domingo, 14 de fevereiro de 2016

23.07.1975 - Polícia prende 6 suspeitos de autoria do boato


Polícia prende 6 suspeitos de autoria do boato

A Secretaria de Segurança Pública prendeu, ontem, seis suspeitos de participação no ato de terrorismo que deixou o recifense em pânico, quando foi boatado na cidade e nos subúrbios, ao mesmo tempo, que a barragem de Tapacurá havia estourado.

A falsa notícia surgiu às 10 horas, mas as autoridades do Exército, da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar conseguiram dominar a situação em menos de uma hora, desfazendo o boato através de comunicação com alto-falantes.
TERRORISMO
O Secretário de Segurança Pública, coronel Rui Ayres Lobo, disse ontem que a falsa notícia sobre a barragem foi ato de terroristas, uma vez que a ação se desencadeou em vários bairros, simultaneamente, com o propósito de levar o pânico à população.

─ A ação foi dirigida, mas, graças a Deus, o povo, as autoridades e a Imprensa estão unidos. Conseguimos neutralizar o boato em menos de uma hora e, com isso, acalmamos a população. Depois, iniciamos as investigações e prendemos os primeiros suspeitos. Apreendemos, também, vários carros que teriam sido utilizados pelos subversivos, inclusive o táxi placa TX-1667, que encontramos abandonado em Afogados e estava com ligação direta" ─ assegurou o coronel Rui Lobo.

E salientou: "Os terroristas sentiram que o Governo adotou todas as providências contra a enchente: evitamos saques, o governador liberou verbas para ajudar os flagelados, enfim, todas as medidas foram tomadas. Somente restava trazer o pânico. Eles tentaram, mas, graças a Deus, conseguimos contê-los, com a ajuda da Imprensa".

Disse ainda que os boateiros serão enquadrados no artigo 16, § 1.o da Lei de Segurança Nacional, que estipula: "Divulgar, por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas. Se a divulgação provocar perturbação da ordem pública ou expuser a perigo o bom nome, a autoridade, o crédito ou o prestígio do Brasil, pena de dois a cinco anos de detenção".

No táxi TX-1667 foi encontrado documento de identidade, mas a SSP não forneceu o nome para evitar que as investigações sejam prejudicadas.

Todos ouviam a notícia e
ninguém sabia sua origem

Em outra pesquisa de opinião pública, o povo abordado nas ruas, nas casas de lanches e no comércio afirmou ter tomado conhecimento da falsa notícia através de outras pessoas.

Muitos motoristas de táxis, alarmados com outras notícias de que os terroristas viajavam em carros de aluguel, se recusavam a fazer corridas, temendo a prisão como suspeitos.
REPERCUSSÃO
─ Eu soube que Tapacurá tinha rachado e corri para casa. Não acredito nos órgãos oficiais, porque só vieram avisar que ia haver cheia depois que a água invadiu a cidade ─ disse um comerciário, que se recusou a dar o nome.

Os camelôs chegaram a retirar todo o material já exposto à venda. Uma loja "chic" da Rua 7 de Setembro bateu todos os recordes de fechamento de portas. Em poucos segundos, encerrou o expediente, quem estava fora não entrava, e quem estava dentro não saía. As moças das caixas registradoras não acertavam mais os números e os administradores da loja procuravam manter a calma aparente.

O boato correu a cidade em mais de seis lugares, na mesma hora. Em Boa Viagem, soube-se de sua existência na mesma ocasião em que se sabia no Arruda, Iputinga, Benfica, centro da cidade e Cordeiro. Na Avenida Caxangá, o pânico foi geral.

Logo, a Comissão de Defesa Civil do Estado, instalada no Palácio Frei Caneca, começou a emitir pelos rádios notas oficiais, desmentindo o alarma.

O presidente da Codecipe, Rinaldo Rocha, ao ser informado de que o povo, na pesquisa de opinião pública, não acreditava nos dados fornecidos pelo órgão que representa, irritou-se com o repórter e afirmou que "tudo isso é mentira..."

Disse que "a população tomou conhecimento que ia haver uma cheia logo cedo. Às 10 horas da manhã da quinta-feira, tudo estava previsto. Às 11 horas, o povo era informado que haveria uma cheia de porte-médio, e, às 12 horas uma de grande-porte".

O presidente da Codecipe taxou de "subversiva" qualquer afirmação de que a população não foi prevenida, enquanto os moradores da Torre afirmam que ouviram "um carro falando alguma coisa sobre cheia, mas não dizia que era para o povo  sair das suas casas que a água vinha muito forte".

