domingo, 31 de janeiro de 2016

03.07.2007 - Um auto de esperança

O GLOBO
SEGUNDO CADERNO
Arte: Nova galeria abre no Centro em bom momento para o setor • 2
Gente Boa: 'O beijo no asfalto' reúne escritores em leitura • 3
DOMINGO, 3 DE JUNHO DE 2007

Um auto de esperança

Próximo aos 80 anos, Ariano Suassuna é entrevistado por Fernanda Montenegro

André Miranda

Em pouco mais de uma hora de entrevista, Fernanda Montenegro conseguiu arrancar lágrimas de Ariano Suassuna. Mas não foi só. Arrancou também palavras sobre o Brasil, sobre a cultura, sobre as mudanças da idade e, principalmente, palavras sobre esperança.

A pedido do GLOBO, a atriz entrevistou o escritor no Teatro Municipal do Rio. Motivo, local e data não poderiam ser mais apropriados. Entre os dias 10 e 17 de junho, a cidade vai receber o evento "Ariano Suassuna — 80 anos", com exposições, mesas-redondas, mostra de filmes, lançamento de livro, espetáculos e uma vasta programação sobre o dramaturgo (as atividades estão listadas em www.arianosuassuna.com.br). Será no Municipal que o autor de "A Pedra do Reino", romance que ganha uma adaptação numa minissérie para a Rede Globo a partir de 12 de junho, vai abrir a série de homenagens, proferindo uma de suas aulas-espetáculo, marcada para o dia 10, às 12h. Tudo em comemoração aos 80 anos que ele completará no próximo dia 16.

A entrevistadora também não poderia ser mais bem escolhida. Há 50 anos, exatamente em 1957, Suassuna e Fernanda foram ao cinema juntos, assistir a "A estrada da vida", de Federico Fellini, em Recife. Um filme mágico, para dois amigos mágicos.

— Acho que o Suassuna é um criador tão amplo, tão forte, tão referencial no Brasil, que eu só posso reverenciá-lo — afirmou Fernanda.

Então, a seguir, a reverência. 

Fernanda Montenegro

             ENTREVISTA             

Ariano Suassuna

• FERNANDA: Suassuna, esses cem anos pelos quais nós passamos foram um século de grandes transformações, e o Brasil veio com os olhos pela vida afora. O que o pais ganhou no século que se foi e que pode permanecer de bom? O que, na sua memória, na sua vivência, na sua experiência, você acha que o Brasil conquistou?
SUASSUNA: Fernanda, eu procuro não ser otimista porque eu considero os otimistas ingênuos, e não sou pessimista porque eu considero os pessimistas amargos. Eu sou um realista esperançoso. Digo que, das chamadas três virtudes, eu sou fraco na fé, fraco na caridade e só me resta a esperança (risos). Sou um homem da esperança. E o que mais me toca no Brasil é que, apesar de todos os tropeços, estou notando que está diminuindo a diferença entre aquilo que Machado de Assis chamava de o Brasil oficial e o Brasil real. O Brasil real para mim é o Brasil dos despossuídos. Outro dia vi o IBGE dizendo que o governo Lula diminuiu o número de pessoas que estão abaixo da linha de pobreza para 18,4%, o indica mais baixo da História. Ainda assim é um horror, e a gente tem que ser realista, porque isso representa cerca de 40 milhões de pessoas. Mas, ao mesmo tempo, me dá uma esperança muito grande. É a coisa que mais me alegra aos 80 anos.

• FERNANDA: Dos fatos do século que passou, em qual você enxerga que se iniciou a construção de um caminho que possibilitasse a diminuição dessa diferença?
SUASSUNA: Principalmente a partir de uma figura muito controvertida que foi o Getúlio Vargas. No meu entender, ele foi derrubado não pelo que ele tinha de ruim, que era o autoritarismo, mas pelo que e!e tinha de bom, que era a preocupação de desenvolver o Brasil com capitais brasileiros e uma preocupação com os mais pobres. Com todos os defeitos que possa haver ao redor dele, Lula está retomando esse caminho. Ele é um homem do povo, pela primeira vez na História do Brasil um homem do povo chegou à Presidência da República. E, falando em amizades e admirações, devo lembrar aquele que desempenhou papel fundamental na política brasileira, por ser uma espécie de elemento de ligação entre o que Getúlio Vargas tinha de bom e o que de melhor existe em Lula: Miguel Arraes.

• FERNANDA: Você acha que, se Getúlio não tivesse fechado o Congresso, ele teria conseguido fazer, para não dizer a palavra "impor", suas leis?
SUASSUNA: E possível que não tivesse conseguido, eu não sei, posso ser muito mal interpretado ao dizer isso. Mas eu estou falando principalmente do Getúlio que foi eleito. Foi depois que ele voltou eleito ao governo, em 1951, que ele levou adiante suas grandes criações. Outro governante que é, a meu ver, um injustiçado pelo Brasil é o Dom João VI. Eu conversei com os portugueses, e as melhores figuras de Portugal são contra Dom João VI. Eles têm um ressentimento enorme por causa da Independência do Brasil. Ele elevou o Brasil à categoria de reino e foi isso que os portugueses nunca perdoaram.

• FERNANDA: Eu acho que sempre vai haver uma dualidade em torno do Dom João VI, por ele ser meio abobalhado e esperto.
SUASSUNA: Exatamente.
Continua na página 2

FERNANDA MONTENEGRO e Ariano Suassuna se encontram no Teatro Municipal, onde o escritor vai realizar uma de suas aulas-espetáculo no dia 10.

O GLOBO, domingo, 3 de junho de 2007

sábado, 30 de janeiro de 2016

17.07.1988 - Mamede, aos 59, comanda o judô


Mamede, aos 59, comanda o judô


Já pôs a nocaute o pai de um dos seus alunos

Marcelo França

Você compraria briga com um sujeito de 59 anos, 1,55m, visivelmente barrigudo e avô de cinco netinhos?

O desafio continuaria de pé se este mesmo sujeito fosse ex-campeão pan-americano de halterofilismo, faixa-preta e 5° dan de judô, ainda praticante de caratê e protagonista da fratura da clavícula do netinho de três anos?

A escolha é sua, mas saiba logo que o avô barrigudo e o avô quebrador de clavícula são a mesma pessoa: Joaquim Mamede Carvalho e Silva, presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), o baixinho folgado.

Carioca da Tijuca há 59 anos, morador da Ilha do Governador, casado, pai de seis filhos e avô de cinco netos, o professor Mamede faz jus ao título há 38 anos, quando fundou sua academia, a sexta do Rio. E não seria injusto dizer que briga é uma das palavras mais constantes em sua vida.

