terça-feira, 19 de janeiro de 2016

11.08.1985 - Houaiss decifra os mistérios da cerveja

Houaiss decifra os
mistérios da cerveja

Danusia Barbara 

PAPO de cerveja é comprido, erudito ("o Pepeu do Goitaquence encaçapou 18 pênaltis só em 1853"), sempre relevante para a história da nação e cheio de discussões acaloradas — ou estupidamente geladas, dependendo do chope. Pois agora, além dos tira-gostos de sempre — as batatinhas, os torresmos, o provolone à milanesa, os remédios para o fígado — o bebedor sério arranjou mais um tempero para o papo: um livro escrito por um imortal da Academia, só sobre a lourinha.

Livrinho aliás vistoso, bem editado, com ilustrações sugestivas e informações preciosas para gastar na mesa do chope, naquela hora de crepúsculo cervejal, onde a língua começa a arrastar e a questão etimológica passa a ser importante. Quem, senão mestre Antonio Houaiss, desencavaria que a palavra bebida, com a repetição do b, marca, nos lábios, algo que é quase imitativo do ato mesmo de ingerir liquido?

Mas o tradutor de James Joyce não pára por ai. Estudando o latim cervisia ou cerevisia, fala do xythum no Egito, vai ao italiano cervigia (suplantado por birra), explica o velho alto alemão bior, o médio holandês e holandês moderno bier e diz que, a primeira documentação do espanhol cerveza é de 1482, embora, assim como o português cerveja, devesse ter "curso oral bem anterior".

Antonio Houaiss gosta de beber cerveja e não fica só nas erudições filológicas:

 Adoro a cerveja pelo que ela tem de socializante, de exotérico (com x, porque esotérico com s é adjetivo para a libação com vinho) e de natural. Não há namoro que, depois de vários copos de cerveja, não possa ser interrompido para se fazer pipi. Quer coisa mais bonita que isto?

Enquanto luta corpo a corpo para fazer o maior dicionário da língua portuguesa ("será três vezes maior que os existentes até hoje"), Antonio Hauaiss encontrou "uns quinze dias" para fazer o livro, a convite do editor Geraldo Jordão Pereira. Já tinha os dados, foi questão de redigi-los.

O livro fala da história da cerveja, seus componentes, dá números e fatos curiosos, estuda diversas marcas por todo o mundo e ainda fornece receitas, como salada de cerveja, sopa de cerveja, camarões ao vapor de cerveja etc.

A cerveja é provavelmente a mais antiga das bebidas alcoólicas. Na Babilônia já era consumida, há 6 mil anos. Mas foi no século XX que houve a explosão de sua produção e consumo. Em 1984, só os Estados Unidos produziam mais de 226 bilhões de litros. No mesmo ano, o Brasil ficava com mais de 28 bilhões de litros e calcula-se que a média de consumo per capita mundial esteja em torno dos 36 litros. 

Os alemães são o povo que mais consome cerveja, seguidos dos belgas, tchecos e australianos.

Baixa fermentação, alta fermentação, depois de tudo destrinçar, comparar e até explicar ("a bitter stout, cerveja nacional irlandesa, produzida pela Guinness, de Dublin. Aspira a ser cerveja macha, amarga (...) Bebe-se à temperatura ambiente, às vezes ligeiramente esfriada, e às vezes, mais raramente, alternada com champagne"), Antônio Houaiss aguarda os convidados para autografar o livro, A cerveja e seus mistérios hoje, no Paço Imperial, a partir das 18h. Serão distribuídos, gratuitamente, numa cortesia da Brahma (tiragem de 5 mil exemplares).

— E qual a sua cerveja preferida, Antonio?

A tcheca Pilsen. Mas também gosto das alemãs em geral e tomo muito bem as brasileiras. Só não tomo mais porque minha mulher não deixa.

Foto de Carlos Mesquita
Houaiss: imortal e expert em cerveja

Jornal do Brasil, domingo, 11 de agosto de 1985

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