Gibson: subversão pretende
jogar povo contra Governo

O 1o. suplente do deputado federal arenista, Nilson Gibson, classificou como ato de "pura subversão de sabotagem ao Governo da Revolução" os boatos que circularam ontem pela manhã por toda a cidade e que provocaram momentos de pânico, de histeria coletiva da população, mal esta procurava se recuperar dos imensos prejuízos da catástrofe que se abateu sobre o Grande Recife, no último fim de semana.
HORA DE UNIÃO
─ A hora é de união, de somatório de todas as forças. É ha hora da afirmação, do despreendimento do sacrifício de todos que têm uma parcela no trabalho de recuperação dos graves prejuízos ─ muitos insanáveis como o da perda de vidas humanas ─ sofridos pela já sofrida população recifense. O governador Moura Cavalcanti vem trabalhando diuturnamente no atendimento dos pernambucanos atingidos pela catástrofe. "Vamos ajudá-lo. É a hora do trabalho árduo e do esquecimento das divergências pessoais" ─ sublimou o político.

─ Estou certo ─ completou Nilson Gibson ─ que o presidente não faltará a Pernambuco e proporcionará ao Governo Estadual todos os recursos possíveis para a recuperação do Recife e demais cidades atingidas pela cheia.

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Durante cerca de uma hora, ontem, pela manhã, o recifense viveu o drama do pânico e do caos total, após a divulgação de boatos sobre o rompimento da barragem de Tapácurá. Numa correria ao estilo salve-se quem puder, a população ganhou as ruas apavorada com a possibilidade de ser aniquilada pelas águas. Isto, após sentir na pele a força das enchentes de dois dias antes.

Homens, mulheres e crianças de todas as idades choravam e gritavam por seus parentes e amigos em busca dos locais mais altos. Muitos corriam de um lado a outro das ruas. sem saber ao certo o que fazer. As mulheres, principalmente, eram acometidas de ataques histéricos e de desmaios. A situação existia pior nos bairros mais atingidos pela cheia.
ENGARRAFAMENTOS
Durante aquela hora que jamais se apagará da memória do recifense, correria de veículos de todos os tipos e tamanhos, pelas ruas do centro e do subúrbio, foi realizada também com os motoristas em pânico. De repente, todos procuravam as áreas mais altas e as famílias, sem obedecer às normas do trânsito e da contenção. Mão e contramão se confundiam entre os que pretendiam deixar o centro ou vir a ele. Os que estavam na cidade, corriam para as suas casas nos subúrbios; as mães de famílias que estavam nos bairros procuram chegar aos maridos na cidade. Era o caos total.

O tumulto durou cerca de uma hora, até que as autoridades emitissem comunicados desmentindo o boato.

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Na hora do alarme, todos se puseram em movimento na expectativa da tragédia

Imagens como estas ficarão gravadas nas retinas dos recifenses

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Número de mortos sobe a 96

O Instituto de Medicina Legal recebeu, até às 18 horas de ontem, 96 cadáveres de vítimas da enchente, tendo identificado 73. Trinta e dois continuam nas três câmaras frigoríficas, sendo 19 desconhecidos. Os demais, embora reconhecidos, não foram reclamados pelos familiares.

O chefe de gabinete da SSP, delegado Mauni Antônio Figueiredo, revelou que este não é o total de mortos pelas águas, mas apenas os da capital e da área do Grande Recife.
IDENTIFICADOS
Eis a relação dos mortos cuja identificação foi obtida:

