quarta-feira, 11 de maio de 2016

26.06.1996 - Cassado registro de médico envolvido em tortura

   O SÃO PAULO                                    Brasil                         26 DE JUNHO DE 1996     9


Cassado registro de médico envolvido em tortura
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Samarone Lima

O Conselho Regional de Medicina (Cremesp) cassou, por 18 votos a 3, no último sábado, o registro do médico Pérsio José Ribeiro Carneiro, acusado pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) de ter ajudado indiretamente o esquema de torturas durante o regime militar. Em 17 de abril de 1971, Pérsio assinou um laudo de necrópsia de Joaquim Alencar Seixas, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes, confirmando uma versão do regime militar de que a morte tinha acontecido em um tiroteio.

Segundo levantamentos da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, Seixas foi morto após brutais sessões de tortura na Oban (Operação Bandeirantes). No dia 17, quando foi anunciada a morte do militante, ele estava sofrendo torturas ao lado do filho Ivan Seixas, que tinha 16 anos. Ao fazer o laudo, Pérsio descreveu com detalhes as violências no corpo de Joaquim, mas registrou que não tinha havido tortura. A decisão do Cremesp vai para o Conselho Federal de Medicina, que poderá confirmar ou vetar a cassação. Até lá, Pérsio, que é ginecologista, pode continuar exercendo a profissão.

Passados 25 anos, o julgamento reuniu representantes do GTNM, Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, além do próprio filho de Joaquim, Ivan Seixas, que acompanhou todo o processo. "Me sinto aliviado. É a primeira vez na América Latina que um médico envolvido em torturas é condenado. Isso desmascara as versões policiais que acobertavam torturas", frisou Ivan. Ele destacou, também, a importância didática da punição. "Massacres dos sem-terra em Corumbiara têm raiz na impunidade", lembrou.

INFLUÊNCIA

Cecília Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, comemorou a cassação do médico e lembrou que isso poderá servir de exemplo para outros julgamentos. O Cremesp tem 22 médicos sendo processados. No Rio de Janeiro, outros 15 médicos respondem processo também por terem colaborado de alguma forma com o esquema de tortura nos porões do regime militar.

"Esse resultado pode influenciar outros julgamentos. No Rio de Janeiro, nenhum médico foi ainda julgado", observa Cecília. Desde 1991, o GTNM-RJ tenta conseguir o julgamento dos médicos-legistas que deram suporte ao regime militar, mas só agora surgiu o primeiro resultado concreto.

Pérsio saiu do Cremesp escoltado por familiares e não quis falar com a imprensa. Seu advogado, Carlos Ricardo Milen, prometeu que vai recorrer da decisão. Ele vai esperar apenas pelo julgamento do Conselho Federal para decidir os próximos passos. Millen disse que o julgamento foi um "escárnio político" e não descartou a hipótese de recorrer à Justiça Comum.

"Como médico-legista, o Pérsio fez o que deveria ser feito", comentou o advogado. Ele disse que as marcas da violência no corpo de Joaquim Seixas poderiam ter várias fontes. "E se o corpo foi atropelado? E se houve uma fuga? E se houve uma queda da escada?", perguntou.

O presidente do Cremesp, Pedro Henrique Silveira, disse que o Conselho de Ética analisou exaustivamente os documentos, antes de chegar à decisão. Por unanimidade, os conselheiros entenderam que o médico fugiu a oito artigos do Código de Ética. "Antes da questão técnica, há o compromisso ético com a sociedade", observou. Pedro Silveira disse também não haver a menor dúvida de que houve torturas antes da execução.

Jornal O São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 1996

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