segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

07.01.1945 - Descobertos numa casa grande do Recife, os ultimos remanescentes da organização do "Torre Sport Club"


Descobertos numa casa grande do Recife, os ultimos remanescentes da organização do "Torre Sport Club"

Revivendo naquele arquivo de trofeus a existencia gloriosa de um clube que marcou epoca no esporte de Pernambuco

VENCIDO PELO PROFISSIONALISMO O TORRE DESAPARECEU EM 1940 - AGREGOU AS FIGURAS MAIS DESTACADAS DA POLITICA DE SEU TEMPO - VESTIGIOS DE UM CLUBE QUE GOZOU INVEJAVEL PRESTIGIO - OFICIOS CHOROSOS E BALANCETES LEGAIS - A NOTICIA DO REAPARECIMENTO DO GREMIO DA "MADEIRA RUBRA" - REVOLVENDO UM PASSADO DE GLORIAS
Reportagem de Helio PINTO
(Para o "D. P.")

Quem quer que tenha lido algum jornal pernambucano lá para o ano de 1930, ou pelo menos, sentido a influencia do nosso meio, naquela epoca, que já se vão 15 longos anos, certamente que teria ouvido falar numa associação desportiva e social que foi orgulho para Pernambuco, durante toda a sua existencia. Não cheguei a conhecer este clube. No tempo de seu esplendor, ainda garoto, eu perambulava pelas ruas de minha Fortaleza. Mas, desde que aqui cheguei, ha quatro anos, senti intimamente o prestigio do gremio que marcou uma epoca em sua terra: o TORRE SPORT CLUB.

Quisera conhecer mais de perto a vida do clube da "madeira rubra" como o chamavam com orgulho os seus adeptos; quisera ter companhado uma pequena fase do seu esplendor, pelo menos os seus ultimos dias de atividades; quisera ter maiores detalhes sobre o Torre glorioso, o Torre decadente e o Torre desaparecido. Sim, falar sobre o desaparecimento do Torre é justamente o que pretendo fazer. Falar sobre a sua brusca debacle, quando os seus alicerces davam a impressão de uma segurança invencivel. Falar sobre o Torre desmoronado, vencido pelo profissionalismo implacavel que veio trazer uma vida diferente para os esportes, fazendo desaparecer as escolas de amadorismo, desvirtuando os esportes e quase que afetando a propria sociedade.

Foi o Torre uma vitima do profissionalismo. Caiu porque não aderiu ao esporte remunerado. Caiu tambem porque foi um clube excessivamente politico. Os homens que o dirigiam, ou o seu quadro social, ou ainda seus "fans" era figuras proeminentes na administração do Estado, ocupando cargos que pouco depois cairam. E quando estes homens desapareceram do cenario politico o Torre sentiu-se enfraquecido. Viu o seu grande prestigio abalado. Cambaleou durante algum tempo e naufragou.
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O TORRE SPORT CLUB era uma especio de idolo, congregando as figuras mais destacadas da sociedade e da politica pernambucana. Nasceu numa epoca muito distante, lá para o ano de 1909. A principio, como todos os grandes clubes, engatinhou desequilibrado, para mais tarde sustentar-se na rotina da vida. Rememorar as suas atividades, contar os seus feitos, acompanhar a sua vida nas fases de ascenção, esplendor e decadencia, numa longa caminhada de cerca de 30 anos, seria recapitular uma pagina de glorias dos desportos pernambucanos. Este, porem, não seria nosso interesse. A vida do Torre não é desconhecida. O Torre não foi um clube modesto que viveu anonimo como muitos gremios suburbanos. Pelo contrario. Em sua marcha destacava-se acima de tudo o prestigio absoluto. Nada mais é preciso dizer.

Entretanto, voltamos ao assunto, ou melhor, ao fio da meada. Temos em mira, falar sobre o projetado reaparecimento do Torre. O mesmo Torre que Constantino Caldas, de Manoel Teixeira Basto, de Alfredo Vieira Ramos, de Fernando Mendonça, de Antonio Almeida e muitos outros. Aquele notavel clube que prematuramente desaparecera. Desaparecera não é bem o termo, pois o gremio da "madeira bubra" não desapareceu ainda. O seu nome ainda existe, legalizado, assim como as suas cores. Embora quase abandonados, estragados e desfalcados, ainda existem os seus troféos, os seus livros de atas, o seu arquivo deteriorado, enfim, parte de sua organização. E', por assim dizer, uma triste sombra do Torre de 1926 e de 1930.