Maria de Lourdes da Conceição; Raimundo Jose do Nascimento; Maria Evangelista da Silva; João Martins da Silva; Edmilson Lima da Silva; Veridiano Messias Pereira; Luiz Carlos de Castro Cavalcanti; Mônica Maria Ferreira Monteiro; Valdemar de Souza; Wilson de Oliveira; Leda Borba; Maria Batista de Menezes Pereira; Cícera Maria Francisca; José Alexandre da Silva; Walter Fontoura da Silva; Antonio Carlos Ferreira; Josuel Barbosa da Silva; Guilherme Marques Correia; Gaspar Torres da Silva; Sandra Tereza da Silva; Josefa Gonçalves de Lima; Edson Macena da Silva; Izidora Alves Ferreira; Joaquina Florêncio da Conceição; Verônica Cavalcanti; Júlia Camila da Silva; José Pereira da Paz; Isaura Brandão da Silva; Severino Vaz Curado; Severino Francisco Amâncio; José Julio de Freitas Coutinho Hermes; Ana Maria da Silva; Maria Gomes Torres; Judite Gomes de Lima; Josefa Joana da Conceição; Manoel José dos Santos; Jose Pereira da Paz; Moacir Costa da Silva; Ivanildo Francisco da Silva; Zadir Eloi dos Santos; Rosa Maria da Silva; Avelina Francisca da Silva; Wellington Leite; Carlos Alberto Pereira de Oliveira; Jadelino Ferreira da Silva; Davina Josefa Barbosa; Lucia Maria da Silva; Laercio Bandeira de Melo; Josefa Alves da Silva; Eduardo Jose Gomes; Maria Arminda de Souza; Gilberto Zacarias de Andrade e Silva; José Luis de Franca Oliveira; Francisco F. dos Santos; Severino Agostinho das Neves; Josuel da Silva; Antônio Fernandes do Nascimento; Pedro Cândido Pereira; Manoel Benigno de Oliveira; Satiro da Rocha Ferreira Junior; Jose Felix de Lima Filho; Jose Severino Ramos da Silva; Jose Reginaldo Lucindo; Miguel Campelo de Albuquerque; Denilson Gomes da Silva; Jose Roberto da Silva; José Severino dos Santos; Astrogildo Cavalcanti Silva; José Francisco da Silva; Djalma José da Silva; Manoel Régis da Silva; Miguel Firmino dos Santos; e Amélia José de Barros.
Vendas diminuem na Ceasa
As vendas na Ceasa caíram consideravelmente nesses últimos dias. Informou o diretor financeiro daquela Central de Abastecimento, economista Telmo Figueredo, garantindo que há estoque de produtos hortigranjeiros para atender à demanda.

Embora a Ceasa não tenha sito atingida diretamente pela enchente, as águas inundaram o girador do Curado e o setor de varejo foi fechado no sábado, a fim de evitar saque, uma vez que o flagelados estavam famintos e procuravam um local para se abrigar. A administração solicitou reforço de policiamento à Secretaria de Segurança, considerando que as centrais de abastecimento constituem áreas de segurança nacional. A situação, entretanto, já está voltando ao normal.
ESTRADAS
Explicou o sr, Telmo Figueredo que, tendo em vista as precárias condições de tráfego, na estrada que leva ao Brejo da Madre de Deus, dificuldades no transporte de cenouras. Quanto aos produtos altamente perecíveis não está havendo problemas, pois são de "fundo de quintal", (tomate, coentro, cebolinha) e de alta rotação. O tomate vem da Paraíba e a comunicação entre os dois estados é razoável.

Acrescenta que o jerimum vem do Piauí, mas o estoque da Ceasa é suficiente para o abastecimento da cidade ainda por muitos dias. Quanto à banana, o suprimento vem do Crato do Sul do Ceará e de outros municípios de Pernambuco. Existe também grande quantidade de laranja estocada (muitas até em estado de putrefação, pois chegaram bem maduras e antes das enchentes) procedente de Sergipe.
SUPERMERCADOS
As lojas e depósitos de supermercados de Pernambuco foram duramente atingidas pelas inundações, danificando equipamentos e causando estragos nas instalações. Entretanto, as mercadorias estocadas garantem a continuidade do abastecimento do Estado.

Os reparos nas instalações já foram iniciados, devendo ser concluídos dentro de poucos dias.
Fundação convoca supervisoras
A Fundação Guararapes está convocando as suas supervisoras, dirigente, professorado em geral, e principalmente as assistentes dos Centros Comunitários, para a reunião que promoverá hoje, às 7h30min, em sua sede na Estrada do Arraial, em Casa Amarela.

Os dirigentes da entidade municipal, professores Marta Veiga e Jorge Cândido, respectivamente diretores presidente e administrativo da entidade, informaram que o encontro objetiva a organização das atividades do órgão junto aos postos de atendimento aos atingidos pelas cheias.
CONJUNÇÃO
Esse trabalho já foi iniciado conjuntamente com a Secretaria Assistente municipal nos seguintes estabelecimentos: G.E. General San Martin (San Martin); G.E. Dom Carlos Coelho (San Martin); G.E. Célia Arraes (Ambole-Várzea); Associação Sítio dos Pintos (Dois Irmãos); Associação Prego de Ouro (Rua da Areia ─ Tamarineira); Centro Social Elias Carvoeiro (Mustardinha); Centro Comunitário da Praça da Torre, Igreja do Poço da Panela, Salão Paroquial da Várzea, Casarão de Emiliano (Monteiro); G.E. Silva Jardim (Monteiro); Ginásio Martins Júnior (Torre); G.E. Aníbal Fernandes (Santo Amaro).

