quinta-feira, 10 de março de 2016

17.02.1989 - Festa em Nova York comemora os 60 anos de Popeye

E - 10 ─ Sexta-feira, 17 de fevereiro de 1989              Ilustrada                       edicaoespecialdeluxo.wordpewss.com


Festa em Nova York comemora os 60 anos de Popeye

JOSE CARLOS CAMARGO
De Nova York

Amanhã, a maior loja de brinquedos de Nova York, a Fao Schawrz — que há dez dias recebeu a visita da princesa Diana —, terá todas as horas de seu funcionamento dedicadas ao sexagenário Popeye. Das 10h às 18h, o velho marinheiro estará por toda a loja, que ocupa quase um quarteirão inteiro entre as avenidas quinta e sexta ao longo da rua 58 em Manhattan. Na programação especial, feita para comemorar o aniversário de Popeye, as crianças que visitarem a loja receberão brindes relacionados ao personagem e ainda conhecerão a nova linha de produtos que está sendo lançada para marcar a data.

Os "amigos" de Popeye e o próprio marinheiro deverão estar presentes circulando pelos quatro andares da loja e distribuindo autógrafos. A programação do evento pretende ser pacífica e não prevê nenhuma discussão entre Popeye e seu rival Brutus, que estará também na Fao Schwarz. Olívia estará impecável no seu vestido rosa e vermelho e até o bebê Gugu, em tamanho um pouco maior do que o natural, vai estar engatinhando pelos corredores. Vai haver um grande cartão de aniversário que a loja simbolicamente vai oferecer a Popeye e todas as crianças presentes estarão convidadas a assiná-lo, desejando parabéns ao personagem. A expectativa da Fao Schawrz é de que o movimento seja mais intensa do que é normalmente nos sábados — dia geralmente mais concorrido. Entre as atrações que serão oferecidas às crianças, a loja inclui um concurso de desenho — com o tema relacionado às aventuras de Popeye — que distribuirá prêmios, em brinquedos, é claro, para os vendedores.
Novo lançamento
Um novo boneco está sendo lançado com uma silhueta "atualizada" de Popeye. A roupa, o bone e o cachimbo continuam o mesmo, mas a nova versão de Popeye parece que passou por um Spa. Ele está mais magro, com as pernas menos tortas e o tradicional braço musculoso dá a impresão de estar ainda mais forte. O preço deste novo boneco ainda será definido no sábado. Parte do que for arrecadado no sábado será utilizado na construção de uma nova ala na Schawrz, o Comic Room, especialmente dedicado aos personagens tradicionais de histórias em quadrinhos como Betty Boop, Pimentinha e o próprio Popeye. 

Esta é a segunda festa em homenagem a um personagem infantil que a Scahwz faz esta semana. Na quarta-feira, a loja, que pode ser vista no Brasil em cenas do filme "Quero Ser Grande", com Tom Hanks, dirigiu sua atenções para o elefante Babar — que em alguns países, como em Portugal, é conhecido pelo nome de Tatá.

Bonecos e uma coleção de produtos com o elefantinho estampado estarão sendo lançados a partir desse ano na loja. Babar, mesmo não comemorando nenhum aniversário oficial, deve ficar mais preocupado em não tirar o brilho de Popeye no sábado. Se o marinheiro resolver comer um pouco de espinafre, não vai sobrar nem o marfim de Babar depois da briga.

Cidade ganha uma estátua
De Nova York

Popeye é patrono da cidade de Crystal City (Texas, região centro-sul dos Estados Unidos). Auto-entitulada como a "capital mundial do espinafre", Crystal City tem há 52 anos — em 1987 houve uma grande comemoração do cinquentenário do monumento — uma estátua em tamanho natural do marinheiro, em frente a prefeitura, bem no meio da cidade.

Na estátua, Popeye foi retratado em uma de suas poses clássicas, com uma mão segurando o cachimbo e outra na cintura, e com seus musculos especialmente realçados para "reforçar" a competência do espinafre local. Crystal City é famosa, além disso, por seus campos de espinafre e pela feira anual do produto que a cidade comemora por uma semana. (JCC)

O marinheiro Popeye, cercado pela amada Olívia Palito, Brutus, Dudu, Gugu, além das tradicionais latas de espinafre

A primeira aparição do marinheiro Popeye no jornal "New York Evening Standard", em 19 de fevereiro de 1929

O marinheiro também é astro da propaganda
Da Reportagem Local

Popeye já foi uma das mais rendosas propriedades do King Features Syndicate, divisão da corporação Hearst dedicada à distribuição e "licensing" de quadrinhos. Nos últimos anos, apesar da enorme popularidade, o marinheiro estava um pouco apagado. Mas os tempos de glória podem voltar, como indica a festa de seus 60 anos em Nova York.

