domingo, 26 de junho de 2016

19.06.1934 ─ Sombrio epilogo de um romance na velhice



Sombrio epilogo de um romance na velhice
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O AMOR, INCENDIANDO O CORAÇÃO DE UM VELHO REJUVENESCIDO, LEVA-O A MATAR A
VELHA COMPANHEIRA E, EM SEGUIDA, MATAR-SE COM A PROPRIA ARMA
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A IMPRESSIONANTE TRAGEDIA DE RICARDO DE ALBUQUERQUE

O ciúme, mais uma vez, deu origem a um episodio sangrento, de consequencias brutalissimas e fataes e que teve por palco a estação de Ricardo de Albuquerque, o longinquo suburbio da E. de F. Central do Brasil. Com o espírito dominado pelo "monstro de olhos verdes", um homem já no seu occaso da vida, cheio de desenganos e experimentado de desilusões, abateu a tiros a sua velha companheira e, em seguida, com a propria arma de que se servira, suicidou-se.

EM CONDIÇÕES IDENTICAS

Foram personagens da impressionante tragedia de ante-hontem, naquella longinqua localidade suburbana, Cornelio Arthur Vargas, negociante, estabelecido com materiaes de construcção á Estrada Nazareth n. 26, e Anna Gervasoni, esta de 50, e aquelle de 58 annos de idade. Ambos estavam em condições identicas, perante a sociedade, pois eram elles separados, um da esposa e o outro do marido.

UM ENCONTRO E UMA UNIÃO

Separado da esposa, ha já alguns annos, Cornelho Arthur Vargas, certa vez, encontrou á porta de seu estabelecimento commercial Anna Gervesoni, tambem casada e separada do marido, do qual tinha os seguintes filhos: Margarida, com 35 annos de idade; Adelaite, Leopoldina, Honorina e Leopoldo, respectivamente com 25, 21, 20 e 18 annos de idade.

Com o coração ainda palpitante de emoções e de desejos, Cornelio , apesar de sua avançada idade, viu em Anna Gervesone uma excellente companheira a lhe encher de alegria a existencia.

Disposto a fazer todos os sacrificios para possuir o coração daquella creatura, que tão grande inspiração lhe provocára n'alma, Cornelio, assediando-a, veiu, finalmente, a possuil-a.

A VIDA DOS VELHOS AMANTES

Unidos e ditosos como um lindo casal de jovens amantes, aconchegados sob o tecto de uma modesta casinha, sita á rua Venancio 63 em Ricardo Albuquerque, Cornelio e sua companheira tão felizes se julgavam, que esqueceram todas as maguas que o passado lhes proporcionára, recordando tão somente o presente e alimentando as maiores esperanças quanto ao seu futuro, que, a julgar pelo grande amor que os empolgava, promettia-lhes as maiores felicidades.

Assim viveram durante alguns annos, sem experimentar sequer a menor contrariedade na sua vida de amantes.

UM ABALO IMPREVISTO E CHOCANTE

Conforme dissemos, Anna Geversoni, quando conheceu Cornelio, vivia ao lado de seus cinco filhos, os quaes, apesar de sua união com o negociante, continuaram em sua companhia.

Mais tarde, porém, Cornelio apaixonára-se por Adelaide, filha de Anna, que era casada e igualmente separada do marido. Aproveitando-se da ciscumstancia de estar Adelaide vivendo sob o mesmo tecto, Cornelio seduziu-a, tornando-se seu amante.

Ao ter conhecimento desse tristissimo facto, Anna Geversoni, que até então se mostrára carinhosa e boa companheira, passou a tratar o amante com indefferentismo, por vezes irritante, não sendo tambem poucas as vezes que com elle discutia fortemente.

Deante de tal situação, Anna Geversoni expulsára de casa a filha ingrata. Cornelio, porém, não abandonou Adelaide, antes, pelo contrário, montou casa para ella e passou a lhe fazer demoradas visitas.

AS SCENAS DE CIUMES CONTINUAM A SE VERIFICAR DIARIAMENTE

Revoltada com o procedimento do amante e não menos com o de sua filha, Anna Geversoni constantemente tinha com Cornelio altercações violentissimas, que só terminavam com a intervenção de terceiros.

