segunda-feira, 2 de maio de 2016

02.07.1968 - Bando da metralhadora ataca outro banco

FOLHA DE S. PAULO
FOLHA DA MANHÃ   ANO XLVIII ─ I CADERNO ─ SÃO PAULO ─ 3.ª FEIRA, 2 DE JULHO 1968 ─ N.º 14.261   FOLHA DA NOITE

Usando revolver e uma metralhadora, no melhor estilo dos filmes de gangsters na decada de vinte, dois assaltantes entraram numa agencia bancaria localizada na avenida Angelica, ontem, e levaram 23 mil cruzeiros novos. Durante o assalto, prenderam varios funcionarios da casa bancaria no banheiro. Após as primeiras investigações, a policia, que colocou o "esquadrão da morte" para elucidar o crime, diz já ter o nome de três pessoas que, com certeza, estariam implicadas no assalto.


Bando da metralhadora ataca outro banco

A quadrilha que assalta bancos com metralhadoras, atacou pela 6.a vez, ontem, pouco depois do meio-dia, e roubou 23 mil cruzeiros novos de uma agencia bancaria no Conjunto Angelica (avenida Angelica, 538).

Dois bandidos ─ com metralhadora e revolver ─ trancaram três funcionarios do banco e uma cliente no banheiro e amarraram os punhos de uma das vitimas, o caixa Ernesto Antonio Giannoni. Roubaram o dinheiro da caixa e fugiram, provavelmente, pela alameda Barros.

Enquanto os ladrões atacavam, todos os investigadores do Setor de Assaltos da Delegacia de Roubos iniciavam a busca de três delinquentes que ─ acreditam as autoridades ─ fazem parte da quadrilha. Esses bandidos foram identificados na quinta-feira e suas fotos reconhecidas por testemunhas de outros dois assaltos: contra a "perua" de um banco, na avenida Santo Amaro, em março; e contra a "perua" de outra casa bancaria, em Mauá, no começo de junho.

Agentes do "Esquadrão da Morte" ─ equipe especializada em caçar assaltantes ─ chegaram ao banco do Conjunto Angelica pouco depois do assalto. Depois dos primeiros levantamentos, os policiais concluíram que o assalto de ontem foi praticado pelo mesmo bando que roubou 280 mil cruzeiros novos em cinco assaltos a bancos, nos ultimos meses.

O MALOTE XADRÊS

Sete minutos depois das 12 horas, ontem, dona Gilda, proprietaria de um boutique ao lado da agencia bancaria, suspeitou de um homem de japona escura, que segurava um malote xadrês, verde e vermelho. O homem andava pelas rampas do primeiro andar do Conjunto Angelica, onde estão o banco assaltado e algumas lojas. Dona Gilda não se impressionou muito; pensou que o desconhecido fosse contrabandista.

Meio-dia e dez minutos, dois homens ─ um com japona escura ─ entraram depressa na agencia bancaria e gritaram: "Isto é um assalto. Todos de mãos para cima".

Ernesto Antonio Giovannoni (24 anos, solteiro), caixa do banco há cinco meses, levantou as mãos e os olhos. Viu um homem moreno, baixo de bigodes e cabelos pretos, oculos e japona escura, com um revolver. Perto deste, um mulato alto, meio calvo, de terno azul marinho com uma metralhadora.

Os assaltantes ameaçaram: "Quem sair leva bala!" Giovannoni se aproximou de seus dois colegas, Jaime Cordeiro Talarico e José Francisco Amaro, e de uma cliente, Elaine, unicas pessoas no banco.

O CABO BRANCO

Movendo-se rapidamente, os bandidos obrigaram as vitimas a entrar no banheiro. Elaine, a cliente, começou a tremer e chorar. Os funcionarios empalideceram. Giovannoni assustou-se mais: o ladrão que segurava o revolver mandou-o colocar as mãos sobre a cabeça.

Com uma corda fina o bandido começou a amarrar os punhos do caixa. Descuidou-se, o revolver escapou-lhe das mãos e bateu na orelha direita de Giovannoni. Caiu no chão mas não disparou. O caixa viu a arma e guardou este detalhe: o cabo é branco.

Os assaltantes trancaram as vitimas no banheiro, pegaram o dinheiro da caixa e correram pelo corredor externo até a alameda Barros onde ─ presume-se ─ um carro os aguardava.

Cinco minutos depois, o continuo do banco, Mario Pieralini Filho (17 anos), chegou com pasteis que os funcionarios mandaram comprar. O salão da agencia bancaria estava deserto. Mario estranhou, ficou pensando o que faria com os pasteis.

Uma cliente entrou e o continuo resolveu gritar para seus colegas que julgou estarem no banheiro. Dirigiu-se para lá e ajudou a libertá-los.

