quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

01.05.1890 - A "Giraldinha"


A "Giraldinha"
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O artista que aos 23 annos conseguiu ter a sua reputação firmada por obras que merecem a attenção de toda a gente, pode julgar-se possuidor de um talento excepcional; deixa mesmo de ser um talentoso para se elevar á proeminencia de um genio, pode se dizer que tem o fogo sagrado a animal-o no caminho para o Capitolio.

Ser-se celebre aos 23 annos não é por ahi uma brincadeira; é um caso muito sério, e que está mesmo a pedir biographia acompanhada ao som de adjectivos de certo peso... e valor, que são, por assim dizer, os foguetes de lagrimas da celebridade.

Está n'este caso a Giraldinha, que conta apenas 23 primaveras e já tem proezas de tal finura a attestar-lhe o talento, que não temos remedio senão caixa nova de adjectivos para lhe depormos respeitosamente no seu pedestal de celebridade; porque a Giraldinha, meus senhores, não é qualquer vulgarona, é uma gatuna de primeirissima agua, deante da qual fica eclipsada toda a moderna geração de gatunos, que tem de se curvar humildemente a seus pés.

Giraldinha, uma larapia de pulso e... sobretudo de muito olho, é o terror das algibeiras de cada um; a policia não consegue deitar-lhe os tentaculos antes de queimar o ultimo cartucho; e por vezes a mesma policia, com toda a argucia propria do seu mister deixa de voar, sem saber como, da gaiola que suppõe sufficiente-te segura, aquela ave, que mette n'um chinello a Cêpa, gatuna também de bons creditos, e todos os collegas de calças.

Em Portugal, pode dizer-se, a gatunice não se amolda lá muito bem ao sexo fragil, o que não quer dizer que não esperemos com bem fundadas razões que essa arte venha a ser um dia cultivada pela mulher; pois do progresso tudo ha a esperar e nada nos deve surprehender.

Lá fora, na França, na Inglaterra, na Italia, nos Estados-Unidos, na Hespanha e no Brazil, mesmo, a mulher cultiva a arte de roubar com uma distincção pasmosa, com um entrain que nos deixa embasbacados; ─até dá gosto ficar sem a bolsa ou sem o relogio quando a empalmação nos é feita tão gentil e galantemente como ellas sabem.

Portugal, como tem um poucochinho de tudo ─ e bom, ─ não podia de modo algum ficar em casa no artigo gatuna; ahi está a Giraldinha que não nos deixa ficar mal ao lado das outras nações.

Ora como esta senhora se tornou tão celebre como gatuna, que caminha a passos de gigante para a posteridade, não nos pareceu mau dar o seu retrato aos leitores da Tarde; e cremos que assim lhes prestaremos, modestia á parte, um relevante serviço sob todos os pontos de vista.

Conhecer o retrato d'esta verdadeira heroina, tem, quanto a nós, a dupla vantagem de satisfazermos uma curiosidade, aliás muito justificavel, ─ visto que todos desejam conhecer as celebridades, principalmente o seu paiz, ─ e de nos pôr de alcateia e de pedra no sapato, quando porventura nos toque a vez de sermos os escolhidos por Giraldinha, para o seu campo de manobras.

A fim de colhermos todos os dados que por alguma fórma podessem interessar, acerca da vida da Giraldinha, fomos pessoalmente visital a ao Aljube, onde ella, d'esta vez, está... cremos que bem segura, para responder em face da justiça pelas suas ultimas proezas.

Para conseguirmos esta interessantissima entrevista dirigimo nos ao illustre director da cadeia, sr. general Almeida, que nos recebeu com aquella amabilidade que o distingue como cavalheiro primoroso que é.

S. ex.ª, quando lhe expuzemos o fim de nossa visita, concedeu-nos immediatamente a entrevista pedida, mas... desde logo nos deu as mais desanimadoras esperanças ácerca do exito que iamos colher.

Não desanimámos, confiados em que a nossa loquella poderia demover a Giraldinha a contar-nos todos os pormenores da sua vida alegra.