Na convocação, a diretoria da Fundação Guararapes chama os assistentes comunitários dos Centros da Torre, Beberibe, Várzea, Salgueiro (Engenho do Meio), Largo Dom Luis (Casa Amarela) e Jardim São Paulo. Informa, ainda, que o expediente naquele órgão vem sendo normal para todos.
Médico pede ajuda oficial
para hospitais atingidos
─ Os hospitais atingidos pela cheia necessitam urgentemente de uma ajuda financeira do governo para que possam atender aos necessitados. A situação é de colapso e se uma medida não for tomada com urgência as casas de saúde terão seus problemas agravados ─ disse ontem o diretor do Instituto de Neurocirurgia e Neurologia do Recife, médico Mussa Hazin, um dos prejudicados pela cheia.

O médico afirmou que somente com uma ajuda governamental é que os hospitais terão condições de funcionar novamente. Assim mesmo, é preciso que o empréstimo tenha dois anos de carência e que o juro seja relativamente baixo.
Governo faz advertênciaa exploradores da tragédia
O governador Moura Cavalcanti reuniu a imprensa às 18 horas de ontem e advertiu aos "inescrupulosos que estão tentando explorar o povo neste momento de tragédia", em nota lacônica, nesse teor:

"Recebi informações seguras de que há gente tentando explorar o nosso povo, já tão massacrado e sofrido. E eu advirto a esses criminosos de que não permitirei isso. Saibam que estamos em Estado de Calamidade e aplicarei a legislação com todo o rigor. Que ninguém tente tripudiar porque vai receber um corretivo de que não se esquecerá. Já determinei aos órgãos da Polícia de que atuem com o máximo rigor e me mantenham informado de tudo. Aos comerciantes, peço que vendam com honestidade e atendam ao povo com o respeito que ele merece. Repito que os desonestos devem se acautelar, porque não estou disposto a permitir nem mesmo o menor deslise".
Liberação do FGTS, uma dassoluções para a calamidade
O "estado de calamidade pública" permite aos governantes a adoção de uma série de medidas capazes de minorar os problemas decorrentes da catástrofe. A isenção de impostos, por exemplo, é uma das principais, pelo menos é logo aventada.

Em meio aos comentários sobre o assunto, começa a tomar corpo o de que o Governo Federal poderia autorizar a liberação da conta vinculada (FGTS) para as pessoas que foram atingidas pelas inundações, medida que representaria uma contribuição direta do presidente da República para atenuar os incalculáveis prejuízos de milhares de famílias pernambucanas.
AMPLITUDE
Argumentam as pessoas que sugerem essa medida que a liberação do FGTS, nas circunstâncias atuais, seria uma medida de grande alcance, visto que, entre as vítimas da maior catástrofe que já se abateu sobre Pernambuco, figuram milhares de trabalhadores e funcionários públicos que mantém relação de emprego com empresas públicas e privadas, sob o regime da CLT.

Aos flagelados são oferecidos, e não poderia ser diferente meios de sobrevivência ─ abrigos temporários, alimentação e assistência sanitária. E às milhares de pessoas, de condição sócio-econômicas um pouco acima daquelas que se instalaram nas áreas ribeirinhas, o que oferecer, de forma direta, para aliviar os vultosos prejuízos com casas, móveis, roupas e outros pertences destruídos?

Esta interrogação é feita por muita gente que vive de pequenos salários ─ comerciários, bancários, servidores públicos, industriários, entre outros. Eles são unânimes em sugerir a liberação do FGTS, como uma das maiores medidas que o Governo Federal poderá lhes oferecer nas atuais circunstâncias. "Dois, três, quatro, cinco mil cruzeiros, o que for, tudo serve nesta hora de desespero" ─ argumentam. A conta vinculada é aberta como resultado da relação de emprego, consequentemente, um direito conquistado por cada trabalhador.

Foi a Lei 5.107, de 13-9-66, que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e começou a vigorar em 1-1-67, sendo regulamentada pelo decreto 59.820, de 20-12-66. Aplica-se a legislação atinente ao FGTS aos trabalhadores em geral regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive das empresas públicas, como também àqueles que prestam serviços, sob o regime da CLT, às pessoas de direito público (União, Estados, Municípios, Autarquias).