Policiais da 3.a Delegacia, do setor de Assaltos, do "Esquadrão da morte" e da Radio Patrulha chegaram pouco depois. Concluiram que o malote xadrês do homem que dona Gilda vira estava guardada a metralhadora.

CHEFE TEM BIGODES

Na quinta-feira, policiais do Setor de Assaltos e da 1.a Delegacia Auxiliar compararam o resultado de suas investigações e chegaram a uma conclusão: suspeitavam dos mesmos ladrões, que são fichados na Policia.

Uma seleção resultou da identificação de três bandidos, cujos nomes são mantidos em sigilo. Fotos desses ladrões foram exibidas a vitimas de assaltos a bancos anteriores, com resultados positivos. Os policiais concluiram que um dos três delinquentes ─ baixo, de bigodes ─ é o chefe da quadrilha.

Nas horas seguintes começou a mobilização geral dos investigadores do Setor de Assaltos e da 1.a Divisão Auxiliar. Armas de grosso calibre ─ entre elas uma metralhadora ─ passaram a ser usadas nas diligências realizadas ininterruptamente por toda a cidade.

Um investigador viajou para o Rio e prendeu Antonio Padilha dos Santos, o "Gaucho", suspeito que se parece com o retrato-falado de um dos assaltantes. O delegado do Setor de Assaltos levou "Gaucho" a um banco de Rudge Ramos ─ onde os ladrões roubaram 80 milhões ─ e seis funcionarios o reconheceram como um dos ladrões.

Uma moça chegou a desmaiar ao ver "Gaucho"; um funcionario foi buscar um revolver. Mas investigações posteriores revelaram que "Gaucho" é muito parecido com um dos assaltantes mas não roubou em São Paulo nos ultimos meses.

NAO SAO TERRORISTAS

O delegado Ernesto Milton Dias, do Setor de Assaltos, acha que a quadrilha da metralhadora não tem nada a ver com os assaltos a clientes de banco. "Esses bandidos são organizados e só atacam para roubar muito" ─ explica o delegado.

O sr. Milton não acredita também que os assaltantes sejam terroristas que roubam com o objetivo de conseguir fundos para promover atos de terrorismo. "São ladrões comuns, experimentados, que ja praticaram muitos assaltos e foram presos mais de uma vez" ─ esclarece o sr. Milton.

As vitimas do assalto de ontem foram à Delegacia de Roubos para tentar reconhecer os ladrões em albuns com fotografias. O delegado Milton Dias esperava, ontem à noite, os resultados da tentativa de reconhecimento, até então negativa. "Se os funcionarios do banco não reconhecerem nenhum dos ladrões cujas fotos estão nos albuns, eu lhes mostrarei as fotos dos três assaltantes que identificamos" ─ revelou o delegado.

A Policia Tecnica conseguiu colher impressões digitais nos levantamentos que fez no banco assaltado ontem. Fragmentos de impressões foram colhidos nos vidros da caixa e no maço de cigarros de Giovannoni, que um dos ladrões tocou ao apanhar o dinheiro.

A quadrilha da metralhadora roubou nos seguintes locais: 40 mil cruzeiros novos da "perua" de um banco em Mauá, no começo de fevereiro; 22 mil cruzeiros novos na "perua" de outro banco, na avenida Santo Amaro, em março; 80 mil cruzeiros novos em um banco de Rudge Ramos, no fim de maio; 80 mil cruzeiros novos da mesma "perua" assaltada em Mauá, a 200 metros do local do roubo anterior, em começo de junho; 40 mil cruzeiros novos em um banco do Brás, em junho e o assalto de ontem, 23 mil cruzeiros novos, no banco da avenida Angelica.

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II Exercito agradece

A direção da FOLHA DE S PAULO recebeu, do II Exercito, um ofício assinado pelo tenente coronel Alaor Vaz, chefe da Secção de Relações Públicas, que diz em seu primeiro       :

"Incumbiu-me o Exmo Sº General Comandante do II Exercito de agradecer a V Sa a colaboração desse conceituado orgão da imprensa paulista quando do atentado contra o Quartel General do II Exercito na madrugada de 26 de junho de 1968, participando do pesar que nos pungia e esclarecendo criteriosamente a opinião pública".

O ofício convida, ainda, para a missa de 7.o dia, em sufrágio da alma do soldado Mário Kozel Filho.

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Exercito não diz nada sobre caso da dinamite

As autoridades policiais e militares continuam mantendo sigilo em torno das investigações para esclarecer o atentado a bomba contra o QG do II Exercito, no Ibirapuera, e o roubo de meia tonelada de dinamite, numa pedreira do km 15 da Raposo Tavares, na semana passada.

