quinta-feira, 30 de junho de 2016

27.09.1983 ─ Paixão pelo Karmann Ghia, o ponto em comum dos membros do clube

 O GLOBO     Terça-feira, 27/ 9/ 83           • 27


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JOAO BAPTISTA DE ABREU
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Paixão pelo Karmann Ghia, o ponto em comum dos membros do clube

Manhã nublada de domingo na Lagoa, um grupo de 20 pessoas ─ todos homens com mais de 35 anos ─ se reúne no posto de gasolina Mengão, na avenida Borges de Medeiros, esquina com a rua Mário Ribeiro. Em comum entre eles, apenas a idade e o fato de serem proprietários de um automóvel fora de linha há sete anos, mas que até hoje desperta a paixão dos aficcionados: o Karmann Ghia, primeiro carro esporte fabricado em série pela indústria brasileira.

Criado há um ano e meio, o Karmann Clube já tem 150 associados, que todo último domingo do mês têm um ponto de encontro no posto Mengão para trocar peças, acessórios e conversar sobre o estado de conservação dos antigos Karmann Ghias. Só uma coisa pode frustrar a reunião a chuva, a maior inimiga destes carros, que, por uma falha no sistema de vedação das portas, inundam facilmente, danificando o assoalho e o estofamento.

A idéia de criar o Karmann Clube partiu de Vicente Eustáquio dos Santos, de 36 anos, dono de uma loja de autopeças da linha Volkswagen, em Bento Ribeiro. Conta Vicente:

─ Na década de 70, muita gente aproveitou chassis de Karmann Ghia para fabricar buggys. Começou a faltar peças e acessórios, mas a Volkswagen, que teria de suprir esta necessidade nunca se preocupou com isso. Então, em 1975 resolvi abrir uma loja de autopeças para atender a demanda e, com o movimento, fui sentindo que a gente podia formar um clube a partir de um interesse comum. Dono de um Karmann Ghia preto, em fibra de vidro, que ele afirma não vender por menos de Cr$ 3,5 milhões, Vicente acrescentou que "já me ofereceram Cr$ 2,5 milhões à vista, mas eu recusei".

A cotação destes carros é algo difícil de avaliar, pois o que conta, na maioria dos casos, é o valor afetivo. Quase todos os proprietários possuem mais de um automóvel e usam o Karmann Ghia apenas para passear nos fins de semana de sol. Um dos colecionadores é o advogado André Richer, ex-presidente do Flamengo e atual diretor jurídico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ele tem quatro carros, sendo dois Karmann Ghias. Orgulhoso ─ alisa a capota a todo momento ─, Richer garante que seu automóvel, modelo 71, é todo original, inclusive os pneus, e só rodou 12 mil quilômetros.

─ Eu já recusei uma proposta de Cr$ 4 milhões de um diretor de banco amigo meu. Em 1979 troquei um relógio rolex de ouro poe este carro, que estava parado na garagem. Para mim, ele não tem preço ─ frisa Richer, enquanto abre e fecha a porta várias vezes para mostrar a suavidade do batente da fechadura. ─ Viu?. É como porta de geladeira.

O diretor da CBF diz que, de vez em quando, vai ao trabalho com um de seus Karmann Ghias, para que a bateria não descarregue. Ele estaciona na calçada em frente à sede da CBF, na rua da Alfândega, e quando volta há sempre um bilhete no pára-brisa com o telefone de pessoas interessadas em comprar o carro.

Mas nem todos os donos de Karmann Ghia são colecionadores. O ator Edson Silva, do núcleo de telenovelas da Rede Globo, tem um modelo 71, que comprou há nove anos de Francisco Cuoco. Diz ele:

─ Eu não tenho esse cuidado.. Rodo pouco normalmente, porque moro em Ipanema e trabalho no Jardim Botânico, mas nunca tive problemas mecânicos. E o carro ainda faz nove quilômetros com um litro de gasolina. O único problema é a dificuldade para encontrar alguns acessórios, como a lanterna e a grade da frente.

Ele acha o clube simpático, mesmo reconhecendo que estava há quatro meses sem ir às reuniões: "É uma forma de a gente se encontrar para trocar peças e bater papo com os amigos".

O pessoal do Karmann Clube pensa em estender a confraternização a outras cidades. O encontro no último domingo de outubro acontecerá num sítio em Volta Redonda, onde haverá um churrasco. E em novembro, a festa será conjunta com o Karmann Cluve de São Paulo, no Clube dos 500, em Guaratinguetá. Os colecionadores sairão em caravana da loja de Vicente Eustáquio, na rua Carolina Machado, em Bento Ribeiro.

A Volkswagen produziu 24 mil Karman Ghias entre 1963 e 1972 e mais 18 mil do modelo TC entre 1971 e 1976. Hoje, não se sabe ao certo quantos ainda circulam no País. Vicente calcula que, somente no Rio, haja mais de mil veículos, dos quais apenas 10% em bom estado de conservação. Os outros podem ser comprados até por Cr$ 300 mil.

Quando o Karmann Ghia foi lançado, em 1963, Vicente Eustáquio tinha apenas 16 anos e nem podia pensar em comprar um automóvel, quanto mais um modelo esportivo. "Meu sentimento era de deslumbramento. Só quem tinha Karmann Ghia na época eram os filhinhos-de-papai e os coroas play-boy, mas sempre sonhei em possuir um. Era o carro da moda, o chamariz das mulheres", lembra Vicente, que, por ironia, só teve condições financeiras de comprar o seu em 1976, no ano em que a Volkswagen retirou o carro de linha.

Hoje, ele está montando uma pequena fábrica para produzir carrocerias de Karmann Ghia em fibra de vidro, feitas sob encomenda. Cada automóvel sairá por Cr$ 2,5 milhões, com o comprador dando o motor, a suspensão, a caixa de marcha e o chassi. Vicente já recebeu seis encomendas: uma de um capitão-de-corveta e as outras cindo de agências de veículos.

Na reunião de todo último domingo do mês, sócios do Karmann Clube conversam, descontraídos

Há sempre um detalhe do carro a ser comentado, uma troca de informação sobre peças

Sua roupa encolheu?
ou você
engordou?

O Globo, terça-feira, 27 de novembro de 1983

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