Ele já brigou (e pôs a nocaute) com pai de aluno que o xingou, já brigou com judocas que estão agora sob seu comando e vão a Seul e diz brigar constantemente para pôr o judô em funcionamento — seja viabilizando viagens internacionais, seja arregimentando dinheiro para o Centro de Treinamento de Santa Cruz ou construindo sua carreira no judô brasileiro.

Brasileira por acusação de bebedeira —, brigou com Aurélio Miguel (talvez o melhor judoca do pais nos últimos anos) e vários outros atletas de nível, como o experiente Luís Onmura, duas Olimpíadas nas costas.

Frases como "quem manda sou eu", ou "opinião de atleta não conta" inundaram o esporte. Proibiu a entrada daqueles judocas durante um Sul-Americano no CIAGA e se julgou o presidente "mais liberal que passou pela CBJ". De quebra, dava declarações como esta:

"Invocou comigo, eu dou porrada".

Esta ameaça tem quase quatro anos. E foi refeita semana passada no Centro de Santa Cruz, na reapresentação dos olímpicos para a concentração de 58 dias. Atletas sentados na pequena arquibancada do jogo, ele foi claro:

"Tenho 59 anos e estou pronto pro pau com quem quiser", gritou, com rosto verme-lho. "E ai de quem me vencer".

Diante dele, os ex-brigados como Carmona, Miguel e Onmura.

E abaixo dos olhos, o regulamento para utilização do Centro para aquela temporada. Dentre as 27 recomendações, algumas eram pérolas do universo de Mamede:

— O trânsito no Centro deve ser feito calçado ou de camisa.

— Não é permitido mexer em qualquer árvore ou animais do Centro.

— É proibido falar alto ou falar palavrão.

Para esta última, Mamede reagiu assim:

"Nisso eu sou especialista e já basta um".

Jornal do Brasil, domingo, 17 de julho de 1988

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

17.05.1977 - Lançamento nacional do "Miura"


Lançamento nacional do "Miura"


Na noite de sábado último, teve lugar o lançamento nacional do "Miura" , carro esportivo agora fabricado por Aldo Auto Capas em séria, solenidade que contou com a presença das figuras mais representativas do Estado. Aldo Besson e Itelmar Gobbi, titulares da firma, fizeram uso da palavra, historiando de como surgiu a idéia de construção deste veículo, bem como das inúmeras dificuldades encontradas até a conclusão do projeto, mas satisfeitos pelo êxito obtido, já que todos os testes até agora realizados, de vários milhares de quilômetros, ressaltaltaram a excelente perfomance do " Miura" , em todos os tipos de estradas, especialmente no que respeita à sua aerodinâmica, totalmente insensível aos ventos laterais ou frontais. Sua estabilidade foi outro ponto altamente positivo, já que nos testes efetuados no autódromo de Tarumã, meses atrás, era muito difícil fazê-lo derrapar propositalmente. Em seguida, foram levantadas as coberturas dos dois primeiros carros, um prateado e amarelo, ato saudada por grande salva de palmas de todos os presentes. O de pintura amarelo, ficará para testes de imprensa e demonstração aos clientes de Aldo Auto Capas e tinha na pessoa da simpática Elenita Pavan, uma perfeita demonstradora dos diverso equipamentos, bem como demais informações desejadas pelos convidados. — Nas fotos, ao alto momento em que Aldo Besson descobria o modelo prata, e abaixo, o carro teste. Os interessados em sua aquisição, poderão conhecer o " Miura" , no horário comercial, em Aldo Auto Capas, a rua Dona Margarida, n.° 321/33. 

Jornal do Comércio, Porto Alegre, terça-feira, 17 de maio de 1977

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

14.05.1948 - Mineiro F.C. de Santos Dumont, clube orgulhoso do esporte montanhes


Mineiro F.C. de Santos Dumont, clube orgulhoso do esporte montanhês

Vinte e três anos de glórias  Recordando um passado bonito  Curi, o incansável  O Petropolitano F.C. irá a Santos Dumont, no dia 23, a fim de enfrentar o esquadrão alvi-negro  Outras notas

Curi, o notavel ponteiro direito do Mineiro F. C., visto pelo lapis do endiabrado JUBAL

Minas Gerais é um dos Estados do Brasil em que mais está desenvolvida a prática do Esporte. Por todo o interior mineiro se encontram agremiações bem organizadas, com rico patrimônio, e possuidoras de tradições. Não são poucas, mesmo, as que se fizeram conhecer pelas capitais; até nós tem chegado o conhecimento dessas gigantescas realizações dos clubes mineiros, sejam os de Belo Horizonte, sejam os do interior. Na zona do centro, um clube vem se impondo, 23 anos seguidos, à admiração do publico. Um clube que pode ser citado mesmo como orgulho do esporte montanhês. Êsse grêmio é o, Mineiro F. C., tradicional e querido clube de Santos Dumont. Fundado em 24 de maio de 1925, o glorioso Mineiro F. C. teve sua primeira diretoria constituida em 22 de junho do mesmo ano, eleita em assembléia geral realizada nos salões do clube Vieira Marques, e composta dos seguintes desportistas: presidente — Vicente Spinelli; vice-presidente — Valdemar Goiatá Camopi; 1.º tesoureiro — José Abreu Jr.; 2.º tesoureiro — Broncibel Castelo Branco; 1.º secretario — Derossi Abreu; 2.º secretario — Moacir Pires de Mendonça; diretor esportivo Henrique Dias Coelho. Alguns desses elementos, continuam a prestigiar hoje o Mineiro F. Clube, prestando os seus valiosos concursos ao desenvolvimento de sua vida esportiva.

EM RITMO PROGRESSIVO
Logo aos primeiros passos de sua existência, contou o Mineiro F. C. com a boa vontade de seus integrantes. E assim é que já em fevereiro de 1933, possuía o clube uma boa sede social, onde se realizavam as festividades mais expressivas. Também nesse ano, o Mineiro passou a clube profissional da Amea, com sede em Juiz de Fora, entidade em cujos campeonatos obteve expressivas vitorias. O Mineiro F. C. fez realizar diversas pelejas com clubes cariocas, tendo o Flamengo, São Cristovão, América e outros visitado a linda cidade de Santos Dumont. E em todos os cotejos, provavam os mineiros seu valor, sua técnica perfeita, seu entusiasmo invencivel. Outros diretores foram passando; em 1936, esteve na presidência o sr. Julio Corrêa Neves, hoje residindo no Rio, e que há pouco exerceu as funções de diretor do Marã E. C. e do E. C. União, de Marechal Hermes. Também os srs. Noraldino Lima, Valdemar de Lucas, Cicero de Melo Mendes, João Alberto Rocke e outros exerceram a presidência do alvi-negro, em períodos aureos de sua existência.

