segunda-feira, 16 de maio de 2016

13.10.1968 - Polícia achou fácil demais


Polícia achou fácil demais

A prisão dos estudantes surpreendeu até á propria Policia, pela facilidade com que ocorreu. Um tiroteio para o ar durante dois minutos e todos eles saíram em fila, de braços para cima sem o menor gesto de resistência.

Mas para chegar até lá, onde estavam os universitarios, foi um drama cheio de sustos, nervosismo, disparos inuteis, escorregões, correrias, quedas, blasfemias. A garoa aumentava á medida que a tropa avançava. As casas humildes ─ palhoças de sapé e pau-a-pique ─ eram revistadas sumariamente. Porcos e galinhas saiam correndo pela porta da cozinha. Mulheres paupérrimas seguravam filhos tristes até no sorriso pela novidade incomum dos muitos soldados.

Um relincho inesperado de alguns cavalos em correria assusta um grupo de milicianos. Eles caminham quase unicamente pelo vale entre montanhas cobertas de matas.

─ Onde estarão "esses meninos"?

Os primeiros

Quando as viaturas já haviam percorrido 15 quilometros de uma pessima estrada de terra batida, foram obrigadas a parar no alto de uma colina. O caminho tornara-se intransitavel: as rodas patinavam sobre a lama vermelha, os carros dançavam de um lado para outro e os veículos corriam o risco de atolar irremediavelmente.

Foi aí que se deu o primeiro encontro com estudantes: três jovens tentavam desesperadamente conduzir um caminhão Ford F-350 ladeira acima, antes de uma curva. Ao conseguirem, estão justamente 50 metros á frente dos soldados. Saem correndo do veículo, tentando fugir, escorregando e parando de encontro a um barranco. Só um tem documento: é estudante. Outro nega nervosamente que seja universitario.

─ Sou só motorista. Estou trabalhando. Não estudo. Até que sou um "cara burro".

Enquanto são revistados, os moços ficam mudos. Ao ser apalpado na cintura, o mais alto se esquiva e leva uma coronhada. O soldado, vendo o reporter, explica: "Ele quis me matar. Tem uma arma carregada. E olhe aqui, é uma Lugger, calibre de 7 mm". Mas os dois outros, desarmados, levam também igual pancada. Foi a unica violencia em toda a operação.

A descida

Em grupos de 10 ou mais, os soldados começam a descer a ladeira escorregadia. Há desequilíbrios ridículos e repentinos. O nervosismo aumenta. Quase todos olham mais para as matas vizinhas do que para o chão e a caminhada se torna mais arriscada. E sempre mais lama, garoa e poças d'água. Gritos são o expediente para demonstrar despreocupação. Alguns apontam para um ponto de colorido diferente nas arvores e dizem:

─ Lá está um deles. Atiro?

Mas não é senão um cupim.

E prossegue a marcha deslizante e ruidosa. Subidas e descidas vão cansando a tropa. E nenhum estudante mais. Um guarda-florestal que lembra o "Caipira picando fumo", de Almeira Jr., avisa:

─ Eles foram por aqui. São mil e tantos. E tem mulé junto.

A subida

Depois, uma longa subida. Os escorregões são mais violentos e irritantes. Os soldados, simulando uma nova tatica, caminham então por uma encosta de pastagens mais firme, dentro de um eucaliptal.

Vistas de longe, as folhagens secas de inhame e angelica se assemelham a um grupo de pessoas deitadas. Nasce um rebuliço: "Quem vai lá? E' a meninada, pessoal. Vamos todos". A aproximação mostra a realidade.

─ Graças a Deus ─ exclama um miliciano franzino.

E a subida aumenta e cansa mais. Já quase 5 quilometros de caminhada extenuante. Arvores maiores adensam a mata, cortada por uma picada precária.

Por fim o topo da colina, atingido por 30 homens. De lá de cima, vê-se um pequeno vale em bacia. Gritos espocam repentinamente. Para quem vem mais atrás, o tiroteio assusta:

─ Começou a guerra, pessoal. Hoje é pra valer. Isso devia ser tarefa do Exercito.

Mas são tiros dados para o ar. Lá embaixo ─ o acampamento da UNE.

Fácil, fácil

São 6 e 32 da manhã. Uma multidão impressionante de jovens vai saindo em fila, mãos na nuca ou para o alto, sem qualquer resistencia, escorregando no lamaçal. Muitos estão acordando de uma noite dormida sobre um chão umido e numa atmosfera enregelante. Olhos vermelhos, a cara de susto de quem acorda pelo ruido violento, as barbas crescidas, a roupa suja, os cabelos desgrenhados tornam a aparencia dos jovens entristecedora.

Uns poucos soldados tentam insultar aos gritos os moços e as moças, mas são detidos pelo comandante: "O unico que pode gritar aqui sou eu. E calem a boca". A fila cresce em poucos minutos.

─ Que caçada, comentam os policiais.