A King Features é dona de contratos de publicação dos mais famosos personagens da "idade de ouro" dos quadrinhos, as décadas de 30 e 40, como Flash Gordon, Mandrake, Fantasma e o próprio Popeye. Embora famosos, esses heróis clássicos estavam ficando ultrapassados pela avalanche de novidades em quadrinhos e desenhos animados que começou nos anos 60. Para reverter esse processo, a King Features está revitalizando seus heróis, contratando artistas jovens para dar um tom mais moderno aos velhos clássicos. Um exemplo é a minissérie do Fantasma que a editora Globo está publicando.

O Popeye também está incluído. Sua revista mensal, relançada no ano passado, está no número 10. Ela ainda está vendendo pouco, mas a Globo planeja uma campanha publicitária para reposicionar o personagem. Além de continuar a revista, que sairá com o selo "60 anos" na capa, a Globo colocará posters nos pontos de venda, fará chamadas comerciais na TV e lançará edições especiais, no decorrer do ano.

Esse relançamento de Popeye obedece necessidades empresariais. Só no Brasil, a cara do marinheiro está em mais de 500 produtos licenciados, indo de camisetas e calçados a jogos, balas e guarda-chuvas, além de ter participado de campanhas publicitárias do Lloyd Brasileiro, da Filler e da Santista. Popeye é garoto-propaganda de algumas das maiores empresas do planeta, como a Hitachi, a Johnson & Johnson e a Renault. (AFt)

Robin Williams interpreta o personagem em cena do filme "Popeye", dirigido pelo cineasta Robert Altman

Herói era coadjuvante de Olívia
Palito quando estreou em 1929

ANDRÉ FORASTIERI
Da Reportagem local

Popeye fez sua primeira aparição como coadjuvante, na tira "Thimble Teathre", publicada no "New York Evening Standard" do magnata William Randolph Hearst. Rapidamente o marinheiro se tornou o astro da série — inclusive roubando a namorada de Ham, um dos heróis de "Thimble Theatre". Exatamente: Olívia Palito, além de ser feia, magricela e ter a voz esganiçada, é mais velha que Popeye.

Todo a família Popeye — Gugu, Dudu, os pais de Popeye, o professor Caracol, Brutus e a Bruxa do Mar — foram criadas por Segar, durante os dez anos em que escreveu e desenhou a série, antes de morrer de leucemia, em 1938. Popeye passou então para as mãos da dupla Tom Sims (roteiro) e Bela Zaboly (arte), depois para Ralph Stein e finalmente para Bud Sagendorf, genro de Segar e segundo mais popular criador do marinheiro. São de sua autoria a maioria das histórias publicadas no Brasil.

Como sempre, ninguém se igualou ao original. Segar fez de Popeye um dos personagens mais famosos do século. Entre outras honras, ele foi o primeiro herói dos gibis a ser incluído no Webster's Collegiate, o mais popular dicionário americano. Sua quinta edição, de 1941, credita a Elzie Segar a criação de duas palavras novas, que acabaram entrando para o vocabulário inglês: "goon" (vilão, capanga) e "jeep", nome dado por Segar a um personagem seu, uma estranhíssima criatura da 4ª Dimensão. Os soldados americanos da Segunda Guerra Mundial se apropriaram do termo para chamar um também estranhíssimo (para os padrões da época) veículo militar que servia para todo tipo de serviço, e tinha "general purpose" — abreviando, "g.p", (que se pronuncia "djip", ou seja, jipe). Outro nome imortalizado foi o do baixinho Dudu, apaixonado por Olívia e fanático por hambúrguers, que acabou batizando uma das maiores cadeias de "fast-food" do mundo, a Wimpy (seu nome em inglês).

A maior façanha de Popeye é também a mais famosa. Nos anos 30, quando a depressão grassava nos EUA, a fama de Popeye fez a venda de espinafre disparar. O mais curioso, nesses tempos de merchandising absoluto, é que Elzie Segar fez isso sem segundas intenções comerciais. Ele simplesmente gostava de espinafre.

Sucesso do personagem aumentou
consumo de espinafre nos EUA

JOSIMAR MELO
Da Redação

O sucesso de Popeye a partir dos anos 30 teve como subproduto um gigantesco aumento no consumo de espinafre, irresistível como a ascenção do marinheiro. Naquela década, a área cultivada desta verdura nos Estados Unidos saltou de 5 mil para 100 mil acres.

Originário da Pérsia, popular na Europa da Idade Média, o espinafre é rico em minerais, especialmente o ferro, e vitaminas. Tem também muita água, e pouca caloria. A explosão de seu consumo as crianças significou a introdução de um ingrediente bastante nutritivo na dieta de toda uma geração.