O CAMPEONATO REGIONAL DE MINAS GERAIS
Entre as dezenas de troféus e titulos conquistados pelo Mineiro F. C., um deles, por si só, é um atestado eloquente de valor, de disciplina. Em disputa contra o Tupi F. C., de Juiz de Fora, 15 de Novembro, Vila do Carmo, de Barbacena, Atlético, de São João del Rei e outros campeões de diversas cidades. Levantou o Mineiro F. C. o Campeonato Regional de Minas Gerais. Um título que encheu de orgulho a família alvi-preta de Santos Dumont.

NOMES QUE NÃO SE ESQUECEM
Falamos dos diretores, que tanto fizeram para o progresso do Mineiro F. C. E injusta fariamos, se não mencionassemos os nomes desses valorosos rapazes que em várias épocas glorificaram o pavilhão do "glorioso". Curi — o notável ponteiro direito, que durante 18 anos vem defendendo o Mineiro F. C. e ainda hoje é o titular da posição, que defende com raro entusiasmo. Curi é bem um simbolo do Mineiro F. C.; Heié e Rato, irmãos de Curi, dois valorosos defensores do pavilhão alvi-negro, que também sabem honrar, defendendo com todo amor; Paiva, o veterano médio direito, um dos fundadores do clube e que até a bem pouco tempo emprestava seu valioso concurso; Piolho, o médio esquerdo que chorava cm campo, quando via seu clube perder; Espicha, o notável guardião; Azulão, o saudoso; Felipe, Deusdedit, Maitaca, Valdir, Paulo, Lauro, Gradim, Panamá e tantos outros que sabiam jogar com alma, com coração.

A FESTA DESTE ANO
No próximo dia 28, o Mineiro comemorará condignamente a sua data magna. E organizou um programa condigno com as tradições dó clube. Lutando com sacrificio, sempre com Curi na dianteira, o Mineiro, entretanto, não perde aquele élan, aquela galhardia. E não poderia nassas seu aniversário desapercebido. Assim é que estará novamente o pavilhão alvi-negro tremulando no mastro da vitória. O Petropolitano F. C., disciplinado esquadrão de Petrópolis, irá a Santos Dumont, para associar-se às homenagens ao aniversário do Mineiro. Sua equipe fará com o quadro de Curi um prélio renhido, bem disputado, em que pontilharão os lances de emoção. Mais uma vez teremos a assinalar um brilhante aniversário do Mineiro F. C., clube orgulhos do esporte montanhês.

A MANHÃ, Rio de Janeiro, sexta-feira, 14 de maio da 1948

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

17.02.1989 - Engenheiros demolidores

2 ○ CADERNO B ○ sexta-feira, 17/2/89

Engenheiros demolidores

Os dândis gaúchos estréiam turnê nacional e dizer que não são 'enterteiners' como "Silvio e Lulu Santos" 

Pedro Tinoco

A insistência é a marca do grupo gaúcho de rock Engenheiros do Hawaii. Prestes a lançar seu terceiro LP, Ouça o que eu digo: não ouça ninguém, Humberto Gessinger (baixo e voz) e Augusto Licks (guitarra) concordam com Carlos Maltz (bateria): "Não somos atores, nossa música é reflexo de nossas experiências e nossa vida não mudou tanto de 87, ano do último LP, até hoje." Variações sobre o mesmo tema, o titulo de uma das novas faixas, é o que os Engenheiros prometem fazer a partir de hoje, às 19h, no Canecão, quando estréia o show de lançamento do disco.

No Canecão, a banda faz o primeiro show de uma turnê nacional. Humberto dá a ficha técnica: "São 17 músicas, todas as do novo disco mais algumas antigas rearranjadas, como Revolta dos dândis I e II, que foram fundidas." E avisa: "Nosso show não pode dar errado porque não prometemos nada, é um dos shows mais crus dos que estão por aí."

Humberto sabe que algo mudou desde quando "a gravadora (RCA) escolheu aleatoriamente cinco bandas do Sul e gravou um disco pau-de-sebo". Os Engenheiros do Hawaii escalaram o pau-de-sebo e conquistaram o direito de gravar seu próprio LP, Longe demais das capitais, lançado em novembro de 86. Um ano depois detonaram A revolta dos dândis e levaram Albert Camus às paradas de sucesso musicais.

O fortalecimento do trio serve a intenções que Humberto se encarrega de esclarecer: "Existem entertainers e grupos que querem acrescentar uma existência abaixo das luzes de palco. Na primeira classificação se enquadram o David Copperfield, o Sílvio Santos, o Lulu Santos, e na segunda estaamos nós e muitas bandas como o IRA!, a Legião Urbana e o Paralamas." Os três reconhecem a competência dos entertainers, mas brigam por espaços fora desta categoria.

Briga é briga mesmo. Carlos Maltz avisa que "nós queremos nos aprofundar, crescer verticalmente e nos defendemos muitas vezes sendo grossos, ofensivos". Ele acrescenta a esta postura "uma tremenda fobia a grupos e panelas" e observa que "tudo isso influi no relacionamento com a gravadora, com outras bandas e com a imprensa". A gravadora, aliás, é definida pelo baterista como "uma fábrica como outra qualquer".

A aversão do grupo à badalação e aos seus efeitos nocivos fez com que os três permanecessem morando no Sul, longe das capitais Rio e São Paulo, até o inicio deste ano. "Nos mudamos para o Rio e estamos pela primeira vez lançando disco antes aqui do que no Sul, estamos acertando o relógio pela hora de Brasília", avisa Humberto. Longe de ser uma concessão, a mudança é, para Carlos, "uma forma da gente cuidar mais das nossas coisas por aqui, fazer tudo do jeito que a gente quer".

Humberto dá o exemplo de João Gilberto para ilustrar o que querem os Engenheiros do Hawaii: "Ele fez a mesma coisa a vida inteira, nós queremos atingir a perfeição no que fazemos, por mais bestas que possam parecer as nossas idéias". Não passa pela cabeça de nenhum dos três músicos variar o estilo do grupo. "Hoje a tecnologia permite que um branco como eu faça funk, qualquer um pode ser artista, mas cabe a cada um se limitar para fazer as coisas direito", dispara Humberto.

A única certeza do grupo é a dúvida. "Se fôssemos uma banda funk, punk ou qualquer outra coisa definida tudo seria mais fácil, mas gostamos da contradição, não nos escondemos atrás de uma pretensa certeza", avisa Humberto. A única pista precisa sobre o quem são, para onde vão os Engenheiros, é dada por Carlos Maltz: "A banda é uma só voz, a guitarra segue a voz, nossa música existe em função da palavra, do que está sendo cantado." 

