segunda-feira, 27 de junho de 2016

20.10.1968 ─ TERROR LEVA POLÍCIA DE VENCIDA

Diário de Notícias, 20-10-68 ─ Pág. 12 ─ 1ª Seção


MILITARES ESTRANGEIROS MORTOS E BOMBAS E ASSALTOS VIRAM ROTINA

TERROR LEVA POLÍCIA DE VENCIDA

• Reportagem de Gilvandro Gambarra e Clóvis Basso

DO ALMIRANTE HECK: "Os atentados às instituições, aos bens alheios e à integridade física das pessoas se sucedem, ininterruptamente, e o terrorismo toma conta das cidades, criando uma rotina de morte e de mêdo, agravada pela certeza da impunidade ou pela repressão às vêzes ilegal ou despropositada". De fato, o terror, a par dos assaltos contra bancos, domina os grandes centros do País. Em São Paulo, de 33 dêsses assaltos, que já ascendem a quase NCr$ 1 milhão, apenas um foi elucidado e nêle estavam implicados elementos da Fôrça Pública e um tal de Sabato de Noite, o astrólogo Aladino Félix. As explosões de bombas, tanto lá como aqui, e, já agora, também em Belo Horizonte, se sucedem e seus autores continuam impunes. E, mais grave ainda: depois do assassínio, no Rio, de um oficial alemão, eis que na capital paulista outro oficial, êste americano, é assassinado de modo nunca visto no Brasil. Em tudo os criminosos se renovam, com o seu fim de destruição, enquanto a polícia, tècnicamente obsoleta e sem elementos preparados, vem sendo levada de vencida. E, agravando ainda o problema, há os crimes atribuídos à própria polícia ─ o "Esquadrão da Morte" ─ e os resultantes da "guerra entre bicheiros", na qual estão implicados, segundo as autoridades, poderosos "banqueiros" do jôgo proibido mas sempre existente.

A morte do americano
A Polícia de São Paulo, notadamente o DOPS, o SNI e a Polícia Federal continuam às tontas para chegar aos matadores do Capitão Charles Rodney Chandler, da Marinha dos Estados Unidos, executado a tiros de metralhadora e revólver calibre 38, no último sábado, quando saía de sua casa no Sumaré. O homicídio traumatizou a opinião pública paulista, dada as circunstâncias em que o oficial foi assassinado ─ dentro do próprio automóvel. Nas investigações que se seguiram após o crime, as autoridades prenderam como «forte suspeito» o dentista José Luís de Andrade Maciel, proprietário do «fusca» SP 21-67-29, cuja chapa foi anotada pela empregada da cantora Hebe Camargo. A doméstica, um pouco confusa, chega a dizer que aquela era a placa do carro em que viajavam os matadores do Capitão. Conta ela que passou a anotar as chapas dos veículos que estacionavam nas proximidades de sua casa porque, uma semana antes, por brincadeira ou não, alguém telefonou para Hebe, ameaçando-a de morte.

A empregada, crivada de perguntas, isto porque era considerada como «chave» para decifrar o mistério, relutou que, antes da morte do oficial americano, anotou os números das chapas de três «Volks» que estacionaram no quarteirão. Um dêles era prêto, outro azul claro e, o último, gêlo, justamente a côr do auto em que viajavam os assassinos. A placa 21-67-29, ao ser entregue à Polícia, deu uma luz às investigações. O veículo era do dentista José Luís de Andrade Maciel, preso horas depois na cidade paulista de Jales. Surprêso com a prisão, José Luís achou até absurdo a idéia de ser um dos envolvidos no atentado. Levado para o DOPS ─ que achou por bem investigar o crime, por ser de motivação política, ─, o dentista apresentou um álibi quase convincente e foi afastado das suspeitas. Ficou, contudo, detido por medida de precaução. A verdade em tôda a apuração que a Polícia vem fazendo é que, até agora, nada há de positivo. Darryl, de nove anos, um dos filhos do Capitão Charles ─ que estava no Brasil aprendendo português para ensiná-lo nos Estados Unidos ─, foi a testemunha ocular da tragédia. Estranhamente, tão logo o pai foi assassinado ─ num caso de tamanha repercussão ─ a família embarcou de volta para West Point, cidade onde vivia Charles. A Sra. Joan, espôsa do oficial, ficou pràticamente impedida de falar qualquer coisa com relação ao fato. Por ordem de sua Embaixada, retornou com os filhos, quase que só com a roupa do corpo, deixando móveis e todos os utensílios na residência de Sumaré. Agora, sem a testemunha importante, que era o menino Darryl, será mais difícil chegar nos assassinos. Isto porque, qualquer suspeito que fôr preso, não poderá ser reconhecido por mais ninguém. Em São Paulo, nos corredores policiais, ante o fracasso das diligências, quase todos já comentam que o assassino do Capitão Charles jamais será descoberto.

