segunda-feira, 26 de setembro de 2016

01.03.1986 ─ O primeiro dia da guerra à inflação

Foto: Carlos Chicarino
28 de fevereiro de 1986, Centro do Rio, à tarde: rajadas de metralhadora para assustar os "fiscais dos preços"


O primeiro dia a guerra à inflação

"Iniciamos hoje uma guerra de vida ou morte contra a inflação." A manhã de sexta-feira estava estranhamente calma. "Cada brasileiro será e deverá ser um fiscal de preços." Em todo o País, as TVs mostravam o presidente da República, cercado pelo Ministério. E Sarney anunciou o pacote da desindexação da economia — o cruzado (Cz$), o congelamento de preços, novos reajustes de salários, o fim da correção. "Reze para que dê certo. Agora, ou vai ou racha", confidenciava Dílson Funaro, ministro da Fazenda. Os ministros tentaram explicar o pacote em longa entrevista. Ao menos, conseguiram estimular a verificação dos preços, depois de uma madrugada de remarcação, criando uma corrente nacional de reclamações. Mais medidas foram anunciadas: os bancos só abrirão às 13 horas de segunda-feira e fica criada a OTN (Cz$ 106,40). Mas Sarney não desistirá de explicar o que anunciou. Na segunda-feira, reúne-se com todos os governadores de Estado. Hoje, na sessão de reabertura do Congresso em 86, o pacote será discutido. Ontem, mesmo tentando responder com humor, Sarney foi lembrado de que, agora, havia "assumido o poder de fato".

Pedras contra os preços

Na quinta-feira, a balconista foi ao Bob's do largo da Carioca, no Rio, e pagou Cr$ 13 mil por um cachorro-quente. Ontem, pelo mesmo sanduíche, pagou Cr$ 18 mil. Conclusão: os consumidores reclamaram, houve confusão e a lanchonete foi depredada.

Estava iniciada a tarde de caça ao especulador no País. A segunda investida carioca foi mais violenta ainda: uma pedra, gritos, e a lanchonete McDonald's, no Centro, acabou destruída, também por subir os preços. Ali apareceram os policiais — um até de metralhadora, disparando para o ar — e, no confronto, 19 pessoas foram detidas e um PM esfaqueado. Em São Paulo e em Mafra (SC) foram presos em flagrante funcionários aumentando preços — resultado da madrugada nacional de remarcação. Quase que mesmo Sarney era desmentido quando falava de controle. Naquela hora, o superintendente da Sunab multava o Carrefour, em Brasília. A Sunab, o DPF e as polícias estaduais ajudarão "cada brasileiro a ser um fiscal", como quer o presidente.

Uma greve geral vem aí

O pacote de desindexação conseguiu quase o impossível no movimento sindical: a aproximação da CUT e da Conclat, contra o governo. As duas centrais recusaram o convite para uma reunião em Brasília e preparam uma greve geral. Os bancários do Rio não esperaram e já se declararam em "estado de greve". Mas, para o presidente da Fiesp, Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho, o sistema adotado beneficiará mais os assalariados. Porém, os filiados à Associação Nacional de Pequenos e Médios Empresários resolveram suspender a entrega de produtos até segunda-feira. O ex-ministro Francisco Dornelles prevê "desorganização do sistema financeiro e do sistema agrícola", além de "insegurança para o poupador e incerteza para o assalariado". Mesmo o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, que considerou as iniciativas "corajosas", lembrou a Sarney que ele utilizava o decreto-lei pela segunda vez.

Banco estende
feriado e abre
segunda às 13

Os bancos só abrirão às 13h de segunda-feira, prolongando o feriado bancário e aproveitando a manhã para explicar a seus funcionários como trabalhar com o cruzado e as tabelas de conversão do antigo cruzeiro. Esse foi o principal resultado prático da reunião entre o presidente do Banco Central, Fernão Bracher, e 30 banqueiros. Página 32

Primeiro-ministro
sueco assassinado

ESTOCOLMO — O primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme, foi morto ontem à noite num atentado a bala, no centro de Estocolmo. Testemunhas viram um homem de meia-idade, de sobretudo, fugindo do local. Palme estava sem proteção policial, como é comum na Suécia. O gabinete está reunido em sessão de emergência, para discutir a situação. Página 7
Foto Sérgio Borges
Sarney anuncia a "guerra contra a inflação" e pede que todos sejam "fiscais"

AS MEDIDAS

• O cruzado (Cz$) é a nova moeda e fica restabelecido o centavo. O Banco Central está encarregado da remarcação e aquisição de cédulas e moedas em cruzeiros e da impressão de novas cédulas e da cunhagem das moedas em cruzados.
• A Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN) passa a denominar-se Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) e vale 106,40 cruzados.
• As prestações do BNH serão congeladas pelo prazo de um ano e os reajustes não serão superiores à equivalência salarial do mutuário.
• Todos os produtos, serviços e aluguéis estão congelados. O governo vai divulgar em todo o País uma relação de 75 itens básicos (desdobrados chegam a 200 produtos) que não poderão ser aumentados.
• O Banco Central congelou o câmbio por tempo indeterminado. A partir de segunda, o dólar vale Cz$ 13,77 para compra e Cz$ 13,84 para venda.
• Os salários são convertidos em cruzados pelo valor médio da remuneração real dos últimos seis meses. Os reajustes serão anuais, a não ser que a inflação ultrapasse 20%. O salário mínimo é de Cz$ 800.
• Está criado o seguro-desemprego para os que forem dispensados sem justa causa ou perderem o trabalho por fechamento de sua firma.
• O governo garante o rendimento de depósitos da caderneta de poupança. O CMN fixou em 90 dias (antes eram 30 dias) o prazo mínimo para crédito de rendimento dos depósitos de poupança.
• Os prazos mínimos para aplicações em CDBs e letras de câmbio foram reduzidos de 180 para 60 dias.

Na cartilha, muitas explicações do pacote

Uma cartilha oficial para entender a desindexação da economia na prática e no cotidiano das pessoas: como calcular o salário, a prestação do BNH ou aluguel, os rendimentos das cadernetas de poupança, as prestações de crediário, futuros compromissos em notas promissórias e até mensalidades de escolas. 

Escreva ao jornal sobre sua dúvida

Hoje, o jornal O Estado de S. Paulo inicia um novo serviço de utilidade pública: a resposta às dúvidas de seus leitores em relação às novas medidas anunciadas ontem pelo presidente Sarney. Por carta, com identificação completa, os leitores podem enviar perguntas, que serão encaminhadas ao governo federal, para to-dos os esclarecimentos.

O Estado de S. Paulo, sábado, 1 de março de 1986

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