Humberto acredita estar nadando contra a corrente, mas pesa a favor dos ideais do grupo a realidade mundial. "O mundo vive em contradição", continua o baixista, antes de observar que "a Europa está em contradição por uma questão de estilo e aqui estamos por uma questão de sobrevivência".

Para os Engenheiros do Hawaii não se cria coisa alguma sem tensão. "Todos os brancos que chegam à universidade num país onde tem gente morrendo de fome são necessariamente tensos", resume Humberto. A tensão do trio vai ser descarregada em shows por todo o país, numa turnê que parte do Rio de Janeiro. "É um privilégio escrever, tocar, cantar, se manifestar num ano de crise, num ano político", explica novamente Humberto Gessinger, antes de avisar aos cheios de certeza que "89 marca o fim do mundo ou o início, no ano que vem podemos estar com Sílvio Santos ou Lula".

"Acho que quando as pessoas ficam divididas em relação à banda, uns falam bem, outros falam mal, isto significa que estamos sendo bem entendidos. Não somos unanimidade nem no Sul. Unanimidade, aliás, só o Pelé."
Humberto Gessinger (baixista do Engenheiros do Hawaii)

"A gente conheceu os Engenheiros do Hawaii num show em Porto Alegre. Tocamos na mesma noite, eles nem tinham disco e a gente estava lançando nosso primeiro. Nem sei direito como, mas ficamos amigos. O Humberto lê muito Camus, acho bacana, eles têm uma linguagem própria. São sinceros, uma qualidade boa de encontrar em alguém, e têm algumas histórias ótimas pra contar"
Dado Villa-Lobos (guitarrista do Legião Urbana)

"O trabalho deles é muito positivo, ouvi uma canção nova nas rádios e gostei, só não sei o nome porque não tenho acompanhado o grupo de perto. Tenho a maior simpatia pelo Humberto, ele sempre foi gentil comigo e eu já anunciei numa entrevista anterior a minha ida à estréia."
Lulu Santos

"Gosto de algumas linhas do baixo do Humberto, mas não gosto muito do som que eles fazem. As metáforas não são muito metáforas. Eles parecem tocar o que gostam, não são picaretas, não fazem o som comercialóide. Pelas entrevistas que eu já li deu pra notar que eles são honestos."
Luiz Henrique (baixista do Picassos Falsos)

Uma turnê de 65 shows

"NOSSA turnê não é como a dos grandes nomes, é leve, é de guerrilha, somos um exército com maior mobilidade," avisa o baterista Carlos Maltz. Despojamentos à parte, quando os três subirem ao palco do Canecão uma equipe de profissionais estará nos bastidores coordenando luz, som e tudo o que for necessário para uma turnê com 65 shows marcados até junho deste ano. A turnê inclui shows em todas as capitais litorâneas, no Estado do Rio, no Nordeste, em São Paulo e no interior paulista. Maio e junho foram especialmente destacados para shows pela região Sul.

Carmela Forsin, agente da Showbrás destacada para acompanhar os Engenheiros, explica que a empresa "não é uma vendedora de shows". Ela procurou empresariar a banda, formando uma equipe exclusiva para cuidar da estrutura de luz, palco e direção de show. "Na equipe existe a função do coordenador técnico, alguém que faz com que o grupo apresente um trabalho de qualidade aqui e em Guarapari", continua Carmela.

No Rio quem dá luz aos shows do grupo é Bimbão, responsável pela iluminação de shows de Cazuza, Simone e Oswaldo Montenegro. Os 140 refletores, 60 refletores de efeito e dois canhões de luz vão dar uma "luz meio de rock garagem, mas sofisticada, uma iluminação simples, mas complicada de fazer". O vermelho da capa do novo disco vai ser a cor predominante da luz de palco. 

"No Brasil se costuma usar nos shows musicais apenas um tipo standard de microfone, mas nós vamos usar vários microfones diferentes." A observação de Gabriel Neto, da MacAudio, torna-se inteligível quando ele acrescenta que cada microfone escuta de uma maneira diferente, daí que quando se coloca um microfone específico para cada peça da bateria o som ouvido pelo público fica bem mais limpo, nítido.

Gabriel explica que a utilização de poucos microfones e a equalização de um som pesado e sujo são características inglesas. Ele pretende evitar a sujeira e deixar o peso com a utilização de vários microfones. Os 32 auto-falantes de grave, 16 de médio-grave, 16 cornetas de médio-agudo e 16 tweeters que vão despejar som no público são considerados por Gabriel "o sistema convencional usado em todo mundo para shows de rock". Para as apresentações fora do Rio de Janeiro a Showbrás está entrando em contato com outras empresas de som e luz.

Jornal do Brasil, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1989

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

29.09.1999 - A bênção, Sacaca


A bênção, Sacaca

* Archibaldo Antunes
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Pelo telefone, minha mãe me dá a triste notícia: Sacaca morreu. Pensei de imediato na falta que ele estaria fazendo às suas plantas, como se elas pudessem lamentar essa falta mais do que os parentes do morto. Não me culpem, mas cresci imaginando Sacaca cercado pelas ervas que cultivou para assegurar esperanças e prolongar a vida.

Meu mundo ainda se resumia ao Poço do Mato quando aprendi a respeitar aquele homem imenso e simpático que nos dava a bênção como quem distribui bondade. Ficava um pouco apreensivo em imitar os outros meninos naquele cumprimento informal, sempre que o encontrávamos refestelado no Banco da Amizade, no Laguinho. E minha apreensão só passava quando ele retribuía o cumprimento com um sonoro "Deus te abençoes meu filho".

Hoje me orgulho de ter sido um desses filhos do Sacaca, ele negro e gordo, eu amarelo e mirrado. Aquelas palavras com que nos respondia com satisfação, erguendo ligeiramente a mão onde reluzia um grosso anel de ouro, pareciam nos depurar dos poucos pecados que tínhamos. A caminho de casa íamos mais calmos, agora que a força daquela mão amiga nos havia tocado.

Cresci ouvindo histórias sobre seus remédios caseiros, e na minha imaginação se foi cravando a imagem do bruxo cozinhando ervas em panelões de cobre. Meninos temem as bruxarias, acostumados a associá-las ao mal que grassa no mundo inteiro. Mas o bruxo Sacaca não me causava medo nenhum, antes me tranqüilizando a força de sua simplicidade e o poder de sua dedicação às plantas e aos homens.

Nos encontros que tivemos pela vida afora, Sacaca fortaleceu em mim a imagem da pessoa boa e íntegra que pareceu ter sido a vida inteira.

