quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

20.03.2000 - Mitos em torno das fusões

Mitos em torno das fusões


Adriano Pires Rodrigues* e
Viviana Cardoso de Sá e
Faria**


No início do século XX ocorreu, nos EUA, o mais conhecido e polêmico processo de prática de monopólio envolvendo a Standard Oil Company. O julgamento desse processo e a conseqüente divisão desta grande companhia em sete empresas, as chamadas "The Seven Sisters", ficaram mundialmente conhecidos. Assistimos, no final deste mesmo século, a um movimento inverso, onde vários setores da economia estão promovendo maga-fusões, sendo que as empresas do setor petrolífero figuraram como "vedetes" dessa tendência.
O movimento de fusão ocorre quando os preços se encontram num nível abaixo do ideal
O movimento de fusão de empresas é cíclico, ou seja, ele ocorre quando os preços se encontram num nível abaixo do ideal para fazer frente aos investimentos necessários para expandir e inovar os seus produtos e serviços. A união dessas empresas é uma tentativa de maximizar o uso da sua infraestrutura e minimizar os custos de produção. Outro aspecto importante são as trocas de tecnologia que estão envolvidas neste tipo de transação. As incorporações de empresas são, em muitos casos, inevitáveis, podendo até ser desejáveis no que tange aos avanços tecnológicos.

Do ponto de vista econômico, o processo de fusões e aquisições pode ser explicado pela presença dos seguintes fatores: baixo retorno do investimento realizado; plantas com alta capacidade ociosa; e, finalmente, um excessivo número de empresas num mesmo mercado. Sendo assim, os objetivos desse movimento são os de reduzir custos, buscando obter "economia de escala"; otimizar o uso de suas plantas industriais e diversificar o portfólio. No caso da indústria do petróleo, esses argumentos ficam reforçados quando observamos as principais tendências que irão influenciar a organização da indústria no próximo século. A primeira é referente à verticalização da cadeia de gás. A segunda, diz respeito à horizontalização do refino e do marketing. E, finalmente, a terceira é a busca incessante por parte dessas empresas de grandes projetos, com baixos custos unitários na área do upstream, a fim de diluir os altos riscos envolvidos na atividade.

Dentro deste contexto, as fusões da Exxon/Mobil e a da BP Amoco Arco obtiveram pareceres distintos do órgão regulador americano. O valor da transação, envolvendo a fusão da Exxon/Mobil, foi de US$ 81 bilhões. Esta fusão foi aprovada, em final de 1999, pelo órgão responsável pela defesa da concorrência, com restrições em função da posição ocupada por essas empresas em determinados locais do território analisado. O parecer do órgão americano, o Federal Trade Commission (FTC), recomendou a venda de aproximadamente 2.431 postos de gasolina da Exxon e Mobil. A sugestão seguiu a seguinte proporção: 1.740 no Nordeste e no Centro Atlântico; 360 na Califórnia: 319 no Texas; e 12 em Guam. Adicionalmente, terão que ser vendidas a refinaria da Exxon na Califórnia, terminais, oleodutos e outros ativos. O órgão exigiu que esses postos fossem vendidos para um único comprador, a fim de criar um novo concorrente na região. A nova empresa Exxon-Mobil irá sofrer uma queda no seu faturamento devido à venda desses postos. Porém, espera-se que, no longo prazo, os cortes de custos que devem resultar da troca de ativos do setor de varejo pelos da área de exploração e produção compensem essa perda.

Apesar de anteriormente a fusão BP Amoco ter sido aceita pelo FTC, a proposta atual de incorporação da Arco está sendo contestada pelo órgão regulador americano. O argumento da contestação baseia-se no fato de a fusão BP Amoco/Arco apresentar composições indesejáveis, em determinadas regiões dos EUA. Esta nova empresa controlará 70% da produção de óleo do Alasca, 72% do oleoduto Transalaska, além da significativa participação no varejo da Costa Oeste, onde a Arco oferece preços sempre mais competitivos.

A tendência, segundo analistas da indústria de petróleo, é de que as empresas continuem buscando parcerias/fusões que as tornem "super-majors", pois só assim terão condições de enfrentar os novos tempos da indústria do petróleo e concomitantemente competir com as megaestatais da Arábio Saudita, Irã, México e Venezuela.

Esses dois exemplos de fusão mostram que existem dois mitos que precisam ser revistos. O primeiro é o de que todo o processo de fusão provoca o aparecimento de práticas monopolísticas e, conseqüentemente, lucros acima da média das empresas do setor após esse tipo de transação.

O segundo é a "falsa" percepção dos órgãos reguladores de que a concorrência, de fato, só ocorre quando há um número significativo de agentes operando num mesmo mercado. Não resta dúvida de que o número de agentes ativos poderá propiciar uma maior concorrência, mas esta não é uma relação linear. Por exemplo, o aumento do numero de empresas no mercado de gás e eletricidade, na Espanha, parece estar ocasionando uma redução no nível de competição. No Brasil, o crescimento do número de empresas no setor de distribuição de derivados de petróleo parece estar provocando uma concorrência mais predatória do que benéfica ao consumidor.

Na realidade, a verdadeira concorrência só passa a existir quando o arcabouço legal e regulatório está bem definido, permitindo uma competição igual para todas as empresas participantes de um mesmo mercado. A recente venda de ativos da Shell, segundo explicação da própria empresa, ocorreu, principalmente, pela falta de definição de regras claras, o que impediu a Shell de concorrer com empresas que sonegam impostos e adulteram combustível. 

Conclusão, o papel dos órgãos reguladores e, em especial, dos responsáveis pela defesa da concorrência torna-se cada vez mais importante neste novo ciclo da economia brasileira, pois serão estes que irão regular as atividades das empresas nos diferentes mercados, elaborando uma legislação que impeça as práticas monopolísticas e ilegais, garantindo, assim, a qualidade do serviço/produto e, ao mesmo tempo, evitando normas que provoquem perdas de eficiência econômica. ◙
A verdadeira e concorrência só existe quando o arcabouço legal e regulatório está bem definido
* Professor do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe/UFRJ.
** Mestranda do PPE da Coppe.

Gazeta Mercantil, segunda-feira, 20 de março de 2000

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