E a vida dos amantes, de harmoniosa que era, passou a ser uma constante inquietação. Quasi relegada ao abandono pelo amante, Anna Geversoni, sem intuitos menos dignos, sahia constantemente, só regressando á casa altas horas da noite. Com isso não concordava Cornelio, que passou a denotar violento ciume pela sua primeira amante.

Como que arrependido do seu procedimento, Cornelio, ultimamente prohibira Anna de falar com os parentes e pessoas amigas, renovando, assim, os seus terriveis ciumes. Anna, entretanto, ferida no seu amor proprio e já sem a confiança primitiva que depositára no amante, quanto á sua honestidade, não attendeu ás suas ordens.

A TRAGEDIA

Morrendo de amores pela velha amante, Cornelio passou a vigiar-lhe os passos.

Nada observando que a desmerecesse, Cornelio sentiu-se novamente empolgado pelas caricias de Anna e pediu-lhe que esquecesse o mal que lhe havia causado. Não obtendo solução satisfatoria por parte de Anna, o velho negociante appellou para as ameaças, que eram renovadas de instante a instante.

E as pessoas que privavam das relações dos amantes, presentiam um sombrio epilogo para o desfecho daquella terrivel desavença.

Ante-hontem, indo assistir uma festa na igreja proxima, Anna Gevarsoni, ao regressar á casa poz-se a palestrar com um cavalheiro que não se sabe quem seja. Cornelio, de longe, observára a palestra, e logo planejára vingar-se da amante. Esperou-a traquillamente em casa, armado de revólver.

Assim que a amante lhe appareceu, Cornelio teve com ella violenta altercação. Sem dar grande importancia ao facto, Anna Gevarsoni se dirigiu ao banheiro. Cornelio, completamente allucinado, pediu á amante que abrisse a porta, sendo attendido. Nessa occasião, Cornelio, dominado pelo odio e tambem pela idéa de exterminar a velha companheira, assim que penetrou naquella pequena dependencia, sacou da arma e alvejou-a, indo o projectil attingil-a no pescoço, provocando-lhe morte immediata.

Ouvindo dois estampidos, Leopoldo, filho da infeliz senhora, que serve actualmente á Marinha de guerra e que se achava em seu quarto entregue á leitura de um romance, correu aos fundos da casa, indo encontrar cahido, todo ensanguentado, em frente á porta do banheiro, Cornelio, que apresentava um ferimento no ouvido. Depois, entrando no banheiro, deparou com sua velha mãe, já sem vida, com o pescoço tambem varado por uma bala.

A POLICIA

Quando o commissario inspector Arthur Gomes de Oliveira, do posto policial de Anchieta, chegou á casa da rua Venancio, encontrou estacionada em frente á mesma enorme multidão de curiosos, que indagavam, espavoridos, do que ali havia occorrido.

Rompendo com grande difficuldade aquella massa compacta, conseguiu a autoridade penetrar na casa, encontrando já sem vida os personagens. Em uma busca procedida nas roupas das duas victimas, encontrou o commissario Arthur Gomes de Oliveira, em poder de Cornelio, além de um môlho de chaves, uma navalha e um cartão da casa commercial de propriedade do mesmo, onde se lia, escripto a lapis: "Bancando o camarada, descobri tudo claro. Para não dar escandalo, posso partir e parto."

A REMOÇÃO DOS CADAVERES PARA O NECROTERIO

Tomando todas as providencias que o caso exigia e após tudo apurar com cuidado, a autoridade fez remover os cadaveres para o necroterio do Instituto Medico-Legal. Em seguida, o commissario Arthur Gomes de Oliveira arrolou testemunhas e instaurou inquerito no posto policial local.

A AUTOPSIA E O SEPULTAMENTO DAS VICTIMAS

Hontem, á tarde, o dr. Mario Campello, do Instituto Medico-Legal, procedeu á autopsia nos cadaveres dos protagonistas da emocionante tragedia da rua Venancio, em Ricardo Albuquerque.

Aquelle medico, no exame que levou a effeito, no corpo de Anna Gevarsoni, attestou como "causa-mortis", ferimento no pescoço por projectil de arma de fogo com lesão na carotida primitiva esquerda e hemorrhagia interna consecutiva.

O exame procedido no cadaver de Cornelio Arthur Vargas, attestou, como "causa-mortis": ferimento penetrante do craneo por projectil de arma de fogo com lesão parcial do encephalo.