Ultimamente, falou-se muito no reaparecimento do Torre. O assunto esteve tomando vulto. Ganhou força entre os antigos baluartes do clube. Chegou mesmo ao conhecimento de um colega de imprensa que parece não ter gostado do assunto. Porem, somos favoraveis ao reaparecimento do Torre Não um Torre para viver cambaleando como certos clubes que guardam apenas a tradição; não um Torre para viver de subscrições apressadas ou dos creditos do governo; não um Torre para envergonhar o seu passado, mas um Torre que venha a ser o que já foi  e que volte a ocupar o lugar que realmente merece, no cenario esportivo de Pernambuco. Um Torre com prestigio e força e com elementos decididos no seu leme. Isto é que todos desejam. Então, teremos mais uma força nos nossos esportes, formando ao lado do Esporte, Nautico, Santa Cruz e America.
VESTIGIOS DE UMA ORGANIZAÇÃO PASSADA
Soubemos que o dr. Brito Bastos, presidente do Conselho Regional de Desportos, estava disposto a levar para a sede do Conselho, todos os bens do antigo Torre. Entretanto, onde estariam os bens do Torre? Restaria ainda alguma coisa de aproveitavel? Procuramos o dr. Brito Bastos para conhecer o seu pensamento sobre o assunto:

─ "Tomei a deliberação de trazer para os meus cuidados os bens do Torre, disse o presidente do C. R. D.  Agi de comum acordo com os antigos dirigentes do clube. Caso haja o falado ressurgimento, tudo será devolvido e o Conselho não terá nenhuma intervenção. Agora mesmo, pretendo visitar os restos da organização do Torre".

Em companhia do dr. Brito Bastos e do fotografo, seguimos na direção do Clube Internacional. O carro parou num largo portão e nos dirigimos para uma velha casa, bastante recuada do passeio, Ali, num pequeno departamento da "casa grande", encontramos um armario antigo cheio de taças e papeis. Eram os vestigios de uma organização passada. Ali jazia tudo quanto ainda resta do TORRE SPORT CLUB. Quase nada: pouco mais de 20 taças, algumas de maior valor, arquivo de documentos, pacotes de recebidos, carteiras de jogadores, fotografias de socios, etc.

Observamos atentamente tudo o que resta do clube de Constantino Caldas. Nas velhas carteiras da F. P. D. vimos os nomes de Corbi, Chiquinho, Vivi, Deda, Amaro Pinho, Valfrido, Guimarães, Jasson, Miro, Rato, Toinho, Djalma, Alfredo, Vasco, Petu', Vanderlei, Bada, Dantas e muitos outros. Foram elementos que atuaram já nos últimos anos do Torre.

Lá estavam algumas taças com inscrições que relembram lutas memoraveis, vencidas pelo Torre. E lemos algumas delas: ─ "Taça Maviael do Prado. Ao vencedor da melhor de tres. Nautico x Torre ─ 1930" ─ "Ao Torre Sport Club o Clube Regatas Brasil ─ Maceió, 7-9-23". ─ "Match de luta romana ─ Floriano x Goldstein ─ Ao vencedor da preliminar ─ Torre x Sport ─ 18-12-27". ─ "O Centro Sportivo Alagoano ao Torre Sport Club ─ Maceió, 7-9-28". ─ Torneio Inicio de 1922 ─ 1.º lugar". ─ "Taça A Provincia ─ Temporada Bahiana ─ Associação x Torre ─ 1922". ─ "Taça Maternidade ─ Oferecida pela Liga Pro-Mater ─ 1919"
PROVAS DE BOAS RELAÇÕES
Folheamos os velhos livros de oficios expedidos e recebidos De momento a momento uma gorda traça atravessa o papel como a protestar aquela "profanação". Mais adiante, um oficio do Esporte Clube do Recife, agradecendo um gesto nobre do Torre. O documento diz o seguinte:

"Tenho a satisfação de transmitir a esse valoroso e digno congenere os agradecimentos do clube rubro-negro pelas expressões gentis ao vosso oficio de 12 do corrente, motivadas pelo acolhimento que bem merece o Torre Sport Club, todas ás vezes que as suas representações esportivas visitarem o nosso estadio. Aproveitando esta feliz oportunidade, levo ao vosso conhecimento que a diretoria deste club sente-se satisfeita em pôr á vossa inteira disposição a nossa praça de sports da ilha do Retiro, para os treinos de arregimentação das vossas diversas equipes. Atenciosamente (as) Gilberto Correia Lima ─ Secretario Geral". O oficio tem a data de 21 de setembro de 1938.

Em seguida, a titulo de curiosidade, transcrevemos outro oficio dirigido pelo presidente do Esporte ao presidente do Torre, por ter o gremio campeão de 1930 colaborado na Campanha do Cimento, iniciada pelo gremio rubro-negro. O texto é o seguinte:

"Illmo. Snr. Presidente do Torre Sport Club ─ Presente. Sinto-me altamente honrado em traduzir, pelo presente, o sentimento de gratidão do club rubro-negro ante o gesto de nobreza e fraternal amizade que vem de reafirmar a vossa valorosa e distinta associação, como o primeiro contribuinte á nossa "Campanha do Cimento", promovida com o fim de iniciar as obras de construção das arquibancadas do estadio da ilha do Retiro. A atitude do Torre Sport Club, com esta demonstração de tão elevada compreensão esportiva, vem consolidar ainda mais a estima tradicional que mantem, orgulhosamente, Torre e Sport, nesta imensa jornada que realizam em prol da vitoria integral dos sports nordestinos. Atenciosamente, Gilberto Correis Lima ─ Secretario Geral".
EM BUSCA DE OUTRAS PRECIOSIDADES
Continuamos a percorrer o pequeno arquivo do Torre. Parece ter sido um clube mais ou menos organizado. Pelo menos, nota-se nos ultimos remanescentes de sua existencia muita ordem e perfeição nos trabalhos. Pode-se mesmo concluir que o Torre teve ordem, disciplina e organização. Suas despesas, sempre resumidas, jamais foram alem da receita. Desta forma o clube não contraiu dividas. O saldo que lhe restava nos cofres serviu para os anos agonizantes de 1939 e 1940. Então, foi-se o ultimo cruzeiro...

