quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

24.06.1964 - PRÊSO EM NOME DA DEMOCRACIA O PRACINHA QUE LUTOU POR ELA


Herói-menino da FEB perdeu um ôlho pela liberdade

PRÊSO EM NOME DA DEMOCRACIA O PRACINHA QUE LUTOU POR ELA

Reportagem de JOÃO SERRA ─ Fotos de INÁCIO FERREIRA

O EX-PRACINHA JOSÉ MENDES SÁ RORIZ, cearense que deixou a cidade do Crato com 15 anos para incorporar-se à FEB como o mais jovem de seus voluntários, está prêso há vários dias no I Batalhão de Polícia do Exército, onde o internaram em nome da democracia pela qual, na Itália, êle perdeu o ôlho direito e sofreu deformação no rosto, na crença de que jamais a liberdade seria golpeada pela força.

Com sua bravura de menino, Sá Roriz quase perdeu a vida no campo de batalha, mas ganhou a Medalha de Campanha, a Medalha de Sangue, a Cruz de Combate de Segunda Classe e condecorações dos Governos da Itália e da França. De seu próprio País ganhou uma reforma como sargento e, agora, a prisão que mantém em lágrimas a espôsa e os quatro filhos, sempre a perguntar à mãe: ─ Papai está bem? Quando volta? Será que não fizeram nada com êle?
Semimorto
Sá Roriz foi um dos muitos môços que se dispuseram a enfrentar o fascismo como voluntário quando muitos dos que estavam obrigados a isso, por dever cívico, relutavam em fazê-lo. Para dar sua contribuição à derrota do fascismo da época, êle fêz verdadeira peregrinação, pois do Crato foi a Petrolina, em Pernambuco, dali rumou para Salvador e, finalmente, alcançou o Rio, de onde seguiria para a Itália.

No campo de batalha, destacou-se por sua audácia e coragem, até que foi encontrado semimorto. Do estado em que se encontrava dá conta o médico Edgardo Moutinho dos Reis em seu livro "Hospital 32", em que relata que dois brasileiros ─ Sá Roriz e Bonifácio Cruz ─ foram internados com ferimentos provocados por minas. Conta o médico: "Estiveram duas horas na sala de choque, recebendo curativos e socorros urgentes. Depois, ficou assentado serem evacuados para Pistóia. Confrangimos o peito... As faces deformadas!... Quadro doloroso! Oh, destino cruel!... Ímpio!..."

Sá Roriz resistiu aos ferimentos, mas perdeu o ôlho direito. A face esquerda ficou deformada, porém, êle conseguiu recompô-la após tratamento especial em hospitais dos Estados Unidos. Pouco depois de seu retôrno ao Brasil, casou-se com D. Eutenitza Licarião Roriz, que lhe deu quatro filhos: Sueli, de 14 anos; Luisa, de 13, Eduardo, de dez, e Valdenice, de cinco.
20 Anos Depois
Agora, vinte anos após lutar pela liberdade na Itália, Sá Roriz foi prêso no Brasil a acusação de participar da "subversão" com o ex-Deputado Antônio Garcia Filho, sargento como êle. Procuraram-no em casa até debaixo da cama ─ o lugar onde a inteligência policial acha que todo fugitivo se esconde ─ e usavam de vários recursos para detê-lo. D. Eutenitza conta:

─ Como as buscas não tiveram êxito, suspenderam os seus vencimentos. Fui às autoridades e dise-lhes que meus filhos não tinham culpa de nada e estávamos passando privações. Disse que êle não estava escondido, mas a resposta foi a prisão do meu cunhado, Geraldo Mendes, que só foi libertado após a prisão de José. Fiquei preocupada, chorei. Chegaram a me ameaçar se José não se apresentasse levariam prêsa até uma de minhas filhas.

Revela D. Eutenitsa que até hoje as crianças estão traumatizadas, tantas foram as invasões de seu lar, definido na Constituição como "o asilo inviolável do cidadão". Também a mãe de Sá Roriz, D. Levina Mendes de Sá Roriz, de 60 anos, ficou abalada com a prisão do filho.
Humilhação
D. Eutenitsa diz que não fez nenhum apêlo para a libertação do marido, porque não tem o que pedir: êle não cometeu crime algumas. Lemba apenas que o Presidente Castelo Branco é cearense e, como Sá Roriz, também lutou pela liberdade na Itália. Espera, apenas, que se faça justiça. Mas confessa:

─ Para mim será difícil apagar da memória de meus filhos cenas tão humilhantes como as que temos vivido. Minha mocinha, Sueli, está transtornada. O mesmo acontece com os demais. Depois, para que tantas medalhas, condecorações, sangue, luta?

Sá Roriz foi para a Itália aos 15 anos, como voluntário, para lutar pela democracia. Vinte anos depois, em sua pátria, prenderam-no em nome da mesma democracia.

D. Eutenitsa vive em lágrimas, como os filhos, desde a prisão do marido. E se pergunta por que êle deu um ôlho pela liberdade.

Última Hora, Rio de Janeiro, quarta-feira, 24 de junho de 1964
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