Foto: Alfredo Rizzutti
A longa fila de presos segue pelo mato, vigiada pelos policiais

E agora, todos os líderes estão presos

E agora? Estão todos presos: Vladimir Palmeira, ex-presidente da extinta UME; Luís Travassos, ex-presidente da extinta UNE; José Dirceu, ex-presidente da extinta UEE de São Paulo; Edson Soares e Mata Machado, ex-vice-presidentes da UNE; Antonio Ribas, presidente da UPES; Franklin Martins, novo presidente da UME, e todos os outros líderes estudantis do País inteiro.

E agora? O movimento estudantil acabará? A Polícia acha que sim, "pelo menos, por um bom tempo". Os estudantes têm outra opinião: "a luta será mais acirrada ainda". E já prometem manifestações nacionais para a semana que vem, "com mais violência do que antes". Será o protesto contra a repressão da Polícia, "a prisão dos líderes".

Para hoje, informa-se que haverá uma assembléia universitária no Conjunto Residencial da Cidade Universitária.

Ainda restam alguns líderes soltos: Jean Marc Van Der Weig, da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, condenado a dois anos de prisão, por destruir viatura oficial no Rio, tido como a ala mais radical, continua livre. Ele não compareceu ao Congresso em Ibiuna.

E a UNE?

Agora, a extinta UNE está sem direção nem presidente. Não houve tempo para sua escolha, a Polícia chegou antes. O mandato de Luís Travassos e dos outros diretores terminou na prisão.

José Dirceu, que até antes do Congresso era apontado como um dos mais prováveis para a presidência da entidade ilegal, acha que uma das soluções será a "coordenação nacional de unidade".

Essa saída, segundo Dirceu, poderá ser a salvação da ex-UNE, "acabando com as divergências políticas, unindo todos os estudantes".

Era essa sua opinião dentro da perua do DOPS, isolado dos companheiros, por ordem do delegado Boncristiano.

Mas, o que possa achar agora pouco valerá. Alguns companheiros seus, ainda ontem, durante a marcha para a prisão, comentavam que Dirceu "não é mais um líeder prêso, é um ex-líder preso".

Seu prestígio já tinha caído bastante antes mesmo da prisão, por causa do congresso que êle próprio preparou com a sua comissão de segurança.

Radicais venceriam

Para alguns observadores do congresso da extinta UNE, quem ganharia as eleições dessa vez seria a ala mais radical do movimento estudantil.

"Todo mundo criticava José Dirceu por sua falta de visão" ─ comentavam.

José Dirceu teve sempre fama de "bom organizador". Desta vez, as reclamações começavam já a caminho do lugar escolhido para o congresso.

─ Falta de confôrto, falta de condições mínimas para um Congresso assim, falta de segurança.

Os trabalhos preliminares do Congresso começaram na quinta-feira, sob pressão. Ninguém queria mais ficar esperando a chegada de outros companheiros naquele local: frio, distante, de precárias condições de higiene. Até sexta-feira à noite, ficaram discutindo formas de encaminhamento das bancadas. Em tôdas essas discussões, quem vencia sempre, com boa margem de votos, era o grupo de Luís Travassos, da ala radical, que deveria apoiar o nome de Jean Marc Van Der Weig.

E, agora, com tôda falha da sua segurança, muitos colegas acham que Dirceu "é carta fora do baralho".

Diferentes as reações

Os líderes são todos diferentes. Enquanto um sorri, outro está apatico ou espantado. Um não esboça a menor resistencia á prisão; o outro corre e tenta subir a encosta de densa mata, perdendo-se da vista dos policiais.

José Dirceu dá um sorriso de mil significados ao ouvir a voz dura do soldado: "Te peguei, heim, filhinho? Acabou tua carreira". Para o reporter, ele fala de braços erguidos ─ quase numa imitação do Antonio Conselheiro ─ sorrindo sempre: "O congresso foi até certo ponto uma vitoria. E, diante da repressão, só podemos concluir que o regime está endurecendo mais. A UNE somos nós".

Vladimir Palmeira não é conhecido por policiais e, por isso, não é separado da fila. Investigadores pedem aos jornalistas para ajudar a identificar o lider carioca. Embora ele esteja a 10 metros e tenha dito, sublinhando cada palavra:

"Nunca poderia supor fôssemos cair assim, de modo tão vexatório. Mas a classe estudantil falará por nós e repudiará..." Não termina a frase porque o agente volta examinando um por um, olhar fixo. E passa outra vez por ele, sem o reconhecer.

Silêncio

Travassos, depois de recapturado, está com a fiisonomia conturbada.

Responde com um silencio inarredavel a todas as perguntas. E põe um desprezo maior no olhar. Assim irá até o fim. O congresso poderia ter significado mais uma vitoria de sua liderança ─ como parecia que iria ser.

Sua barba, seus dentes, são testemunho de auto-abandono. Agora, a tristeza lhe dá um ar mais patetico.

Outros líderes

Há lideres de varios graus. Uns lideram meio-País. Outros uma provinciazinha. Uns falam a linguagem que tem eco amplo. Mas agora, em fila, silenciosos ─ há um nivelamento tragico. As mensagens ficam mudas, morrem no pensamento. As "palavras-de-ordem" são balbuciadas quase imperceptivelmente, com os dentes cerrados: "Abaixo..."

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O Estado de São Paulo, domingo, 13 de outubro de 1968

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