O sepultamento de Anna Gervasoni e Cornelio Arthur Vargas, verificou-se ás 17 horas, no cemiterio de São Francisco Xavier, sahindo os feretros do necroterio do Instituto Medico-Legal, a expensas, respectivamente, de Leopoldina Gevarsoni, filha da desventurada senhora, e Waldyr Vargas, irmão do criminoso e suicida.

a assassinada
Anna Gervazone

O pomo da discordia
Adelaide Gervazone

O criminoso e suicida
Cornelio Arthur Vargas

AO ATRAVESSAR A RUA
Foi colhido e morto
por um omnibus

Um desastre impressionante occorreu, hontem, á noite, proximo ao Tunel Novo, de que resultou a morte de um transeunte.

Ao atravessar a rua, proximo do tunel, o individui Theodoro Maia, preto, de 36 annos de idade presumiveis, foi colhido e morto pelo omnibus n. 546, da Viação Federal, dirigido pelo motorista Manoel Gastão.

Preso em flagrante o motorista foi autuado na delegacia do 7º districto.

O cadaver da infeliz victima foi removido para o necroterio do Instituto Medico Legal.
Quasi um grande incendio na rua Uruguayana
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A acção sempre efficiente dos bombeiros evitou que
fossem destruidas pelas chamas uma leiteira e a
redacção do AVANTE !
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Um aspecto do sinistro de ante-hontem, na rua
Uruguayana, 144
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O incendio que se manifestou, na tarde de ante-hontem, á rua Uruguayana n. 144, não teve, felizmente, as proporções dos grandes sinistros, graças á acção sempre efficiente dos bombeiros, que promptamente compareceram ao local e combateram as chammas com todo o rigor, conseguindo exterminal-as, antes que as mesmas se alastrassem, não só aos andares superiores do referido predio como tambem ás casas contíguas.

O AVISO

O aviso aos bombeiros foi dado pela caixa de soccorros n. 266, immediatamente os bravos soldados do fogo, com todo o material necessario, compareceram ao predio n. 144, da rua Uruguayana, em cujo andar terreo funccionava a leiteira "Rosa Cruz", de propriedade dos irmãos Maia Lemos & Cia, Ltd., onde, segundo o aviso, lavrava o incendio.

Effectivamente, ao ali chegarem, os bombeiros verificaram que do referido estabelecimento commercial saiam grossos rolos de fumaça denotando a existencia de fogo.

O ATAQUE A'S CHAMMAS

Assentando suas possantes mangueiras, os bombeiros iniciaram o ataque ás chammas, que durou cerca de trinta minutos, findo os quaes, estavam as mormas extinctas. Em seguida, os bravos soldados do fogo, que eram commandados pelo 1º tenente Diogenes e, tinham como chefe de manobras o aspirante Cypriano dos Santos, se retiraram.

A POLICIA

Pouco depois da chegada dos bombeiros compareceu ao local o commissario Vicente Martins, da delegacia do 3º districto, que tomou todas as providencias de sua alçada. Syndicando, apurou a autoridade que o sinistro tivera inicio num commodo existente nos fundos da leiteira e que servia de alojamento dos empregados.

Ao que parece, o fogo originou-se em consequencia de uma explosão no motor da machina de fabricar gelo.

OS SEGUROS

A leiteira "Rosa Cruz", segundo apurou ainda o commissario Vicente Martins, está segurada em sessenta contos de réis, sendo trinta da Companhia de Seguros "Varejistas" e outros trinta na "Novo Mundo".

O predio , em cujo primeiro andar funcciona a redacção do popular jornal "Avante!" está também segurado na Companhia Novo Mundo pela importancia de 18 contos de réis.

OS PREJUIZOS

Não foram, felizmente, avultados os prejuizos. Estes, entretanto, avaliados em 4 contos de réis, foram produzidos mais pelos estragos causadps pela agua do que propriamente pelo fogo.

A redacção do "Avante!", porém foi que mais soffreu esses estragos.

OS DETIDOS

Logo que chegou ao local, o commissario Vicente Martins, deteve os socios da firma, afim de deporem no inquerito que instaurou na delegacia da rua da Alfandega.

Diário de Notícias, segunda-feira,18 de junho de 1934

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