quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

05.08.1981 - O Cão de Fila



O Cão de Fila

A importante revista alemã Molosser, da qual sou correspondente no Brasil, dedicou quase um terço das 72 páginas de sua edição de maio último à raça cão de fila brasileiro e seus atuais graves problemas; tal fato, entre outros, dá-me a esperança de sensibilizar parte do seleto público leitor do JB, com um alerta sobre os danos que ações inconseqüentes de pessoas anormalmente ambiciosas vêm trazendo à nossa cinofilia (a criação de cães de raça), atividade inegavelmente associada à cultura de todas as nações.

Conforme levantamento criteriosamente efetuado pelo executivo de comércio exterior Francisco Peltier de Queiroz, o Cão de Fila Brasileiro, última raça canina originária de nossa pátria, vem sendo vítima de um processo de mestiçagem, não apurado por várias diretorias do Brasil Kennel Club, entidade que também se intitula Confederação do Brasil Kennel Club.

Em busca de uma real solução para este problema, foi fundado o Cafib (Clube de Aprimoramento do Fila Brasileiro), sediado à praça Prof. Resende Puech, 43 — Pinheiros — 05444, São Paulo, SP.

O Cafib apresentou ao Ministério da Agricultura, embasado no levantamento de Peltier — que recebeu apoio da Imprensa, na figura do titular da então coluna de cinofilia do JORNAL DO BRASIL, Sr Paulo Roberto M. Godinho e na figura do colunista cinófilo de O Estado de S Paulo, Sr Antonio Carvalho Mendes — um dossiê sobre a mestiçagem, o qual foi lá tecnicamente apreciado e aceito, ocasionando a elaboração em 1980 de um relevante protocolo (publicado no Diário Oficial da União) entre o Ministério e o Cafib, prévia do reconhecimento deste por aquele, o que viria a outorgar logo em seguida ao Cafib o status de única entidade autorizada pelo Governo brasileiro a emitir pedigrees (certificados de registro de origem de cães de raça) e a realizar exposições caninas especializadas da raça Fila Brasileiro.

Esta situação, mundialmente constrangedora principalmente para as seis últimas diretorias do Brasil Kennel Club, porém causada essencialmente apenas pela mestiçagem e pela não apuração dela, teve seus lógicos rumos subitamente alterados por uma aparente manobra política dos mestiçadores: aconteceu curiosa medida ministerial, excluindo surpeendentemente todos os caninos (de todas as mais de 300 raças estrangeiras também) de qualquer controle por aquela Pasta, dentro de nosso território.

Comentam grandes conhecedores de cinofilia entretanto, que a medida do governo teria provocado suspiros de provisório alívio no seio da mestiçagem, pelas seguintes razões:

a) o Brasil Kennel Club não tem como explicar cinologicamente o impressionante número e a vexatória diversidade de seus filas-mestiços, que contudo ostentam pedigrees como se fossem de pura raça. Ao afirmar que semelhantes coquetéis rácicos seriam decorrência do Fila não estar ainda geneticamente fixado, seus dirigentes mentem, contradizendo as evidências cinotécnicas amplamente explanadas nas dezenas de edições do tablóide O Fila, pelo advogado e cinólogo Paulo Santos Cruz e também contradizem a si mesmos, considerando que a raça foi reconhecida décadas atrás no estrangeiro como já fixada, a pedido deles próprios...

b) diante de uma opinião pública cinófila brasileira grandemente iludida pelos mestiçadores e alheia aos mecanismos sutis da mestiçagem, anestesiada ainda por natural apego ao que é seu e que pensa ser puro, porque lhe foi vendido como tal, configurando um círculo vicioso que se origina na reduzida difusão da cinofilia no país em padrões efetivamente técnicos, fruto das péssimas administrações do próprio Brasil Kennel Club, prefere esta agremiação que haja um mínimo de controle às suas atividades por assegurar-se desse modo que as irregularidades nunca seriam devidamente apuradas;

c) persistindo o controle ministerial e a saneadora realidade do reconhecimento governamental ao Cafib, estaria o Brasil Kennel Club fadado a rápida insolvência, peculiarmente vulnerável à uma enxurrada de processos judiciais movidos pelos milhares de pessoas por ele lesadas, proprietários de falsos-filas espalhados nos últimos anos pelos mestiçadores por todo o Brasil, o que rendeu a estes, livre do Imposto Sobre a Renda, muito dinheiro...

d) não havia como o Ministério da Agricultura inverter ou anular o andamento do justíssimo reconhecimento ao Cafib, por maiores que fossem as pressões políticas por parte dos interessados na mestiçagem do Fila;

e) afastada a ação controladora do Ministério — vínculo este cuja importancia o B.K.C. ainda ousou minimizar após consumado o rompimento — sem dúvida o Brasil Kennel Club levava algumas vantagens iniciais no confronto com o Cafib, a saber: foi fundado há muito mais tempo, desfruta de eventual vínculo com a FCI (Bélgica), dispõe de poder econômico elevado (decorrente de congregar aficcionados de todas as raças caninas e decorrentes das altas taxas pelo enorme número de indefesos proprietários dos mestiços) e utiliza o nome pomposo de um quadro de árbitros, formado de conhecedores de algumas raças estrangeiras, para tentar dar credibilidade a um cenário de mestiçagem, através de um padrão de raça tendenciosamente modificado para favorecer os mestiçadores e seus produtos.

Os principais nomes apontados nos trabalhos de Peltier como envolvidos direta ou indiretamente no quase aniquilamento técnico-cultural do puro Fila, são os dos Srs Eugenio Lucena, Enio Monte, João Baptista Gomes, Prof. Procópio do Vale e Jacob Blumem.

O casal Jacob e Andrea Blumen, titulares do canil Curumaú, do Rio de Janeiro, são proprietários de cães amplamente utilizados na reprodução na seara do Brasil Kennel Club, embora expressamente apontados como mestiços pelos estudos técnicos do Cafib.

O Clube Mineiro de Criadores de Fila Brasileiro desfiliou-se do Brasil Kennel Club, em histórica decisão tomada por seu então presidente Cel. Arthur José Walter Verlangiéri, solidarizando-se com o cinólogo Paulo Santos Cruz e com o Cafib na luta contra a mestiçagem, e dando colorido especial ao assunto, pois Minas Gerais e São Paulo são os dois principais centros brasileiros de Filas puros.

O brado liderado por Christofer Habig, juiz alemão de Filas, árbitro da FCI e editor da revista Molosser, é o sinal que vem da Alemanha, pátria mundial das grandes raças de trabalho, em defesa do nosso Fila, fato tão marcante quanto a exportação de Filas de Paulo Santos Cruz na década de 50 para o príncipe alemão Albrecht da Baviera; desta feita, um brado para rapidamente minimizar os malefícios que os mestiçadores muito já causaram e estão causando à imagem de nosso país nesta fronteira cultural junto às cinofilias de todo o mundo.
Carlos Feijó de Carvalho — Rio de Janeiro.

Jornal do Brasil, quarta-feira, 5 de agosto de 1981

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