terça-feira, 27 de setembro de 2016

17.08.1982 ─ Euclides da Cunha, festa no retorno a Rio Pardo

Foto Waldemar Padovani
Os despojos de Eucludes, agora às margens do rio Pardo


Euclides da Cunha, festa no retorno a Rio Pardo
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WILSON MARINI
Enviado especial

Exatamente 73 anos após a morte do escritor Euclides da Cunha, os seus restos mortais e os de Euclides da Cunha Filho foram enterrados definitivamente em mausoléu às margens do Rio Pardo, em São José do Rio Pardo, domingo à tarde. O acontecimento se deu em clima de festa, pois os traslado vinha sendo reivindicado pela cidade especialmente nos últimos dez anos.

Os moradores de São José do Rio Pardo ─ cidade de 45 mil habitantes, sede de uma faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e uma tradição de culto à obra euclidiana ─ acompanharam com interesse o processo de transferência dos despojos que culminou com a chegada dos despojos no sábado à tarde. Nesse dia, houve sessão solene na Câmara Municipal, marcada por diversos discursos de acadêmicos, políticos, estudantes e descendentes do escritor e de seu amigo Francisco Escobar. Houve até um protesto ecológico por um grupo de jovens, que quizeram associar ameaças como a bomba atômica com as idéias do autor de "Os Sertões". Depois disso, as urnas foram veladas em noite de vigília na "Casa Euclidiana", um museu situado no prédio onde residiu o escritor nos três anos que passou em Rio Pardo.

O ponto forte de toda a programação se deu no domingo, inicialmente com um ato cristão na igreja matriz celebrado por dom Thomaz Vaquero, bispo diocesano. Cerca de mil pessoas formaram o cortejo a pé, numa distância de 500 metros, até a praça onde foram depositadas as urnas. A solenidade prosseguiu com novos discursos e a entoação do Hino Nacional por corporações musicais, nesta altura presenciada por cerca de três mil pessoas. Ao som de salvas de tiro por soldados do Exército, as urnas conduzidas pelos familiares do escritor foram enterradas em meio a um espelho d'água. Funcionários da prefeitura acreditam que o local será reforçado como ponto turístico de Rio Pardo. A poucos metros do mausoléu existe uma redoma de vidro protegendo uma cabana de madeira que serviu de escritório para Euclides da Cunha dirigir as obras da ponte metálica ligando uma margem à outra do lendário Pardo. E lá, também, Euclides da Cunha teria escrito a maior parte de "Os Sertões".

Para o vereador Álvaro Ribeiro de Oliveira Netto, Rio Pardo cresce, a partir de agora, em importância: "Sua responsabilidade perante a comunidade cultural é maior". Como ele, outros representantes da comunidade falaram na sessão da Câmara tecendo considerações de orgulho pelo traslado, encarado como uma das maiores vitórias da cidade em sua história, contra a cidade fluminense de Cantagalo, onde nasceu o escritor.

Mas não faltou, ao longo da festividade, a exploração pelos políticos. Diversos deles fizeram questão de enfatizar "o esforço da Secretaria de Cultura" para que o traslado fosse realizado. O presidente da União dos Vereadores do Estado de São Paulo, Eduardo Monteiro da Silva, fez apologia do ex-secretário e do atual, minutos antes de ser consumado o enterro. E numa das luminárias da ponte construída por Euclides da Cunha, tombada pelo Patrimônio Histórico, estavam colocados cartazes de propaganda do candidato do PDS, Reynaldo de Barros.

Para manter o culto a Euclides da Cunha, os professores euclidianos da cidade prometem continuar realizando a "Semana Euclidiana", uma promoção que envolve estudantes de escolas de todo o Interior, que anualmente disputam um concurso literário cujo tema é ligado à obra do escritor. Este ano, o primeiro prêmio foi de Cr$ 40 mil.

Resta, ainda, preservar a memória, ciclicamente ameaçada pelo descaso das autoridades. Os objetos pessoais permanecem para visitação pública na antiga cabana, sem nenhum controle ou vigilância sobre a presença de pessoas, a não ser um livro de assinaturas. Até o ano passado, a "Casa Euclidiana" esteve prestes a ruir, só não ocorrendo devido a uma interdição, para reformas.

O Estado de S. Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 1982

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