terça-feira, 17 de maio de 2016

04.03.1986 - Polícia exuma o corpo de Alfredo Buzaid Júnior

CENSURA
Tesoura maldita

Polícia exuma o corpo de Alfredo Buzaid Júnior

É um velho conselho de mãe: não brinque com a tesoura. Alguém poderia tê-lo lembrado no dia 29 de maio de 1974 ao ministro da Justiça, Armando Falcão, todo-poderoso chefe da censura à imprensa. Esquecido da proverbial recomendação materna, o ministro, que tesourava a imprensa com uma proibição a cada dois dias, ordenou: "Fica terminantemente proibida a divulgação, através dos meios de comunicação social, de notícias, comentários, transcrições e referências sobre o caso Ana Lídia".

Ana Lídia Braga fora uma menina de 7 anos. Em 1973, seu corpo violentado e mutilado foi descoberto num matagal de Brasília. Seus assassinos jamais foram achados, mas a maledicência da capital atribuiu o crime a um grupo de jovens bagunceiros, um dos quais seria Alfredo Buzaid Júnior, filho do professor de Direito Alfredo Buzaid, antecessor de Falcão no Ministério da Justiça e no comando da Censura.

O caso morreria na maledicência das noites de Brasília se não aparecessem dois personagens: Falcão, por cima, e o traficante de tóxicos Raimundo Lacerda Duque, por baixo. Duque disse à polícia que soubera do envolvimento de "Buzaidinho", como era conhecido o filho do ex-ministro, e, semanas depois, renegou sua palavra. Falcão, em vez de apurar a denúncia de tortura, passou a tesoura no caso.

Ninguém jamais apresentou uma prova, ainda que tênue, de que o filho do ex-ministro participara do crime da menina. A única indicação de que nesse caso podia estar envolvido algum mandarim da República era a nota de Falcão, pois esse foi o único caso de homicídio sem conotação política que o ministro condenou ao silêncio.

MONTAGEM INVEROSSÍMIL ─ Um ano depois da nota de Falcão, o Passat de Alfredo Buzaid Júnior bateu na amurada de uma ponte em Jaguariaíva, no interior do Paraná. Nele, havia três jovens que voltavam de uma corrida de automóveis. Dois feriram-se e um morreu no hospital. Segundo os dois sobreviventes, um dos quais fraturou o crânio, o morto era Alfredo Buzaid Júnior. Segundo o legista Carlos Beltrami, que assinou o atestado de óbito, eles dizem a verdade. "Eu jamais te-ria liberado o corpo se houvesse qualquer suspeita em tomo do caso", diz Beltrami. A suspeita, logo que se falou no acidente, era cruel: o corpo do Passat não seria de Buzaidinho, mas de outra pessoa, de forma a permitir que seu pai o mandasse viver no exterior, longe das investigações do caso Ana Lídia.

À parte a dificuldade para se convencer os dois amigos do filho do ex-ministro a se meterem num acidente no qual se machucaram bastante, a montagem ainda hoje parece inverossímil. "Eu fui ao velório do rapaz. Ele estava em caixão aberto. Vi Buzaidinho morto", diz o desembargador paulista Kazuo Watanabe.

Apesar de inúmeros testemunhos, a polícia de Brasília decidiu exumar o corpo de Buzaidinho em São Paulo. Numa primeira visita, tiraram do jazigo da família o esqueleto errado, levando os ossos do pai do ex-ministro da Justiça. Na sexta-feira 23, exumou-se Buzaidinho, cujo caixão fora violado. No crânio acharam-se apenas dois dentes e presume-se que os demais foram levados pelos ladrões de ouro que infestam os cemitérios paulistas. O legista paulista José Antonio de Mello espera apenas uma ordem da polícia da capital para começar o trabalho de identificação da ossada. Poderá suprir a falta dos dentes pela comparação de radiografias ou até mesmo por dados biométricos. "O caso será esclarecido", garante.

Buzaid, que como ministro censurou a imprensa, cerceou investigações de homicídios políticos e emitiu proibições tolas, jamais impediu que se noticiasse o caso da menina Ana Lídia. Hoje, freqüentemente escreve a jornais e revistas reiterando a improcedência das suspeitas sobre seu filho. Aos 73 anos, luta para se livrar do que pode ser uma maledicência. Afinal, não há provas de que seu filho esteve metido no crime e muito menos de que esteja vivo. Uma pergunta, porém, sobrevive: por que seu sucessor, podendo agir no sentido de se esclarecer o caso, valeu-se da tesoura para evitar que se falasse dele? • 

Revista Veja, quarta-feira, 4 de junho, 1986

5 comentários:

  1. será que um cara de 20 e poucos anos tinha tantos dentes de ouro para que fossem arrancados? DUVIDO!! exumem outra vez e façam teste de DNA!!

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  2. A verdade tinha que vir a tona. Mas infelizmente não virá

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  3. Gente todas as vezes q houver um crime q envolva filhos de ministros desembargadores ou outras pessoas grandes nunca será esclarecido esses homens que usaram a caneta pra livrar quero ver eles usarem a caneta no juízo final desse juíz ninguém escapa olha q nesse caso a vitima uma criança de 7 anos isso é revoltante

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  4. Pq os militares censuraram os crimes cometidos na epoca, se eram os donos da moral, deveriam deixar q a verdade aparecesse, escondendo os fatos é facil ser moralista

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