Para conceituação do empregado, para os efeitos do FGTS, estabelece o Art. 3.º da CLT: "E toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
LIBERAÇÂO
A conta vinculada é liberada pela agência bancária, simples depositário, quando ocorre um fato como o seguinte, conforme prescreve o Art. 35 do Regulamento do FGTS:

I ─ Nos casos de despedida, sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força-maior, comprovados com declaração escrita da empresa, com o depósito previsto no Art. 22 e seu parágrafo 1.o, ou com sentença irrecorrível na Justiça do Trabalho.
Na hora do pânico,coração mata três
O boato que se espalhou, ontem, no Recife e em Olinda, provocou verdadeiro tumulto entre a população. Homens, mulheres e crianças tentavam, de qualquer maneira, voltar à casa, o mais rápido possível. As ruas que já retornavam à normalidade, apresentaram balbúrdia pior que a da semana passada. Tem-se notícia de que, pelo menos, três pessoas morreram por insuficiência cardíaca, ao tomarem conhecimento de que a barragem de Tapacurá teria rompido.

Os motoristas tentavam de todas as maneiras encontrar caminho para retornar. Os ônibus modificaram os itinerários e tornou-se quase impossível conseguir um táxi durante a manhã. Apesar de todas as emissoras de rádio desmentirem insistentemente a notícia, o povo corria loucamente pelas ruas.
TRÂNSITO
Até quase o meio-dia, intermináveis filas de veículos arrastavam-se pelas principais ruas do Recife, tendo ocorrido engarrafamentos principalmente nas avenidas Conde de Boa Vista, Caxangá e Norte. Embora os motoristas trafegassem em grande velocidade e sem obedecer às normas do trânsito, nenhum acidente de grandes proporções aconteceu.

Os reboques e as equipes de peritos da Delegacia de Acidentes receberam muitos chamados, embora muitas pessoas tenham preferido resolver os problemas amigavelmente.
REPERCUSSÃO
O Hospital da Restauração atendeu a 42 pacientes com problemas cardíacos, crises nervosas e histéricas, motivadas pela falsa notícia. Entre os atendidos, Maria José de Andrade, de 57 anos, residente à avenida Belmiro Correia, 78, em Camarajibe, embora com esforços médicos, não resistiu ao choque, vindo a falecer no RN.

Ainda em Camarajibe, duas jovens da mesma família morreram em consequência do alarme. A primeira, de nome Carminha, residente na Estrada da Aldeia, que estava lavando roupa à beira do rio, morreu no local. A sua prima, Rita da Silva, de 20 anos, quando viu o corpo de Carminha sendo transportado para a sua residência, foi acometida de choque mortal.

Calcula-se, entretanto, que o local de atendimentos em hospitais e clínicas, principalmente centros cardiológicos, tenha se elevado a mais de uma centena.
Povo quase unânime:foi ação de terror

Para a maioria da população, a notícia espalhada na cidade sobre o arrombamento da barragem de Tapacurá foi obra de terroristas interessados em provocar o caos social e lançar a população contra as autoridades. A revolta era maior na classe média e muitos opinavam pela aplicação sumária da lei, prevista em situações de emergência.

Das 80 pessoas interrogadas, abrangendo todas as classes, apenas 12 opinaram tratar-se de "trote ou brincadeira de mau gosto"; cinco acham que a notícia foi "fruto do desespero de alguém que perdeu tudo durante as enchentes"; oito não tinham opinião formada, enquanto 55 afirmavam ser a notícia de origem terrorista.
ESQUARTEJADOS
Para a sra. Iolanda Miranda, comerciante estabelecida na Rua do Lima, no 156, o boato "foi obra de subversivos que deveriam ser esquartejados pois são elementos frios, sem nenhum senao de humanidade e capazes de qualquer ato para atingir os objetivos que desejam".

Já o motorista José Bezerra da Silva, do táxi TX-3025, acha que o boato não passou de uma brincadeira de "algum louco que não meditou nas consequências que poderia ter entra a população". Argemiro de Souza Benevides, pedreiro, declarou não saber se a onda partiu ou não "de gente comunista. Tudo o que sei foi que, na hora em que vi todo mundo se mandando, corri também para morrer junto de minha família, e só quando cheguei em casa foi que fiquei sabendo ser tudo mentira. Agora, se foi ou não gente doida ou comunista que espalhou a mentira, não sei. Isso é com a polícia".

Para o capitão reformado Gabriel Damasceno Tavares, da diretoria da Irmandade da Conceição dos Militares, "o rebate falso partiu da mente doentia dos subversivos, e espalhada simultâneamente em todos os recantos da cidade ou seja, na mesma hora, é o suficiente para identificar a sua autoria criminosa. Para esses tipos de elementos todo castigo é pouco".

Diário de Pernambuco, Recife, terça-feira, 23 de julho de 1975

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