terça-feira, 20 de setembro de 2016

25.12.1988 ─ Ecologista é velado sob tensão



Ecologista é velado sob tensão

Em clima de tensão e perplexos diante da morte de seu líder, seringueiros e agricultores começaram a chegar a Xapuri (AC), para o enterro de Chico Mendes, ecologista e presidente do sindicato dos trabalhadores rurais do município, assassinado quinta-feira. O corpo foi embalsamado e o sepultamento será amanhã.

Em Xapuri, cidade onde até o juiz Aldair Longhini sente medo, o crime aumentou a apreensão. O secretário do PT, Valdemir Nicácio, teme uma reação violenta dos trabalhadores. Por volta das 17h de quarta-feira, Chico havia comentado com a diretora do hospital da cidade, irmã Zélia, que morreria "até o dia 31".

O assassinato de Chico Mendes causou grande comoção. Nos Estados Unidos, Steve Schwartzman, diretor de uma entidade ambientalista privada, considerou a morte "um desastre para o futuro da floresta" e uma demonstração de "como a violência na Amazônia está diretamente ligada à devastação de seus recursos naturais".

O Ministério da Justiça enviou o delegado federal Luís Gonzaga Neto para acompanhar as investigações e determinou que a Polícia Federal realize nova apreensão de armas na região. No dia 9 passado, quando esteve no Rio, Chico Mendes disse em entrevista, que o JORNAL DO BRASIL publica hoje, que seu sacrifício seria inútil: "Quero ficar vivo para salvar a Amazônia". (Páginas 7, 8 e 9).
Xapuri (AC) ─ Sérgio Valle

Perplexos, homens e mulheres começaram a chegar para o enterro de Chico, que será no Natal

Os últimos dias de Chico Mendes

Fala mansa, jeito de caipira e tipo raro de ecologista do mato mesmo, para quem a floresta e os rios não constituíam só conceitos abstratos, Chico Mendes ainda não era propriamente um nome nacional. Mas em certos ambientes muito especiais ao redor do mundo já era uma celebridade. Em 1987 recebeu um prêmio da ONU. No BID e no Banco Mundial, discutia com os donos do dinheiro os investimentos na Amazônia. Sua morte, aos 46 anos, abatido por reles pistoleiros em sua cidade de Xapuri, no Acre, não é uma vergonha só para o Brasil. É vergonha para a civilização.

No Brasil dos assassinos que se estende por toda a região Norte e Oeste do país, onde a pistola se abastece com a munição confortável da impunidade, Chico Mendes é mais uma vítima de uma especialidade já banal ─ a morte anunciada. Ele sabia que estava marcado para morrer. Vivia dizendo isso. E a certeza era tanta que, em plena democracia, vivia como um clandestino. Não podia dormir duas noites seguidas na mesma casa. Não podia anunciar previamente seus deslocamentos. Nos últimos tempos, estava sob a proteção permanente de dois PMs, cortesia do governador do Acre, Flaviano Melo.

Chico Mendes, nascido nos seringais, filho de seringueiros e seringueiro ele próprio por destino e vocação, não bebia, não fumava e, ultimamente, não tinha vida pessoal. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, existia para sua causa ─ um amálgama originalíssimo de luta pela terra e defesa da ecologia. Um Gandhi da floresta, criou a figura do empate ─ movimento de resistência pacífica em que os seringueiros e suas famílias concentravam-se em frente das máquinas para impedir o desmatamento.

Chico tinha o governador a seu lado, mas neste peculiar Brasil dos assassinos é preciso distinguir governo e poder. Nem sempre o governo é o poder. Poderes maiores ignoravam suas denúncias de que estava marcado para morrer, e nem se importunaram quando ele até deu os nomes de duas pessoas que, tinha certeza, articulavam a sua desgraça ─ os irmãos fazendeiros Darly e Alvarinho Alves, ambos ligados à UDR. O superintendente da Polícia Federal no Acre, Mauro Spósito, respondeu chamando Chico de "dedo-duro". Ou seja, a vítima anunciada passou a acusado, tudo muito de acordo com o ritual das mortes anunciadas.

Na quinta-feira, depois de duas semanas já sem ver a família, Chico Mendes rompeu com a rotina de dormir cada vez na casa de um amigo ou parente e foi para casa, nos arredores de Xapuri. O desejo de rever a mulher e os três filhos falou mais forte que as preocupações de segurança. Às 18h45, antes do jantar, resolveu tomar um banho. Os dois PMs ficaram para trás, ele dirigiu-se sozinho ao banheiro, que ficava fora. Um tiro de espingarda, calibre 12, atingiu-o no peito. Chico Mendes morreu com uma toalha no ombro.

Jornal do Brasil, sábado, 24 e Domingo, 25 de dezembro de 1988

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