O major alemão
O homicídio, de acôrdo com suas características, parece mesmo ou tem, na realidade, ligação com o assassínio do Major alemão Ernest Tito Edward von Westernhagen, ocorrido, no dia 1º de julho último, na Rua Araucária, Jardim Botânico, no Rio. Naquela época, como ainda é do conhecimento geral, Ernest ─ que fazia do Brasil um curso de aperfeiçoamento no Exército (Praia Vermelha) ─ morreu crivado de balas, por volta das 13 horas, quando regressava do lar. Levou 10 tiros, segundo a perícia. Muita gente viu os assassinos despejarem seus revólveres e pistolas contra o oficial germânico. Eram três homens ─ todos brancos ─ que fugiram em direção da Rua Maria Angélica, onde também um «fusca», de côr gêlo, os aguardava com um jovem louro ao volante. A Polícia carioca entrou em diligências e, nas primeiras horas de investigações, já era notório e sabido que o fracasso seria certo. A Delegacia de Homicídios, a que mais trabalhou no caso, foi perdendo terreno a cada minuto que passava e, para completar, a Embaixada da Alemanha determinou que a espôsa do oficial e os filhos embarcassem de volta. A companheira de Ernest prestou ligeiras declarações à Polícia, na própria residência e, de acôrdo com o seu mutismo ─ embora tivesse uma intérprete na ocasião ─ ficou patético que ela estava escondendo a verdade. Sabia de alguma coisa que poderia levar os policiais à elucidação do caso mas acabou levando seu segrêdo para a Alemanha Ocidental. O caso, então, foi arquivado. Agora, interessado outra vez em tentar o esclarecimento, o delegado José Marques, titular da Homicídios carioca conseguiu, através da Embaixada da Alemanha, enviar um grande questionário para a esposa de Ernest responder e assim, em alguma das inúmeras perguntas, responder algumas que dê margem à elucidação do atentado. O perito Thiers, também da Delegacia de Homicídios, é outro que, tão logo ocorreu o assassínio do Capitão Charles, em São Paulo, rumou para aquela capital a fim de colher dados e submetê-los a uma comparação para confirmar ou não se o crime foi praticado pelos mesmos elementos que liquidaram o Major Ernest.

O crime dos martelos: outro alemão
A mesma delegacia, até hoje, ainda não chegou aos elementos ─ judeus, ao que parece ─ que mataram o alemão ex-membro da SS nazista, Wilhelm Karl Ludwing Langen, cujo corpo apareceu bolando nas imediações da Ponta do Cajú, com quatro martelos amarrados em volta da cintura. A vítima, de hábitos estranhos, tinha 63 anos, e residia numa velha mansão da Rua Campos da Paz, no Rio Comprido, onde tinha, também um pequeno laboratório. Vários suspeitos foram presos e libertados por falta de provas. No casarão, os policiais encontraram  livros alusivos aos crimes da Gestapo contra os milhares de judeus, durante a Segunda Grande Guerra, na qual Langen tomou parte como tenente. O mistério do chamado «Crime dos Martelos» é total e, dêle, a Polícia só sabe que Langen, antes de aparecer o mesmo foi seqüestrado na Praça do Rio Comprido por elementos que viajavam num «Simca» verde, com chapa de Cataguazes, Minas Gerais.