Recordo de uma fase do jornal Folha do Amapá, em que ele escreveu uma coluna intitulada O Senhor da Floresta. O nome, de muito bom gosto — e que vinha calhar perfeitamente com o novo colunista —, fora escolhido por ele próprio. Não tenho dúvidas de que seus ensinamentos tenham sido aproveitados por aqueles que padeciam de moléstias várias.

Lembro também de um episódio tragicômico protagonizado pela Polícia Federal no Amapá, que resolveu prender o Senhor da Floresta por suspeitar de uma de suas ervas. A reação popular foi imediata, moradores do Laguinho e dos bairros próximos se mobilizaram contra aquela aberração de natureza policial — e eu lamentei ter me atrasado e assim não ter contribuído com a baita vaia que levaram os agentes.

Ficou provado que Sacaca usava a planta exclusivamente para fins medicinais, e a Polícia Federal teve que conviver, por longo tempo, com a pecha de ignorante.

A notícia de sua morte me causou profunda tristeza por duas únicas razões, as quais faço questão de esclarecer:

1º) Não somos preparados, como os orientais, para encarar a morte de forma natural, admitindo que ela, antes de ser um fim, é um novo princípio.

2º) Pensamos na morte de pessoas de bem como uma possibilidade remota e cruel. Que morram os maus, bradamos ou desejamos em silêncio, mas que nos fiquem, eternamente, os mansos de espírito...

Sacaca foi um desses mansos de espírito que sempre fez das plantas o que quis, e com elas sempre quis fazer o bem. Não me consta que tenha fracassado em seus objetivos, antes tendo atingido, por seus préstimos, um grau elevado em nossa vil condição humana.

Apesar de seus conhecimentos, poucos lhe renderam homenagens em vida, e muitos sequer tomaram nota de sua valorosa presença entre nós. Mas a vida às vezes é ingrata mesmo para aqueles que são gratos à vida, pagando essa gratidão com a moeda do altruísmo.

Não devo estar errado em afirmar que o governo de João Alberto Capiberibe reverenciou a existência do Senhor da Floresta, mesmo que esse reconhecimento, no meu entender, tenha sido desproporcional à sua importância. Mas não serei eu a reclamar glórias a quem passou a vida satisfeito em ser o rei apenas do carnaval.

Foi-se o homem Sacaca e agora me pergunto: quem vai usar das ervas medicinais para aplacar as moléstias das centenas ou talvez milhares de pessoas que lhe confiavam o corpo? Quem mais será superior à truculência policial, a ponto de desmascarar essa truculência e apresentá-la como fraqueza de propósitos e equívocos de julgamento? Quem vai responder, com respeito e bonomia, ao cumprimento feito pelos meninos do Laguinho? Quem, meu caro amigo Sacaca? 
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(*Archibaldo Antunes é jornalista
e atualmente mora em Rio Branco, no Acre)

Jornal do Dia, quarta-feira, 29 de setembro de 1999

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

19.12.1935 - EM VILLA ZELINA, UM MECANICO ATIRA CONTRA A NOIVA, FERINDO-A MORTALMENTE E, AO SER PRESO, SUICIDA-SE



EM VILLA ZELINA, UM MECANICO ATIRA CONTRA A NOIVA, FERINDO-A MORTALMENTE E, AO SER PRESO, SUICIDA-SE

Hontem, mais ou menos ao meio-dia, o dr. Delduque Garcia, delegado da 9.ª Circumscripção, quando iniciava o plantão na Policia Central, foi scientificado de que, momentos antes, havia se registado um crime de sangue em Villa Zelina, situada entre São Caetano e Santo André.

A vista disso, a autoridade, fazendo-se acompanhar de escrivão, transportou-se para o ponto indicado.

A POLICIA NO LOCAL
A autoridade, chegando ao local, encontrou cahidos ao chão, nadando numa poça de sangue, um casal de jovens, ella ainda com vida, mas em estado desesperador, e elle já cadaver.

A IDENTIDADE DO CASAL
Pelas investigações feitas de momento, o delegado soube que a moça era Maria Vargas, de 16 annos, solteira, operaria, poloneza, moradora no predio 14 da rua Quatro e o moço era o mecanico Sylvio Gifin, com 21 annos, solteiro, morador á rua Toledo Barbosa, 35.

Maria Vargas foi transportada para o hospital da Santa Casa e o cadaver de Sylvio Gifin removido para o necroterio do Gabinete Medico Legal, para o competente exame.

ABERTURA DE INQUERITO E OS ANTECEDENTES DO FACTO
Paula Segewich, poloneza, de 16 annos, operaria, filha de João Segewich, moradora á rua Ciclames, 54, em Villa Bella, amiga inseparavel de Maria Vargas, prestou declarações no inquérito aberto, narrando, com precisão, os antecedentes do facto.

Disse, que, ha mezes, conhecendo Maria Vargas, se tornou sua amiguinha, que ha dois annos, pouco mais ou menos, se tornara noiva de um rapaz de nome Sylvio Gibin.

NOIVADO DESFEITO
Ante-hontem, á noite, Maria contou á declarante que, depois de ter descutido com o noivo, este lhe deu uma bofetada, razão por que desfez o noivado. 

Hontem, pela manhã, Maria sahiu de casa em companhia da declarante, afim de procurar collocação em uma fabrica do bairro do Belémzinho.

ENCONTRO FATAL
Quando ambas regressavam da referida fabrica e caminhavam pela rua Quatro, ao enfrentarem o n.° 24, encontraram-se com Sylvio. Maria pediu-lhe as photographias que lhe havia dado, tendo Sylvio respondido que elle carregava no bolso. Em seguida, sacando de um revolver, resfechou dois tiros contra a sua ex-noiva, attingindo-a em pleno peito.

A declarante, vendo a sua amiga cahir por terra banhada em sangue, poz-se, espavorida, a gritar por soccorro, acudindo então um militar residente nas vizinhanças.

TENTATIVA DE FUGA E SUICÍDIO

Sylvio Gibin, vendo o militar, tentou fugir e, ao ser alcançado pelo mesmo, que lhe deu voz de prisão, virou a arma contra o peito e deu ao gatilho, morrendo immediatamente, 

Correio Paulistano, quinta-feira, 19 de dezembro de 1935

domingo, 24 de janeiro de 2016

08.10.1969 - Médici promete implantar a democracia plena

O GLOBO ♦ 8-10-69 ♦ Página 15

Médici promete implantar a democracia plena


Por meio de uma cadeia de rádio e televisão comandada pela Agência Nacional, o General Emílio Garrastazu Médici fêz, às 22h 17m de ontem, o seu primeiro pronunciamento à Nação, como indicado a suceder ao Presidente Costa e Silva na Chefia do Govêrno. Eis a íntegra do discurso do General Médici:

"Recebo a Indicação da meu nome para a Presidência da República, consciente da responsabilidade excepcional dessa missão que me foi imposta pelo consenso das Fôrças Armadas e tornada irrecusável pelo confiante acolhimento da Nação.

