pequena para conter a immensa felicidade em que nadavam seus corações...

DEPOIS DO AMÔR, A FORTUNA...
O poeta acertou quando disse que o amôr não tem idade. De facto, aquelle casal que andava na casa dos cincoenta janeiros, podia se vangloriar de possuir a mesma capacidade amorosa dos jovens que o viam passar, invejosos da sua perpetua felicidade. E como se isso não bastasse para completar a sua dita, Cornelio, pouco depois, tirou, na loteria,..... 20:000$000!

O dinheiro, porém, só serviu para perturbar a felicidade de velhos amantes. E' que, tempos após, começaram a surgir as primeiras rugas... Anna, apesar de velha, se lhe apresentava cada vez mais faceira, catita, seductora mesmo... E Cornelio começou a sentir fustigando-lhe a alma os espinhos dos primeiros ciumes. Seguiram-se scenas conjugaes e a felicidade foi completamente banida do seio do casal. O velho tornou-se, finalmente, ciumento ao extremo; chegou aos paroxismos de um ciume furioso, sanguinario, doentio.

As difficuldades financeiras, advindas logo depois, vieram provar, mais uma vez, o velho adagio da precariedade das coisas humanas. Cornelio, com os revéses de ordem material, se havia transformado completamente. Todavia, no intimo era o mesmo amante apaixonado, morrendo de amôres pela velha que elle trazia numa apprehensiva e torturante ronda de angustiosos ciumes... Os que privavam na intimidade do casal, sobretudo os filhos e parentes de Anna, presentiam um sombrio epilogo para o desfecho daquella situação que se ia tornando cada vez mais insustentavel. E havia um grande trabalho por parte dessas pessoas para que se désse uma separação ou, pelo menos, que Anna fosse, por algum tempo, afastada do convivio do seu furioso amante.

O CUMULO DO CIUME

Ultimamente Cornelio era extramamente violento e nos seus ciumes, chegava ao incrivel e ao absurdo. Cada vez mais desconfiado da amante, vendo sombras de rivaes por toda parte, o homem attingiu o cumulo de impedir que Anna se comunicasse com os parentes e pessoas amigas, estendendo, afinal, a sua prohibição em relação aos estranhos, a todo mundo, de modo que a pobre mulher passou a existit quasi sem contacto com a vida externa, com o mundo que se agitava lá fóra, emquanto ella, prisioneira dos ciumes doentios do amante, estava segregada, como em carcere privado.

MATO-A!"

Hontem, cerca das 5 horas, Cornelio appareceu á casa de uma das filhas de Anna, d. Margarida, e, após indagar pelo seu estado de sau'de, confessou estar disposto a acabar com aquelle estado de vida, de uma maneira tragica. E, exhibindo uma garrucha, com duas balas, exclamou:

─ "Mato-a" Uma bala é para mim, a outra, para ella!"

Ella, a quem Cornelio se referia, era Anna.

A TRAGEDIA

A tragedia se verificou ás 18 horas.

A'quella hora, se achava na sala de jantar da residencia da rua S. Venancio, d. Anna, prisioneira de ciumes furiosos, de Cornelio. No quarto, seu filho Leopoldo, marinheiro nacional, lía um jornal.

Ali chegando, Cornelio se dirigiu logo a Anna e travou com ella violenta discussão.

A mulher depois de discutir e levando ainda, no ouvido, o éco das ameaçãs do amante, dirigiu-se para o interior da casa.

Cornelio com a physionomia contraida, num rictus de odio, seguiu-lhe os passos.

Anna se havia trancado no banheiro. Simulando uma grande calma, como se lhe houvesse aplacado a tempestade de colera que antes desencadeára, Cornelio solicitou-lhe que abrisse a porta: Anna obedeceu.

Desenrolou-se logo a seguir, com a cumplicidade das paredes daquelle gabinete, sem testemunhas, a horrivel tragedia. Como um endemoniado, desfechou um tiro contra a amante, alvejando-a á queima-roupa e ferindo-a de morte, no pescoço.

A velha tombou para morrer instantes após.

O marinheiro, ouvindo o grito de socorro da progenitora e logo depois, a detonação correu no encalço de Cornelio, mas se deteve, porta da visinha porque o criminoso ahi havia tombado.

Cornelio se justiçára voltando a arma assassina contra si mesmo e matando-se.

O marujo dirigiu-se então, á casa da sua irmã Margarida solicitando soccorros.

Esta, vendo-o pallido, perguntou-lhe muito apprehensiva o que havia e elle relatou tudo o que succedera.

Immediatamente d. Margarida sahiu ao encontro da progenitora. Depois percorreu a casa sem encontrar Cornelio á porta da casinha, como lhe tinha dito o irmão.

Momentos após perto de um tanque, encontrou a morrer numa dolorosa agonia e perguntou:

─ O que fizeste Cornelio !

A policia procura esclarecer uma duvida suscitada pela declaração do marinheiro, á irmã.

Acha a policia que não houve a scena descripta por Leopoldo e isso mesmo justifica a propria arma, uma garrucha de 2 tiros.

Entendeu as autoridades do commissariado de Anchieta que Cornelio só se suicidou quando interrogado por Margarida.