O Torre, apesar de ser um clube de primeira categoria, tinha poucas despesas. Mesmo a sua arrecadação era pequena, diante do seu nome. Não queremos comentar o assunto. Entretanto, publicamos o balancete do clube feito pelo seu tesoureiro sr. Constantino Caldas, no ano de 1934. O documento está escrito da seguinte maneira:

TORRE SPORT CLUB

Balancete da Thesouraria durante o anno 1934

1934                                                 Debito     Credito
Saldo credor do anno 1933 conforme balancete anterior .. ..     101$300
Mensalidades recebidas durante o anno .. .. .. .. 2:370$000
Rendas de jogos amistosos e officiaes na F.P.D. .   707$900
Idem de eventuaes na sede .. .. .. .. .. .. .. ..   290$200
Venda de 1 bilhar pertencente ao club .. .. .. .. 1:150#000
Donativos recebidos de diversos socios . .. .. ..   450#000
Pago de alugueres da séde .... .... .... .... .... .... ...     705$000
Idem de commissão sobre a venda do bilhar .. .. .. .. .. ..     150$000
Idem de caução de luz na Rua Nova  .... .... .... .... ....      26$100
Idem de energia electrica ... .... .... .... .... .... ....      45$300
Idem por um recurso na F.P.D. (caso America) .. .. .. .. ..      50$300
Idem de commissao sobre a cobrança  .. .. .. .. .. .. .. ..     474$000
Idem de mensalidades na F.P.D. .... .... .... .... .... ...     455$000
Idem pela compra e concerto de materiaes esportivos .. .. .   1:179$100
Idem pela lavagem de roupa .... .... .... .... .... .... ..     178$000
Idem de auxilios de subvenções .... .... .... .... .... ...   1:217$500
Idem por massagens e remedios para amadores  .. .. .. .. ..      66$000
Idem pela compra de materiaes e lampadas electricas .. .. .      22$400
Idem por duas viagens de automovel e por uma certidão .. ..      61$500
Idem pelo concerto do bilhar  .... .... .... .... .... ....       5$000
Idem por photographias de jogadores .... .... .... .... ...      72$500
Idem pela compra de inscripções e renovações .. .. .. .. ..       8$000
Idem pela compra de estampilhas para recibos .. .. .. .. ..       7$400
Idem pela compra de sellos de expediente F.P.D  .. .. .. ..     210$000
Idem pela compra de livros e cartões mensalidades  .. .. ..      43$500
Idem pelo transporte de moveis .... .... .... .... .... ...      35$000
Idem pelo concerto de moveis  .... .... .... .... .... ....      48$000
Idem pela assignatura da "A Gazeta" .... .... .... .... ...      14$000
Idem por um camarote festival do Israelita .... .... .... .      30$000
Idem por pequenas despesas  ...... .... .... .... .... ....      32$500
Saldo credor para o anno de 1935 .. .. .. .. .. ..  270$000
                                                  ---------------------
                                                  5:238$100   5:238$100
                                                  ---------------------
                                                  ---------------------

                                       (ass.)  Constantino Caldas
                                               Thesoureiro

ULTIMOS ADEPTOS DO CLUBE
Durante quase duas horas, estivemos mexendo nos arquivos do Torre. Muitos oficios interessantes que prendiam a atenção de qualquer desportista. Seria impossivel publica-los a todos. Numa velha taça, nas prateleiras do armario, descobrimos uma porção de fotografias e cartões que seriam enviadas aos ultimos associados aceitos pela diretoria. Lá estavam os nomes do ten. Agenor Cavalcanti, tecnico do selecionado pernambucano de 1942 srs. Estenio Revoredo, Pedro Bezerra Cavalcanti, Clelio Correia, Djalma Torres, Haroldo Veloso, Severino Rangel, dr. José Bandeira de Oliveira e muitos outros.

Eram documentos da organização que possui o Torre. Tudo ainda apresentava um ligeiro vestigio de ordem. Notava-se o trabalho dedicado de seus dirigentes. Era, positivamente, aquele Torre um orgulho para os seus dirigentes e para os seus "fans". Esta gente que trabalhou e que admirou o gremio da "madeira rubra" ainda existe. Estão todos aí, afastados das lides esportivas. E todos eles afirmam categoricamente: "Se não existe o Torre não interessa outro clube". Porque não aproveitar este interesse de tantos? Reunam-se os antigos baluartes do clube e estudem a situação com carinho. E' apenas uma questão de perseverança.

Diário de Pernambuco, domingo, 7 de janeiro de 1945

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