Fiz tudo o que estava ao meu alcance para que meu nome não fôsse cogitado. Não consegui, porém, demover meus pares, que tomaram a seu cargo a tarefa de resolver o problema sucessório, nem mesmo os três Ministros Militares foram sensíveis ao meu apêlo.

Não valeram e nem foram consideradas as razões que me levaram a declarar, mais de uma vez, meu veemente desejo de não ocupar tão elevado cargo.

Há quarenta e cinco anos sirvo ao Exército e a êle somente a êle e à Nação, cosagrei todo o meu preparo profissional."

O dever
"Quis o Alto-Comando das Fôrças Armadas, auscultando os Altos-Comandos das Fôrcas Singulares, selecionar meu nome para substituir o Presidente Costa e Silva, como capaz de manter coesas e unidas as Fôrças Armadas da Nação em tôrno dos ideais da Revolução de Março de 1964.

Impõe-me assim, o Alto-Comando das Fôrças Armadas mais um dever a cumprir. Não me cabe o direito de fuga.

Revolucionário deste a mocidade, atuei, em 1964, diretamente sob as ordens do Marechal Costa e Silva, a cujo Governo também pertenci. Durante êsse estreito convívio, aprofundou-se a minha amizade e admiração por aquele eminente chefe militar e estadista. É, portanto, compreensível que, ao sentimento de pesar de todos os brasileiros pelo sofrimento que atingiu o Presidente, acrescente-se, em meu íntimo, a tristeza maior do companheiro de mocidade, de vida militar e de serviço público. Não desejaria substituí-lo, muito menos em tão duras circunstâncias. Mas aprendi, com o próprio Marechal Costa e Silva, que o destino do soldado não lhe pertence. Nem lhe é permitido escolher encargos."

Dificuldades
"Sei da minhas dificuldades, mas procurarei ultrapassá-las pela escolha de auxiliares capazes, dignos e patriotas que, em qualquer circunstância, tenham os interesses nacionais acima, e muito acima, de seus próprios.

A Revolução de Março de 1964 deu um novo destino ao Brasil, e sua obra, começada com o Marechal Castelo Branco — de saudosa memória —, não pôde ser concluída pelo Marechal Costa e Silva, infelizmente enfêrmo e incapacitado para o cargo.

Cabe-me, portanto, por imposição de meus pares prosseguir no rumo traçado por êsses dois eminentes brasileiros."

Hora difícil
"O meu Governo vai iniciar-se numa hora difícil. Sei o que sente e pensa o povo, em tôdas as camadas sociais, com relação ao fato de que o Brasil ainda continua longe de ser uma nação desenvolvida, vivendo sob um regime que não podemos considerar plenamente democrático. Não pretendo negar essa realidade, exatamente porque acredito que existem soluções para as crises que a criaram ou que dela decorrem. E estou disposto a pô-las em prática. Dêsse modo, ao término do meu período administrativo, espero deixar definitivamente instaurada a democracia em nosso País e, bem assim, fixadas as bases do nosso desenvolvimento econômico e social. Advirto que essa não poderá ser obra exclusiva da administração pública e, sim, uma tarefa global da Nação, exigindo a colaboração dos brasileiros de tôdas as classes e regiões. Democracia e desenvolvimento não se resumem em iniciativas governamentais: são atos de vontade coletiva que cabe ao Govêrno coordenar e transformar em autênticos e efetivos objetivos nacionais.

É preciso ficar claro que não vamos restabelecer as instituições que nos levaram à crise de 1964. Jamais voltaremos àquele sistema politica que subjugava completamente a vontade popular ao jôgo das manipulações de cúpula.

Nem àqueles desregrados impulsos de desenvolvimento, mais intuitivos que racionais, e que acabaram redundando na torrente Inflacionária."

Instituições
"Temos viva a lembrança de que, por efeito daquele sistema, foram-se distinguindo, no País, uma minoria integrada nas instituições e uma grande maioria marginalizada. Com o tempo, passamos a enfrentar o risco de uma cisão interna, chegando ao ponto que obrigou as Fôrças Armadas a intervirem, paia salvar a unidade nacional, evitando a desagregação e o caos. Dêsse modo, as instituições não foram assaltadas pelos militares, como pretendem apregoar os inimigos da Revolução, mas, de fato, foram sustentadas pelos mesmos, no auge da crise que ameaçou cindir a Nação, entre uma minoria com participação na ordem econômica e política e, de outro lado, uma maioria não dispondo de qualquer renda e, conseqüentemente, sem meios práticos de poder exercer ou exigir os seus próprios direitos, vivendo em condições que, como observou o Papa Paulo VI, na sua histórica visita ao nosso continente, não te coadunam com a dignidade espiritual do homem.

Por tudo isso, é Inaceitável o retôrno à situação pre-revolucionária.

Repudiamos a pregação dos extremistas, que exigem, de forma primária, a destruição das instituições.

E também o apêlo de oligarquias que recomendam a sua inalterável manutenção. Nosso dever é impor-lhes uma profunda transformação pela qual deixem de servir aos privilégios de minorias, para atender  aos supremos interesses do País.

Essa reforma das instituições econômicas, sociais e políticas não será obtida com simples medidas corretivas ou repressivas, adotadas ao sabor dos acontecimento. Exige na verdade, uma revolução".

Diálogo
"Foi isso o que as Fôrças Armadas se decidiram a fazer: completar o movimento de 1964, transformando-o em uma autêntica Revolução da Democracia e do Desenvolvimento, em consonância com as mata lídimas aspirações nacionais.

Vamos dar efetividade a êsses objetivos revolucionários. Nesse sentido, iremos ouvir os homens de emprêsa, os operários, os jovens, os professôres, os intelectuais, as donas-de-casa, enfim, todo o povo brasileiro.

Será um diálogo travado sôbre o nosso País, os nossos problemas, os nossos interêsses e o nosso destino. Naturalmente, êsse entendimento requer universidades livres, partidos livres, sindicatos livres, imprensa livre, Igreja livre. Mas livres, acima de tudo, daqueles grupos minoritários que ainda hoje, como ontem, ora pela violência, ora pela corrupção, jogando com todos os processos de uma técnica subversiva cada vez mala aprimorada e audaciosa, pretendem servir a ideologias que já estão sendo repudiadas e superadas nos seus próprios países de origem. Na medida em que os estudantes, os políticos, os operários, os jornalistas, e os religiosos conseguirem livrar-se dessas manipulações e manobras, assegurando autenticidade às manifestações de sua vida  institucional, estarão conquistando a própria liberdade que — é bom deixar esclarecido — não cabe ao Govêrno outorgar, uma, apenas, reconhecer. Estarei atento a êsse esforço de libertação, em cada dia do meu govêrno. Mas não me deixarei iludir, nem iludir ao povo. Chegou a hora de fazermos o jogo da verdade."

