quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

17.02.1989 - Engenheiros demolidores

2 ○ CADERNO B ○ sexta-feira, 17/2/89

Engenheiros demolidores

Os dândis gaúchos estréiam turnê nacional e dizer que não são 'enterteiners' como "Silvio e Lulu Santos" 

Pedro Tinoco

A insistência é a marca do grupo gaúcho de rock Engenheiros do Hawaii. Prestes a lançar seu terceiro LP, Ouça o que eu digo: não ouça ninguém, Humberto Gessinger (baixo e voz) e Augusto Licks (guitarra) concordam com Carlos Maltz (bateria): "Não somos atores, nossa música é reflexo de nossas experiências e nossa vida não mudou tanto de 87, ano do último LP, até hoje." Variações sobre o mesmo tema, o titulo de uma das novas faixas, é o que os Engenheiros prometem fazer a partir de hoje, às 19h, no Canecão, quando estréia o show de lançamento do disco.

No Canecão, a banda faz o primeiro show de uma turnê nacional. Humberto dá a ficha técnica: "São 17 músicas, todas as do novo disco mais algumas antigas rearranjadas, como Revolta dos dândis I e II, que foram fundidas." E avisa: "Nosso show não pode dar errado porque não prometemos nada, é um dos shows mais crus dos que estão por aí."

Humberto sabe que algo mudou desde quando "a gravadora (RCA) escolheu aleatoriamente cinco bandas do Sul e gravou um disco pau-de-sebo". Os Engenheiros do Hawaii escalaram o pau-de-sebo e conquistaram o direito de gravar seu próprio LP, Longe demais das capitais, lançado em novembro de 86. Um ano depois detonaram A revolta dos dândis e levaram Albert Camus às paradas de sucesso musicais.

O fortalecimento do trio serve a intenções que Humberto se encarrega de esclarecer: "Existem entertainers e grupos que querem acrescentar uma existência abaixo das luzes de palco. Na primeira classificação se enquadram o David Copperfield, o Sílvio Santos, o Lulu Santos, e na segunda estaamos nós e muitas bandas como o IRA!, a Legião Urbana e o Paralamas." Os três reconhecem a competência dos entertainers, mas brigam por espaços fora desta categoria.

Briga é briga mesmo. Carlos Maltz avisa que "nós queremos nos aprofundar, crescer verticalmente e nos defendemos muitas vezes sendo grossos, ofensivos". Ele acrescenta a esta postura "uma tremenda fobia a grupos e panelas" e observa que "tudo isso influi no relacionamento com a gravadora, com outras bandas e com a imprensa". A gravadora, aliás, é definida pelo baterista como "uma fábrica como outra qualquer".

A aversão do grupo à badalação e aos seus efeitos nocivos fez com que os três permanecessem morando no Sul, longe das capitais Rio e São Paulo, até o inicio deste ano. "Nos mudamos para o Rio e estamos pela primeira vez lançando disco antes aqui do que no Sul, estamos acertando o relógio pela hora de Brasília", avisa Humberto. Longe de ser uma concessão, a mudança é, para Carlos, "uma forma da gente cuidar mais das nossas coisas por aqui, fazer tudo do jeito que a gente quer".

Humberto dá o exemplo de João Gilberto para ilustrar o que querem os Engenheiros do Hawaii: "Ele fez a mesma coisa a vida inteira, nós queremos atingir a perfeição no que fazemos, por mais bestas que possam parecer as nossas idéias". Não passa pela cabeça de nenhum dos três músicos variar o estilo do grupo. "Hoje a tecnologia permite que um branco como eu faça funk, qualquer um pode ser artista, mas cabe a cada um se limitar para fazer as coisas direito", dispara Humberto.

A única certeza do grupo é a dúvida. "Se fôssemos uma banda funk, punk ou qualquer outra coisa definida tudo seria mais fácil, mas gostamos da contradição, não nos escondemos atrás de uma pretensa certeza", avisa Humberto. A única pista precisa sobre o quem são, para onde vão os Engenheiros, é dada por Carlos Maltz: "A banda é uma só voz, a guitarra segue a voz, nossa música existe em função da palavra, do que está sendo cantado." 

Humberto acredita estar nadando contra a corrente, mas pesa a favor dos ideais do grupo a realidade mundial. "O mundo vive em contradição", continua o baixista, antes de observar que "a Europa está em contradição por uma questão de estilo e aqui estamos por uma questão de sobrevivência".