Chegados ao Aljube, pudémos conseguir, ─ graças ainda ao caracter extremamente amavel e obsequioso do porteiro e do secretario, sr. Oliveira, ─ que a Giraldinha viesse á secretaria; isto depois de lhe havermos exposto, a uma especie de locutorio que ali ha, qual o motivo que lá nos levava; e d'ella nos ter declarado nos termos mais laconicos que... tinhamos perdido o nosso precioso tempo.

Giraldinha veiu á secretaria e começou logo por dizer, mesmo em presença do sr. Oliveira, que assistiu a toda a entrevista:

─ Eu é que não estou para fazer mais partidas! porque se estivesse não me apanhavam cá!

Em vista da attitude da Giraldonha, começámos a empregar os nossos recursos, acalmando a com algumas palavras lisongeiras; demonstramos lhe que não iamos arrancar-lhe confissões para lhe formularmos um libello, mas simplesmente, pedir-lhe que nos contasse alguns episodios da sua vida para lhe acompanharmos o retrato, etc.

Quando a Giraldinha soube que iamos publicar lhe o retrato sorriu, como que lisongeada, e tomou uma atitude mais condescendente, mas sempre retrahindo se a fornecer-nos quaesquer notas que nos pudessem servir.

Ponderámos-lhe que se ella nos recusasse esses apontamentos, não nos seria difficil obtel-os, pelas declarações que se acham nos registros de policia.

A Giraldinha então riu-se maliciosamente e disse que todas as declaralções prestadas por ella na policia, eram meramente da sua invenção.

─ Então não se chama Maria Rosa? perguntámos. Não é filha de José Telles Vicente Novellas e de Maria dos Ramos, não é natural de Faia, concelho da Guarda?

─ Isso foi o que eu declarei á policia, mas não digo a verdade a ninguem.

─ E só agora é que mudou o nome?

─ Mudei-o quando vim da minha terra, ha proximadamente 6 annos.

─ Quando veiu para Lisboa foi para servir em alguma casa?

─ Não, senhor; fugi para a companhia d'um rapaz de quem gostava e por causa de quem meu pae me dava maus tratos. Quando cheguei prenderam me e estive no Aljube 8 dias, ao fim dos quaes me mandaram embora.

─ E quantas vezes tem estado presa?

─ Só d'essa vez e agora, por causa d'aquella velhaca da Francisca; mas ella, quando eu responder, ha-de regalar-se tambem, de sentar se no banquinho dos réus!

─ E quem é essa Francisca?

─ E' uma bagateira que mora em Belem; por causa d'umas bebidas que ella deu a um fragateiro, lá está o pobre homem doido!

─ Mas, o que mais nos interessa é a historia do tal rapaz que a desenquietou; como se chama elle?

─ Isso é que eu não digo por caso nenhum.

─ Basta! ... então a primeira lettra do seu nome.

─ Ponha lá um D...

─ Está dito; e em que se emprega elle?

─ E' padeiro, estabelecido.

─ E quando foi presa ainda estava com esse rapaz?

─ Não, senhor; ha trez annos que nos separámos, porque elle estava para casar com outra.

─ E durante o tempo que esteve na companhia d'elle, em que se empregava?

No serviço de casa; eu não precisava de trabalhar fora.

─ E onde morou durante esse tempo?

─ A's Portas de Santo Antão, por cima da casa onde morava a mãe do chefe Ferreira.

Mais tarde estivemos uma temporada da terra d ella, que é Alcorovim, proximo de Aveiro.

─ E depois que se desligou d'ella o que fez?

─ Depois fui morar sosinha para a Casa Branca, onde me empregava a lavar roupa.

A Giraldinha contou mais que a tal Francisca lhe apanhara muito dinheiro por varias vezes, a fim de fazer com que o D... voltasse para a sua companhia; que da ultima vez lhe exigira 7 libras, e que o roubo da pulseira havia sido combinado entre ambas.

Diz mais que são inexactas as noticias que os jornaes deram a seu respeito e queixa-se principalmente do Seculo.

Giraldinha é como se sabe a ultima palavra da velhacaria, o que nos faz supor que toda, ou grande parte d'esta historia seja falsa; mesmo porque ella cahiu em contradicções flagrantes; diz e desdiz com a mesma semcerimonia com que nos pode metter a mão no bolso e empalmar-nos o lenço.

