quarta-feira, 14 de setembro de 2016

02.11.1983 ─ Uma multidão chocada no enterro de Laura e Talita



Uma multidão chocada no enterro de Laura e Talita

Da Sucursal do ABC

Mais de três mil pessoas que acompanharam ontem o enterro da professora de dança Laura Thomé Tomarevski e de sua filha Talita, de sete meses, mostravam algo muito mais que a tristeza: entre elas, surgiam protestos que não chegaram a ser abafados pela filosofia religiosa quase conformista do marido de Laura, Vladimir Tomarevski, da Igreja Batista ─ "Tudo isso acontece porque as pessoas não têm Cristo no coração".

A maioria não ficou nesse conformismo e, mesmo sem usar faixas que caracterizaram protestos em outros recentes enterros de vítimas de tragédias na Grande São Paulo, foi além. Este acabou sendo o caso de Marcos Vital, um jovem amigo do casal Tomarevski, que fazia a pergunta aos que o cercavam e que poderia ser dirigida à polícia e ao governador Montoro: "Onde está a Justiça, que deixa essa gente em liberdade? Onde está a polícia?" Cinco dos assaltantes foram mortos, o que não afastou a revolta durante o enterro, no Cemitério das Lágrimas.

O caso de Laura e Talita, assassinadas anteontem durante a tentativa de assalto à agência do Banco Itaú, na Vila Barcelona, em São Caetano do Sul, tornou-se assunto nacional. Se o povo de São Paulo já está sendo obrigado a se acostumar aos casos diários de violência e de falta de policiamento, desta vez foi chocante demais: a morte de um bebê.

Os corpos de Laura e Talita foram velados no Templo Batista da Vila Gerty. Entre os alunos e amigos que foram até lá estavam Irany Rosalino, que conhecia Laura desde menina, que disse apenas ser muito triste o que aconteceu com ela. Outro amigo da família, Marcos Vital, criticou a Justiça, ao lembrar que um dos assaltantes já estava condenado a mais de 53 ano "e continua solto para matar mães e crianças".

O marido de Laura, Vladimir Tomarevski, passou a maior parte do tempo ao lado dos corpos e, como outros membros da família, mostrava-se mais sereno ao analisar a tragédia. Ele disse que não estava com ódio "contra quem fez isto, porque dentro de mim não há espaços para odiar. Tudo aconteceu porque as pessoas não têm Cristo no coração".

O movimento de pessoas no velório era tanto que soldados da Polícia Militar tiveram de organizar a entrada e saída para evitar tumultos. Diante da igreja, muitos moradores lembraram da menina, que iria completar oito meses no dia sete. O culto foi celebrado pelo pastor Mário Pereira, o mesmo que realizou o casamento do casal, há cerca de dois anos.

Do exemplo, logo após as 14 horas, os corpos seguiram para o Cemitério das Lágrimas, acompanhado também por viaturas da Polícia Civil e Militar. Ao passar pela avenida Visconde de Inhaúma, muitas lojas fecharam suas portas e dezenas de pessoas permaneceram nas calçadas para presenciar o cortejo. No cemitério, o sepultamento ocorreu por volta das 16 horas. Porque muita gente quis ver os corpos e, novamente, a Polícia Militar organizou as filas.

Enquanto isso, os corpos dos cinco assaltantes mortos durante o tiroteio travado com vigilantes do banco e com soldados da PM estavam no Instituto Médico local, que funciona junto ao cemitério. Algumas pessoas quiseram ver os corpos, mas eles só estavam liberados para os parentes. Até o final da tarde, apenas Carlos Vagner Monteiro ─ responsável por outros nove assaltos a bancos, segundo a polícia ─ não havia sido reconhecido por familiares. Na delegacia, a mãe do outro assaltante ─ Luís Carlos de Lima ─ disse que ele passou os últimos dez anos cumprindo pena e estava em liberdade desde agosto. Todos os cinco tinham várias passagens pela polícia, com diferentes condenações e inquéritos e processos a responder.

Durante o tiroteio, também ficou ferido um cliente do banco, Riquizo Sadao Okura, que continua internado na UTI do Hospital Beneficência Portuguesa. O delegado José Alves dos Reis disse que foi informado por funcionários do hospital que a vítima teve o baço atingido e corre o risco de ficar com as pernas paralisada.

A polícia de São Caetano prossegue nas investigações sobre a tentativa de assalto, ocorrida na segunda-feira, pois ainda existem dúvidas quanto ao número de assaltantes. O único que foi preso, Franklin Pedro da Silva, 26 anos, insiste que eles eram apenas seis, enquanto policiais que participaram do tiroteio afirmam que eles estavam em sete ou oito.

Além disso, a polícia ainda não localizou uma arma de calibre 45, o mesmo projétil que atingiu a menina e sua mão. O autor do disparo, conforme reconhecimento de uma testemunha, Maria Benedita Guimarães, foi Jefferson Pedro da Silva, irmão do assaltante preso, e não Mauro Mondeja, conforme as primeiras informações.

O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 2 de novembro de 1983

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