Programa
"Apresentarei à Nação, oportunamente, um plano econômico e administrativo, resguardando basicamente os resultados já obtidos pela Revolução, fixandos as novas metas de incremento da produção e de expansão do mercado, tendo em vista a prioridade dos setores da educação, da saúde e da alimentação, o atendimento das regiões menos desenvolvidas, a estabilidade monetária, a correção dos desequilíbrios regionais de renda, a redução das desigualdades na distribuição das rendas individuais, os salários justos e a participação dos trabalhadores nos benefícios, do desenvolvimento e, bem assim, os critérios das reformas institucionais.

Entretanto, insisto em afirmar que não acredito em nenhum plano de governo que não corresponda a um plano de ação nacional. Na marcha para o desenvolvimento, o povo não pode ser espectador. Tem que ser o protagonista principal. Daí, o apêlo que, nesta oportunidade, dirijo ao País: Que todos indivíduos, classes, organizações sociais e políticas e centros culturais, em todos os recantos do território nacional, formulem os seus programas e reivindicações para o momento presente! Asseguro que nenhuma sugestão deixará de ser devidamente apreciada. Mobilizarei, para êsse estudo e análise, não só os órgãos de planejamento, mas, inclusive, as diversas instituições de pesquisa  civis e militares —, a fim de realizar o levantamento global das sugestões e a adequada formulação da sua síntese. Com isso, poderemos completar o Plano de ação a ser executado nos próximos anos."

Política
"Precisamos reproduzir, na vida politico-administrativa, aquilo que conseguimos, até hoje, nas atividades esportivas ou artísticas. De fato, é significativo que tenhamos obtido expressivos triunfos, exatamente naqueles setores em que ocorre uma entusiástica e comovida participação do povo. No entanto, não e possível que, no século das conquistas espaciais, no momento em que os modernos sistemas de computação e informação marcam o fim das soluções meramente ideológicas, no instante em que a extraordinária revolução da técnica possibilita o arranco de tantas nações para o desenvolvimento, não é possível, repito; que um país como o nosso não venha a registrar, também, realizações e êxitos marcantes na história da civilização. o Brasil é grande demais, para tão poucas ambições. E está a exigir dos seus filhos uma atuação que realmente corresponda à magnitude do seu território, bem como aos alevantados ideais das gerações que nos legaram todo esse imenso patrimônio. Uma atuação, enfim, que se eleve à altura dos incontidos sonhos da mocidade que se prepara para dirigi-lo e cuja meta não pode ser outra, senão o triunfo final na arrancada para o desenvolvimento econômico e social." 

Intenção
"No curso do govêrno, jamais procurarei impor o meu programa administrativo, mediante efeitos de propaganda ou a simples divulgação de resultados estatísticos. A última palavra será dada, de acôrdo com os reflexos que efetivamente se verifiquem nas condições de vida. Outrossim, qualquer sacrifício a ser imposto nos setores privados corresponderá, previamente, a um ato ou reforma do próprio govêrno.

Simultaneamente, ficarão fixados os limites em que o Estado atuará e aquêles dentro dos quais terão atuação, em maioria, os setores particulares nacionais e, bem assim, os investidores estrangeiros que nos tragam a sua indispensável colaboração de técnica ou de capital."

Compromissos
"Manteremos os nossos compromissos internacionais, deixando claro que os mesmos implicam em reciprocidade de tratamento. Vamos cumprir o que nos cabe e exigir o que nos é devido. Não pretendemos aceitar e, muito menos, impor lideranças de qualquer tipo, respeitando a lição da história contemporânea que nos ensina que a convivência internacional só pode ser mantida nos têrmos de uma comunidade de nações livres e soberanas. Permaneceremos unidos com os países do Hemisfério na luta em prol do nosso desenvolvimento e sempre no sentido da plena efetivação dos princípios cristãos da cultura ocidental. E continuaremos identificados com tôdas as demais nações, no esfôrço comum pela paz e pela mais justa distribuição das conquistas do nosso tempo, por todos os povos da Terra.

É com essa disposição, que encaro minhas novas e graves responsabilidades.

"Espero que cada brasileiro faça justiça aos meus sinceros propósitos de servi-lo. E confesso, lealmente, que gostaria que o meu Govêrno viesse, afinal, a receber o prêmio da popularidade, entendida no seu legítimo e verdadeiro sentido de compreensão do povo. Mas não pretendo conquistá-la, senão com o inalterável cumprimento do dever".

Paz e ordem
"Desejo manter a paa e a ordem. Por Isso mesmo, advirto que todo aquêle que atentar contra a tranqüilidade pública e a segurança nacional será inapelavelmente punido. Quem semear a violência colherá fatalmente a violência.

Quero transformar em dever do Chefe de Estado o desejo sincero de garantir a harmonia do empenho dos senhores juízes, legisdadores e governantes, no âmbito federal como no estadual, para a convergência de esforços e colaboração mútua na consecução de nossos objetivos comuns.

"Considero, também, que não podemos perder mais tempo, recordando os erros de administrações anteriores. Em ver de jogar pedras no passado, vamos aproveitar tôdas as pedras disponíveis para construir a futuro.

"Interpreto os anseios de afirmação nacional do povo brasileiro, como uma tendência irrecusável de nossa época.

"E, procurarei ser fiei aos seus imperativos, simplesmente realizando um Govêrno do Brasil pelo Brasil e para o Brasil, dentro do concerto das nações livres da América e do Mundo."

Propósitos
"Impor-me-ei, como Comandante-em-Chefe das Fôrças Armadas, a consciência de que tôdas as minhas atitudes e determinações terão a plenitude da correspondência de meus chefes comandados, dentro do rigor e da justeza das normas militares que, institucionalmente, nos regem a todos. Com base indiscutível no mais amplo respeito à disciplina, na fiel observância da cadeia hierárquica e sob o manto de inquebrantável coesão estarão garantidas as condições primordiais do preparo profissional-militar e da disposição para manter o ímpeto revolucionário, marcado na alma e na vontade de cada sol-dado do Brasil.

"São esses os meus propósitos. Que Deus, atendendo às minhas orações, me dê a fôrça, a coragem e a firmeza de cumpri-los!"