Não se conhece, oficialmente, o numero de pessoas detidas osb suspeita do atentado ou do roubo. Fontes fidedignas, entretanto, revelaram, ontem, que cerca de vinte jovens estão recolhidos aos xadrezes do DOPS e do Departamento de Policia Federal. As mesmas fontes afirmaram que algumas moças estão entre os detidos e que a maioria destes é constituida de estudantes.

SIGILO

Pela primeira vez nos ultimos anos o DOPS proibiu a entrada de jornalistas durante todo o dia de ontem naquela dependencia policial. A guarda externa do predio foi triplicada e onde normalmente fica um soldado da Força Publica, ontem estavam três.

Todas as portas e portões do DOPS foram mantidos fechados e fortemente policiados por soldados armados de metralhadoras. À noite o predio foi isolado com cordas e o transito foi desviado. Ninguem entrou no DOPS ontem sem identificar-se.

Delegados e investigadores que saíam do predio eram cercados pelos jornalistas que permaneceram durante algum tempo na calçada. As autoridades, entretanto, mantinham sigilo em torno das investigações.

ELEVADOR

O DOPS tem cinco andares mas, por medida de segurança, o unico elevador que funciona no predio só serviu, ontem, do primeiro ao quinto andar. Nenhuma vez o elevador desceu ao andar terreo e ao subsolo, onde ficam os xadrezes.

Dois reporteres conseguiram chegar ao quarto andar, mas foram logo percebidos e convidados a sair. No curto espaço de tempo em que estes reporteres permaneceram no predio conversaram com delegados e investigadores. Ninguem, entretanto, quis comentar sobre as investigações do atentado ao QG do II Exercito e do roubo de dinamite na Raposo Tavares.

Ninguem explicou, tambem, porque as medidas de segurança foram adotadas. No DOPS a preocupação dos policiais era visivel. Na rua, os policiais evitava, os jornalistas e, quando abordados, explicavam que estavam proibidos de falar.

PRISÕES

No QG do II Exercito tambem mantiha-se sigilo. Nenhuma autoridade militar pronunciou-se a respeito das investigações ou das prisões.

No Departamento de Policia Federal o general Silvio Correa de Andrade admitiu que há prisões mas negou-se a dizer quem está preso, quantos estão presos e porque estão presos.

O general explicou que não revela a identidade, quantidade e motivos dos presos e das prisões porque isso não convem às autoridades e às investigações.

O general Silvio Correa de Andrade esclareceu, tambem, que há intercambio de detidos entre o DPF, o DOPS e o II Exercito.

Depois, repetindo hipotese que o ministro Mourão Filho aventou há meses, afirmou que os assaltos a bancos, em São Paulo, podem estar ligados ao movimento terrorista.

Lyra Tavares veio a S. Paulo e viu
estragos que bomba fez no quartel

Para a visita do ministro do Exercito, general Aurelio de Lyra Tavares, ontem, no QG do II Exercito ─ inesperada e cercada de sigilo ─ foram adotadas medidas extraordinárias de segurança: o quartel foi interditado e proibida a entrada da imprensa e civis. A unica exceção foi para o ministro Gama e Silva, que chegou no fim do almoço, só para cumprimentar o general Lyra Tavares.

O ministro do Exercito desembarcou do helicoptero prefixo BH-1D, do Serviço de Buscas e Salvamento da FAB, às 11h30, vistoriou o local da explosão e os estragos do quartel, almoçou e foi embora às 15 horas.

Foi recebido com honras militares, estando presentes todos os oficiais generais com comando em São Paulo, comandantes de unidades, o major-brigadeiro José Vaz da Silva, comandante da 4.a Zona Aerea, e o capitão-de-mar-e-guerra Joaquim Januario de Araujo Coutinho Netto, chefe do Estado-Maior do 6.o Distrito Naval, que representou o comandante vice-almirante Helio Ramos de Azevedo Leite.

DE IPM'S, NADA

Os militares não falam nada. O unico autorizado para fazê-lo, tenente-coronel Alaor Vaz, chefe do Serviço de Relações Publicas do II Exercito, limitando-se a dizer que os dois IPM'S ─ um para a apurar a explosão, que está a cargo do tenente-coronel Americo Ribeiro, e o outro para apurar o furto de armas no Hospital Geral do Exercito, em São Paulo, a cargo do major Sady ─ não apresentaram nenhum fato novo.

O comandante do II Exercito, general Manoel Rodrigues de Carvalho Lisboa, no dia do atentado, disse que possuia pista segura. Todavia, sob a alegação do sigilo do IPM, os oficiais não dizem nada sobre essa pista.

MISSA HOJE

A missa para o sargento Mario Kozel Filho, morto no dia 26, será realizada hoje, às 10 horas, na Catedral da Sé.

Folha de São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1968

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