Declarou ella que se dá muito bem com as demais reclusas; e que quando sahir d'ali tenciona ir para a sua terra natal.

A Giraldinha é de estatura mediana; tez um pouco afogueada, olhos e cabellos castanhos escuros.

A sua physionomia não é antipathica; ha mesmo no seu olhar uma certa vivacidade que denota um espirito vulgar.

Falla accentuadamente ao uso das provincias do norte, mas com certo desembaraço.

Traja uma saia de chita côr de grão com uns ramos mais escuros, chale côr de rato e um lenço amarello na cabeça.
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A Giraldinha tem na sua vida de gatuna uma nota extremamente comica e que define bem o seu instincto ardiloso.

Quando na travessa dos Romulares foi assassinado o Custodio e a policia andava preocupada para saber o paradeiro do assassino, que como se sabe, se evadira, a Giraldinha tinha cahido nas armas da policia e estava detida n'uma das esquadras.

A Giraldinha disse então a um policia que sabia onde parava o assassino e que se quizessem acompanhal-a a certo sitio, ella indicaria o fugitivo.

Como o crime d'este era de summa importancia, o policia viu na Giraldinha um verdadeiro achado e não hesitou em acompanhal-a.

Chegados ao sitio designado, a Giraldinha mandou esperar o policia dizendo-lhe que era para não fazer desconfiar o fugitivo.

O policia cahiu em esperar e a Giraldinha sahiu por outra porta, que era a d'uma taberna onde ella até bebeu, segundo declarou depois, dois decilitros!

E a policia ficou a chuchar no dedo.
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A Giraldinha já figurou na revista do sr. Sousa Bastos, no celebre Tim Tim, antes das ultimas remodelações.

Era até, se bem nos lembra, a actriz Encarnação que fazia esse papel.

Perguntamos-lhe d'onde lhe provinha o apodo de Giraldinha; ella respondeu-nos que quando alguem lhe perguntava d'onde vinha, respondia invariavelmente:

─ Da giraldinha.

Leitores: ─ cuidado com ella! Ahi fica o retrato e os signaes caracteristicos.

Agora deixem-se roubar...
Santonillo.
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Foi revogado o decreto de 8 de agosto de 1889, que mandava entregar provisoriamente ao ministerio do reino e edificio e cerca do convento de Santo Alberto, de Lisboa, para estabelecimento de dependencias do museu nacional de bellas artes e archeologia.
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Recordamos á elite
Das senhoras elegantes
(Recordar nunca mal fez)
Que ha sempre bijous galantes
Baratinhos, d'apetite,
Na rua Aurea 103
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CAFÉ PORTUGUEZ
43 ─ RUA IVENS ─ 43
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Lisboa, 1 de maio de 1890
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MENU
SOPA
Julienne
FRITURAS
Coquilhas de camarão au soufflé
PEIXE
Pargo assado á portuguesa
ENTRADAS
Escalopes de vitella á italiana
ASSADO
Borracho au natural
LEGUMES
Favas á hespanhola
─────
Doce─Queijo─Fructas─Café
Meia garrafa de Collares ou Termo--Uma
taça de Champagne.
Das 5 ás 8 da tarde──Preço 800 réis
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D. E. Gouveia e Silva
MAIS UMA SORTE GRANDE
Vendidos n'esta casa, abertos em cautelas na loteria de 29 de abril ultimo:
N.º 2630 . . . . . . . . . . . 14:400$000
Proxima portugueza a 8 de maio
9:000$000
Bilhetes a 5$300, meios a 2$650, quartos a 1$320, quintos a 1$060, oitavos a 660, e cautelas de todos os preços.
Proxima de Hespanha a 10.
1.º premio 45:000$000
Segundo 22:500$000 ─ Terceiro 10:800$000
─Quarto 4:500$000
Bilhetes 22$000, meios 11$000, quintos 4$400, decimos 2$200, e fracções de todos os preços. Dezenas de 600 e 1$200 réis.
84 ─ Travessa da Assumpção ─ 86

A Tarde, Lisboa, quinta-feira, 1 de maio de 1890

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