Para os Engenheiros do Hawaii não se cria coisa alguma sem tensão. "Todos os brancos que chegam à universidade num país onde tem gente morrendo de fome são necessariamente tensos", resume Humberto. A tensão do trio vai ser descarregada em shows por todo o país, numa turnê que parte do Rio de Janeiro. "É um privilégio escrever, tocar, cantar, se manifestar num ano de crise, num ano político", explica novamente Humberto Gessinger, antes de avisar aos cheios de certeza que "89 marca o fim do mundo ou o início, no ano que vem podemos estar com Sílvio Santos ou Lula".

"Acho que quando as pessoas ficam divididas em relação à banda, uns falam bem, outros falam mal, isto significa que estamos sendo bem entendidos. Não somos unanimidade nem no Sul. Unanimidade, aliás, só o Pelé."
Humberto Gessinger (baixista do Engenheiros do Hawaii)

"A gente conheceu os Engenheiros do Hawaii num show em Porto Alegre. Tocamos na mesma noite, eles nem tinham disco e a gente estava lançando nosso primeiro. Nem sei direito como, mas ficamos amigos. O Humberto lê muito Camus, acho bacana, eles têm uma linguagem própria. São sinceros, uma qualidade boa de encontrar em alguém, e têm algumas histórias ótimas pra contar"
Dado Villa-Lobos (guitarrista do Legião Urbana)

"O trabalho deles é muito positivo, ouvi uma canção nova nas rádios e gostei, só não sei o nome porque não tenho acompanhado o grupo de perto. Tenho a maior simpatia pelo Humberto, ele sempre foi gentil comigo e eu já anunciei numa entrevista anterior a minha ida à estréia."
Lulu Santos

"Gosto de algumas linhas do baixo do Humberto, mas não gosto muito do som que eles fazem. As metáforas não são muito metáforas. Eles parecem tocar o que gostam, não são picaretas, não fazem o som comercialóide. Pelas entrevistas que eu já li deu pra notar que eles são honestos."
Luiz Henrique (baixista do Picassos Falsos)

Uma turnê de 65 shows

"NOSSA turnê não é como a dos grandes nomes, é leve, é de guerrilha, somos um exército com maior mobilidade," avisa o baterista Carlos Maltz. Despojamentos à parte, quando os três subirem ao palco do Canecão uma equipe de profissionais estará nos bastidores coordenando luz, som e tudo o que for necessário para uma turnê com 65 shows marcados até junho deste ano. A turnê inclui shows em todas as capitais litorâneas, no Estado do Rio, no Nordeste, em São Paulo e no interior paulista. Maio e junho foram especialmente destacados para shows pela região Sul.

Carmela Forsin, agente da Showbrás destacada para acompanhar os Engenheiros, explica que a empresa "não é uma vendedora de shows". Ela procurou empresariar a banda, formando uma equipe exclusiva para cuidar da estrutura de luz, palco e direção de show. "Na equipe existe a função do coordenador técnico, alguém que faz com que o grupo apresente um trabalho de qualidade aqui e em Guarapari", continua Carmela.

No Rio quem dá luz aos shows do grupo é Bimbão, responsável pela iluminação de shows de Cazuza, Simone e Oswaldo Montenegro. Os 140 refletores, 60 refletores de efeito e dois canhões de luz vão dar uma "luz meio de rock garagem, mas sofisticada, uma iluminação simples, mas complicada de fazer". O vermelho da capa do novo disco vai ser a cor predominante da luz de palco. 

"No Brasil se costuma usar nos shows musicais apenas um tipo standard de microfone, mas nós vamos usar vários microfones diferentes." A observação de Gabriel Neto, da MacAudio, torna-se inteligível quando ele acrescenta que cada microfone escuta de uma maneira diferente, daí que quando se coloca um microfone específico para cada peça da bateria o som ouvido pelo público fica bem mais limpo, nítido.

Gabriel explica que a utilização de poucos microfones e a equalização de um som pesado e sujo são características inglesas. Ele pretende evitar a sujeira e deixar o peso com a utilização de vários microfones. Os 32 auto-falantes de grave, 16 de médio-grave, 16 cornetas de médio-agudo e 16 tweeters que vão despejar som no público são considerados por Gabriel "o sistema convencional usado em todo mundo para shows de rock". Para as apresentações fora do Rio de Janeiro a Showbrás está entrando em contato com outras empresas de som e luz.

Jornal do Brasil, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1989

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