sábado, 14 de maio de 2016

19.09.1973 - Morte no cerrado

Ana Lídia: o trágico fim a que Luis Patricio conseguiu escapar

SEQÜESTRO


Morte no cerrado

A primeira pista foi uma caixa de lápis de cor perdida às margens do lago de Brasília, perto do grupamento de fuzileiros navais. Mais adiante, um fio de cabelos loiros emaranhado num galho de árvore. E, finalmente, entre os cerrados próximos ao late Clube, o corpo de Ana Lídia Braga, semi-enterrado na lama, despido, com arranhões na barriga e nas pernas, o cabelo cortado rente e marcas de estrangulamento e estupro. Vinte e três horas antes, dona Eloísa Rossi Braga, funcionária do Dasp, deixara a filha, de 7 anos, à porta do Colégio Madre Carmen Salles, para assistir a uma aula de recuperação de matemática. Despreocupada, nem prestou atenção no homem aloirado, de meia altura, sentado no meio-fio defronte à escola. Quando a mãe se retirou, o homem aproximou-se da garota, trocou algumas palavras e saiu com ela pela mão. O jardineiro do colégio ainda o viu interceptar um táxi vermelho no meio da rua e desaparecer em direção à universidade. O primeiro seqüestro ocorrido em Brasília, terça-feira da semana passada, mobilizaria a população inteira da cidade, inicialmente para a procura da menina — encontrada afinal pelo patrulheiro Antônio Morais — e, mais tarde, numa febril caçada ao assassino. A suspeita, recaindo sobre todos os loiros da cidade, acabou por criar problemas a um amigo da família, que, identificado no sepultamento, teve uma multidão em seu encalço e só escapou do linchamento com a intervenção da polícia, perante a qual esclareceu onde esteve e tudo quanto fizera no dia do crime.

Por enquanto as investigações se centralizam entre os fichados como maníacos sexuais: todos eles foram detidos e interrogados na Delegacia de Homicídios. Mas até sábado, enquanto a policia não encontrara sequer a roupa com que Ana Lídia estava vestida e o motorista do táxi ainda não se apresentara, nenhuma informação esclarecedora havia sido fornecida. Mesmo porque, como aconteceria em Olinda, PE, no segundo seqüestro da semana, o criminoso poderia ser alguém sem antecedentes criminais.

Resgate em jornal velho — Em Olinda, com efeito, a inexperiência de Paulo Gomes de Queiroz, um motorista desempregado, embora pudesse colocá-lo à distancia de qualquer lista de suspeitos, acabou por fazê-lo fracassar na tentativa de extorquir dinheiro de um dono de pequeno armazém. Na manhã de quarta-feira, logo depois de levar Luís Patrício Ribeiro Filho, 12 anos, Queiroz mandou ao pai do menino um bilhete escrito em português rudimentar: "Senhores pais da criança, se querem seu filho vivo, tratem de arrumar 5 000 cruzeiros, dou-lhes o prazo até as 18 horas de hoje, não chamar a polícia nem prestar declarações ao repórter". Marcava como local para pagamento do resgate um dos pontos mais centrais da vizinha cidade do Recife, a rua do Imperador.

O pai chamou a polícia e mais tarde explicava: "Não consegui reunir o dinheiro". Por isso, na hora marcada, quando Queiroz chegou, calmo e em mangas de camisa, Luís Patrício Ribeiro lhe entregou um pacote de jornais velhos. Cercado por policiais, o seqüestrador acabou confessando onde deixara o menino. Satisfeito, o delegado Moacir Saltes aproveitou a oportunidade para declarar à imprensa: "Enquanto no Rio de Janeiro a polícia está há quarenta dias sem desvendar um seqüestro, nós aqui em Pernambuco resolvemos tudo em apenas 8 horas".

Em verdade, talvez as dificuldades da polícia carioca em encontrar o menino Carlos Ramires Costa sejam iguais às facilidades de sua congênere pernambucana. Mas, se as investigações do caso tivessem desde o início primado pela seriedade, seriam mais remotas as perspectivas atuais de um epílogo tão triste quanto o de Brasília.

Revista Veja, quarta-feira, 19 de setembro de 1973

Um comentário:

  1. Não acharia que iria achar esta reportagem! lamentável o que ouve com Ana!

    ResponderExcluir