Assaltos vão a quase um bilhão
Os assaltos a bancos em São Paulo parecem ser comandados por um grupo de fora e, ainda, consumados por elementos estranhos, eis que êstes, além de agirem livremente, à descobertos até de máscaras, deixando pistas sôbre pistas, irrompem sôbre os estabelecimentos, os saqueiam e somem. Sua última investida, sempre com uma metralhadora como refôrço, foi contra o «Banco do Estado e São Paulo» em Pinheiros, de onde roubaram NCr$ 185 mil. Pela madrugada, praticaram dois outros assaltos, um contra um pôsto de gasolina e outro contra um restaurante, no qual balearam um sargento da PM. Funcionários do banco reconheceram por fotos como 2 dos 5 bandidos, que como sempre, usaram um carro roubado. Roberto Carlos Figueiredo, o «Amigo da Onça» e Edgar Almeida Martins, ambos com registro no DOPS como subversivos. Os dois estão foragidos e as investigações, como sempre, na estaca zero. Dos 33 assaltos consumados em São Paulo nos quais os ladrões roubaram cerca de NCr$ 800 mil, apenas um, contra o banco de Perus, foi elucidado. Também no Rio, houve assaltos contra 4 bancos, entre aqui e Estado Rio e, embora presos os assaltantes, pouco se recuperou do dinheiro roubado.

Atentados a bomba ficam impunes
Outra não é a situação quanto aos atentados terroristas com sucessivas explosões de bombas. Eles começaram em São Paulo, com morte e contra o próprio II Exército, seguindo-se, depois, contra o DOPS e outras instituições. De alguns dêles, foi acusado o grupo de «Sabato de Noite». Êste foi prêso e os atentados continuaram, inclusive no Rio. Aqui, o primeiro dêles foi no cine Bruni-Flamengo, com vítimas, seguindo-se muitos outros, um dos quais, também com vítima, ─ um menino perdeu a mão. O último dêles ocorreu contra a Livraria «Civilização Brasileira», na Rua Sete de Setembro, com graves danos materiais. Mas todos êles continuam em mistério: não há uma pista, uma prisão, nada ─ os terroristas vão levando a polícia de vencida. Daqui, eis que, em Belo Horizonte o terror é desfechado: duas bombas foram lançadas, respectivamente, contra a residência do delegado regional do Trabalho, Sr. Onésimo Viana, e do Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Sr. Humberto Pôrto, cuja casse até bem pouco estivera em greve. Investigações? Nada: tudo é mistério.

Polícia e bicheiros na matança
Enquanto isso, no Rio, continuam insodlúveis os crimes atribuídos ao «Esquadrão da Morte», daqui e do Estado do Rio, e aos bicheiros em guerra, cuja vítima Denilson Serpas, sobrinho do «Banqueiro» Natal, de Madureira. Que a polícia mata, através do seu famigerado «Esquadrão», está provado: falta só identificar (em alguns casos) e prender os criminosos. Tal, por exemplo, é acusação de José Honorato, funcionário do SESI carioca que, indo à Ilha da Conceição, no Estado do Rio, acabou prêso na Subdelegacia local pelo PM Edson que, a seguir, com o subdelegado Meneses, o espancaram e levaram-no para matá-lo na Praia da Luz. Desfecharam-lhe uma rajada de metralhadora e, considerando-o morto, pregaram-lhe o cartaz sinistro da caveira e foram embora. Mas, pela escuridão, erraram os tiros e Honorato escapou, apresentando queixa à Corregedoria de Polícia, onde há muitas outras queixas dêsse tipo.