E para melhor esclarecer essa ponta deteve o marujo.

UMA MANCADA DE UM SARGENTO DO CORPO DE BOMBEIROS

A segunda pessoa que correu no local da tragedia foi um sargento do Corpo de Bombeiros ali tambem residente.

Complicou elle as diligencias da policia local porque desviou de perto do cadaver a arma assassina, collocando-a sobre uma mesa na sala de jantar.

Esse facto prejudicou a acção da policia e criou uma duvida que mais tarde a autoridade conseguiu esclarecer, com os depoimentos de Margarida e do seu mano Leopoldo.

UMA MACROBIA ENVOLVIDA NA TRAGEDIA

Surge casualmente envolvida nessa tragedia emocionante e brutal, a senhora Maria Joaquina das Neves, mão de D. Anna e que conta, longos 103 annos, bem vividos.

A macrobia tambem foi interrogada pela policia, tendo declarado que ouvira as duas detonações.

A velhinha ainda fala com facilidade locomove-se bem e revela surprehendente lucidez de espírito.

A REMOÇÃO DOS CADAVERES

O commissario inspector Arthur de Oliveira fez remover os cadaveres para o Necroterio.

Hoje, cedo, sobre a lage dria do Necroterio, jaziam os dois corpos dos amantes que arderam de amor em vida e terminaram, marchando para a morte cheios de odio...


CORNELIO ESTAVA SENDO PROCESSADO

A policia apurou que Cornelio estava sendo processado por roubo de grande quantidade de cimento, na jurisdicção do 29.º districto.


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Quando festejavam São José
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Um conflicto e cerrado tiroteio entre soldados do Exercito e da Policia

Na curva do Mattoso, em Santissimo, realizaram-se, hontem, festejos em homenagem ao santo do dia, São José.


Os moradores das estações proximas accorreram, fervorosos, á festa do padroenro dos paes de familia e, ás cerimonias religiosas, seguiram-se os leilões, as tombolas. Emquando muitos se divertiam como christãos, outros se entregavam a paganissimas libações.

O alcool corria, jorrava das garrafas, por boccas sequiosas.

Afinal, já tarde da noite, os animos estavam deveras esquentados, a despeito da chuva. Foi, então, que surgiu um serio desentendimento entre a patrulha de soldados do Exercito, sob o commando de um sargento e a dos soldados da Policia Militar. Os do Exercito, abrigando-se no matto, romperam fogo, de pistolas Parebellum, contra os da Policia. Durante vinte minutos foram trocados muitos tiros e, quando terminou a munição a contenda fincou. Não houve feridos, felizmente. O botequim, de propriedade de Adriano Mendes, ficou completamente destroçado. Mesas, cadeiras, balcão, tudo ficou em fragmentos.

As autoridades policiaes do 25.º e 26.º districtos estiveram no local, correndo o inquerito pela delegacia de Bangú.

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Quando chega a vez dos jardins
(conclusão da 1ª pag.)
queza florestal, e não, apenas, simples tapete de capim, com algumas figueiras deselegantes e amendoentas desfolhadas.

A Quinta da Bôa Vista e o Parque Julio Furtado, de linhas architectonicas impecaveis, resentem-se da falta de attractivos e por isso não são procurados.

Já não digo que se deva transformal-os em parques de diversões, mas entendo que se poderia dotal-os de divertimentos gratis para o povo.

A Quinta da Bôa Vista, por exemplo, tem uma area que comporta campos e pistas de sports, campo de tennis e apparelhos de gymnastica para creanças, sem sacrificio de arvores.

─ Considero a arborização da cidade o problema mais sério da Directoria de Jardins ─ porque julgo de necessidade inadiavel e premente levar esse melhoramento a todas as ruas do Rio de Janeiro.

Devo dizer, de passagem, que sou contrario á póda exaggerada das arvores e que a admitto apenas para retirada de galhos seccos e aeração.

São estes os pontos principaes que defenderei na Directoria de Jardins; não sei se conseguirei cumprir o meu programma, mas trabalharei para isto, conclue s. s."..

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ASSASSINATO EM ITABORAHY
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O SEU AUTOR E' UM SOLDADO DO DESTACAMENTO LOCAL

O dr. Antonio Pereira Gestal, 3.º delegado auxiliar fluminense, recebeu communicação, de que em Itaborahy, no logar denominado "Zumby", occorrera um assassinato, tendo providenciado para que seguisse hoje, para aquelle municipio, um medico legista para proceder a autopsia da victima.

Soube mais, aquella autoridade, que o morto é Leopoldino de tal e que o criminoso é o soldado da Força Militar, Sergio Araujo do Nascimento, n. 160, da 1.ª companhia do 11.º batalhão, pertencente ao destacamento local, o qual fugira, após, a pratica do delicto.

As causas do crime não são conhecidas em Nictheroy, nem nenhuma outra communicação chegou ao palacio da antiga rua do Padre Feijó até á hora em que escrevemos.
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O soldado criminoso foi preso mais tarde numa casa onde se occultára, tendo a aggressão se verificado á faca no botequim e armazem de Pedro Azeredo Filho.

Correio da Manhã, segunda-feira, 18 de junho de 1934

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