A gravação
A gravação da fala do General Médici foi realizada na residência do Ministro da Aeronáutica. Os primeiros a chegar cêrca das 20 horas foram os elementos da Agencia Nacional, cujo diretor recebeu e incumbência de redigir o noticiário do primeiro pronunciamento do nôvo Presidente da República. Estavam presentes o General Siseno Sarmento, Comandante do I Exército; o General Carlos Alberto Fontoura, Chefe do SNI, além dos coronéis Manso e Teles, responsáveis pela segurança.

Durante uns trinta minutos, as equipes das diversas emissoras de televisão movimentaram-se, ajustando seus aparelhos. A sala, não multo espaçosa, tinha apenas algumas poltronas e uma mesa onde foram instalados os microfones. Os representantes de jornal que conseguiram entrar receberam recomendação de não abordar o General. Êle preferia falar apenas pela televisão, deixando as entrevistas para outra oportunidade.

Antes de que tudo estivesse pronto para a gravação, o General Médici apareceu na sala, cumprimentou os presentes com um boa noite, e retirou-se. Voltou minutos depois para iniciar sua fala. O General trajava terno marrom com gravata azulada e sapatos pretos. Sorriu ligeiramente, perguntando novamente se tudo estava pronto. A apresentação foi feita pelo locutor Alberto Cúri, da Agencia Nacional, que por fôrça de suas funções foi o único que trocou algumas palavras som o futuro Presidente.

Depois de concluído o video-tape, o General Garrastazu Médici pediu para ouvir parte da gravação. Achou que tudo tinha saído bem e retirou-se para uma sala contígua, onde tomou um cafezinho.

A gravação começou exatamente às 21 horas e durou 25 minutos. Cópias do pronunciamento foram distribuídas depois aos representantes da televisão e dos jornais.

Segundo apurou a reportagem de O GLOBO, O General deverá permanecer hoje no Rio. 

O GEN. GARRASTAZU MÉDICI, APÓS A REUNIÃO DO ALTO-COMANDO, COM O CHEFE DO SNI

ALTOS DIRIGENTES DA SIEMENS ALEMÃ NO BRASIL 

A fim de tratar de assuntos financeiros de grande importância para a Siemens do Brasil S. A., desembarcaram na aeroporto do Galeão os Srs. Heribald Naerger e o Dr. Klaus Muller Zimmermann, altos dirigentes da Siemens na Alemanha. No flagrante, a chegada dos ilustres visitantes, ladeados pelos Srs Peter Schreiber, funcionário da filial Rio, e Dieter Tuchitz, diretor da Siemens do Brasil


SUPER GINCANA VAI
MOVIMENTAR O RIO

Realizada pela ABRAVE — Associação Brasileira dos Revendedores Autorizado de Veiculos — no Estádio de Remo da Lagoa, a II FENAVE parte agora para sua fase final, promovendo uma super gincana, dando como prêmio Jeep Volkswagen Gaiato, que é representado no Rio pela Sussec Automóveis.

Lançada no sábado, a super gincana polarizou as atenções dos aficionados dessa modalidade de diversão, já contando com cêrca de uma centena de inscrições. A gincana será realizada nos dias 11 e 12, a partir das 12 horas do dia 11. Milhares de cruzeiros em outros prêmios serão distribuídos, contando-se entre: um "veneno" completo, com dupla carburação, um título quitado do Camping Club do Brasil, faróis Cibió, banco dianteiro reclinável da Capas Copacabana, atomização de todos os Volks participantes, rádios para carros, toca-fitas, fins de semana no Hotel Sans Souci para seis pessoas a dois colocados e outras centenas da premies.

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O GLOBO, quarta-feira, 8 de outubro de 1969

sábado, 23 de janeiro de 2016

17.02.1980 - CARNAVAL TROUXE O TOPLESS

O carnaval trouxe finalmente o topless a Manaus. No baile do Olímpico Clube, realizado sexta-feira, várias jovens arriaram o "soutien", sem que houvesse violência. Pelo contrário, alcançaram muitos aplausos. Outra novidade do carnaval deste ano será a exibição de um trio elétrico.

a crítica
de mãos dadas com o povo

DIRETOR: UMBERTO CALDERARO FILHO  MANAUS, DOMINGO, 17/02/80  ANO XXX Nº. 10.418
PREÇO DESTA EDIÇÃO Cr$ 10,00   O JORNAL DE MAIOR CIRCULAÇÃO NO AMAZONAS

CARNAVAL TROUXE O TOPLESS

Foi necessário o carnaval para que chegasse o top-less a Manaus. No Baile da cidade, realizado sexta-feira última, no Parque Aquático do Olímpico Clube, que excedeu em animação a todas as expectativas, várias moças arriaram o "soutien", exibindo os seios. Não obstante o gesto audacioso, não houve violência, sendo o top-less aceito com naturalidade e aplausos.

Hoje, com o primeiro desfile dos blocos, a realizar-se na Avenida João Alfredo, começa a programação oficial do carnaval de rua. Existe este ano uma inovação: pela primeira vez um trio-elétrico se exibe em nossa capitai. Os desfiles prosseguirão na segunda e terça-feiras, quando se exibirão as escolas de samba.

O prefeito José Fernandes, acatando a sugestão que lhe fez nosso colunista Flaviano Limongi, determinou a contratação de uma osquestra e uma batucada, que tocará na Avenida Eduardo Ribeiro, na madrugada de quarta-feira, a fim de que sejam queimadas as cinzas do carnaval.

Ontem à noite, os foliões divertiram-se nos principais clubes da cidade, que promoveram bailes animadíssimos com a repetição do top-less, a grande novidade dos festejos deste ano. (Páginas 1 e 2 do 2° Caderno)

DONAS DE CASA ORGANIZAM BOICOTE
Dez donas de casa de Manaus, em reunião realizada ontem na casa de uma delas, resolverarn encetar a campanha contra o boicote da carne. Cada senhora presente à reunião, numa residência de Adrianópolis, comprometeu de conseguir a adesão de mais cinco companheiras, a fim de que seja desfechado o movimento. O Governador José Lindoso abriu sinal para a campanha. (Página 3).

NACIONAL FAZ PAPELÃO LA FORA
Remo e Robim Hood decidem, hoje, o título de campeão do torneio de Paramaribo, enquanto o Nacional e o Transval luta pela lanterna. O Nacional, que perdera para o Robim Hood, por 2 a 0 na estréia, perdeu novamente para o Remo, por 2 a 1. Dois de seus jogadores, Galvão e Correa, estão desaparecidos. Foi cancelada a exibição em Caiena. (Página 4 do 2º. Caderno). 

A Crítica, Manaus, domingo, 17 de fevereiro de 1980