CONDENADO O MATADOR DE PERPÉTUO

O assassino do detetive Perpétuo de Freitas, o ex-detetive Jorge Galante, foi condenado por 6 a 1 a 12 anos de prisão, pelo II Tribunal do Júri, em julgamento, sob a presidência do Juiz Celso Guimarães, que se estendeu até as 8 horas de ontem. Conforme noticiamos. Galante, já desligado da Polícia, matou o colega quando êste estava empenhado, na favela do Esqueleto, na captura de «Cara de Cavalo», que acabava de assassinar outro agente famoso, o detetive Milton Le Cocq. Galante e Moisés de Castro também estavam ali, em investigações por conta própria ─ era uma corrida de todos para prender o bandido ─ quando surgiu o atrito em meio ao qual, alega que ao ser esbofeteado, Galante sacou da arma e matou Perpétuo. A versão era de que Moisés, ontem absolvido, teria dominado o famoso caçador de bandidos para que o colega Galante pudesse atirar e matar, o que, face ao resultado do julgamento, não prevaleceu. Agora, resta ir a julgamento acusado de lesões corporais contra Galante, o jovem Aramis, filho de Perpétuo que, ao ver seu pai baleado, perseguiu o criminoso e lhe atirou nas nádegas. Galante já foi encaminhado à Penitenciária da Rua Frei Caneca.

ASSASSINADO O COZINHEIRO

A Polícia (30º DD) está procurando Antônio Felipe dos Santos, principal suspeito de haver assassinado, na madrugada de ontem, o cozinheiro da Marinha Mercante, Sebastião Andrade de Lima, de 33 anos, casado, que residia na Rua Tupirapuã, 96, em Marechal Hermes, onde foi atacado com 5 facadas no tórax e 2 tiros no rosto. As autoridades suspeitam de Antônio porque descobriram que sua irmã, Irene da Silva e espôsa do açougueiro José Norberto da Silva (que está internado num hospital do INPS) o vinha traindo com o cozinheiro. Sebastião morreu no Hospital Carlos Chagas e, na Rua Sapopemba, próximo ao nº 742, foi encontrada a faca do crime (igual a que é usada em açougues).

LIVRE MESTRE CUCA DO COPA

ACHANDO por bem anular o flagrante, por considerá-lo técnicamente errado, o Juiz Edélson Melo Serra, da 9ª Vara Criminal, fêz libertar, ontem, o cozinheiro Fernando Dias Pedrinho, do Copacabana-Pálace, que havia sido acusado de ter comido, sem autorização da gerência, meio frango assado. O magistrado levou em consideração o tempo de casa do acusado ─ 22 anos ─ e o excesso de trabalho, que o impediu de almoçar direito naquele dia em que ocorreu o fato.

ROUBADA ATÉ ÂNGELA MARIA

Ângela Maria que, para fãs mais exigentes, em matéria de voz, já não seria a mesma, volta à crônica policial, depois de seu acidentado romance com o espertalhão Cléber, e, desta feita, também como vítima: o assaltante de sua casa, José de Abreu, que de lá, segundo a queixa apresentada pelo empresário da artista, roubou um casaco de "vison", duas perucas e até um televisor. O roubo ocorrera a 24 de setembro último e, ontem, eis que os agentes prenderam o gatuno Abreu, tipo já afeito a tais crimes, surpreendido, então quando saia de uma residência na Rua Professor Saldanha, no Jardim Botânico, onde acabava de "fazer" um rádio. Levado ao chamado "interrogatório científico", Abreu entregou como receptador José Sebastião Hora (Rua Sando Amaro, 180, apto. 104), dono da firma "Perucas Diacuí" situada na Rua Senador Dantas, 117, salas 202 e 425, a quem o ladrão vendera as perucas. "O casaco ─ disse Abreu ─ dei de presente à minha "Mãe de Santo" ─ Léia Paiva dos Santos (Rua Benévolo, 30). O intrujão Hora, que já responde a 11 processos por receptação, foi preso juntamente com Abreu, enquanto o casaco era recuperado com a "Mãe de Santo", cuja macumba não deu para evitar o desfêcho assim amargo de mais essa incursão de Abreu, Hora e outros bichos.

Diário de Notícias, domingo, 20 de outubro de 1968

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