No Brasil ocorreu o mesmo fenômeno que em outros países, embora aqui a planta não se abra à mais simples das suas possibilidades culinárias. É que uma das melhores formas de comê-lo é simplesmente cru, em salada, o que fica muito melhor com as folhas jovens e tenras que são mais comuns nos países frios.

De toda forma, o espinafre ligeiramente cozido no vapor — mesmo no vapor de sua própria água, que ele solta quando colocado na panela quente — é uma excelente iguaria, de sabor marcante e consistência especial. Também é bom acompanhante de carnes leves, aves e ovos. E bom componente de recheiros e suflês. Mas todo ingrediente de sabor forte tem tanto entusiastas quanto inimigos — no caso do espinafre estes últimos incluem desde personagens literários de Flaubert até Guy de Maupassant. Além de Brutus, é claro.

Popeye consumindo seu fortificante

Filme de Altman satiriza clichês
do corpo no cinema norte-americano

Da Redação

Quadrinhos e cinema já têm uma longa história. E um de seus capítulos mais interessantes é o filme "Popeye", um musical realizado em 1980 pelo americano Robert Altman. Vinte milhões de dólares foi o que custou este fracasso de bilheteria do mesmo diretor do cínico "Nashville". Não há dinheiro no mundo que pague a contribuição que o filme presta a uma representação "biomecânica" e paródica do corpo no cinema americano contemporâneo.

No "Popeye" de Altman, atores (extraordinários) interpretam os personagens dos quadrinhos. O mimetismo dos atores, no entanto, pressupõe um jogo muito mais perverso do que a pura imitação. Entre brigas colossais e extravagantes cenas de amor, é toda uma série de destroçamentos e reconstituições da forma física e do movimento natural que o filme opera. Será que um corpo pode ser completamente desnaturalizado e transformado num circuito alucinado de clichês? É este o desafio de Altman.

Sweethaven, a cidade de Popeye, foi concebida por Altman e o roteirista Jules Feiffer em ambiente natural, numa encosta da ilha de Malta. O ambiente natural enriquece o artificialismo da representação. Um dia, o marinheiro Popeye (Robin Williams) aporta no vilarejo, onde detestam estrangeiros. Aluga um quarto na casa da família Oyl, onde conhece Olívia (Shelley Duvall), noiva de Brutus, o brutamontes através do qual o poderoso e misterioso Comodoro domina Sweetheaven. A história termina com a disputa ensandecida de Brutus e Popeye pela posse do tesouro do Comodoro, que não passa de um par de botinhas de seu filho desaparecido, o próprio Popeye. Pai e filho se reencontram e se confraternizam num sarcástico "happy end".

O cinema de Altman se pretende político, de "M.A.S.H." (1970) a "O Exército Inútil" (1983). É muito mais uma crítica de costumes desencantada com os mitos americanos. Ao filmar "Popeye", Altman viu no personagem um mito do heroísmo e da força que seria necessário desmontar com um pouco de ironia e outro de psicanálise. O melhor do filme, no entanto, está nos riscos que Altman correu na mise-en-scène, nesta que é uma das melhores transposições da estética dos quadrinhos para o cinema desde "Made in USA" (1967), de Jean-Luc Godard. (Alcino Leite Neto)

Melhor versão em desenho animado
foi realizada durante os anos 30 

MARCOS SMIRKOFF
Editor-assistente do Ilustrada

O espinafre de Popeye deu a força que o veterano Max Fleischer precisava para manter elevada a concorrência com os estúdios Disney durante a década de 40. Era um desenho de acabamento sofisticado. Os episódios coloridos experimentavam recursos como a sobreposição dos personagens a cenários tridimensionais filmados separadamente. A DIV lançou uma fita de vídeo no ano passado que compila três ótimos exemplos do marinheiro sob a direção do animador de Betty Boop e do Super-Homem. Quem quiser assistir a fita, não se assuste com a capa horrível que cobre a embalagem.

Depois de Fleischer, o desenho foi mudando de donos e perdendo essas sutilezas. Na Metro — o estúdio de Tom & Jerry — Popeye, Olívia e Brutus foram ainda um pouco respeitados; pelo menos, foi mantida a fluência dos movimentos e criados roteiros divertidos.

O desastre mesmo veio com a última encarnação, pela Hanna-Barbera (exibido atualmente na TVS). O único mérito dessa versão é a tentativa de recuperação do traço original que caracterizava os personagens, com os antigos olhos "só pupilas". Como se tornou regra nos desenhos norte-americanos dos anos 70, o falatório se tornou mais importante que a ação. No caso de Popeye, isso é uma falha grave — quem aguenta a gritaria desafinada de Olívia Palito durante um desenho inteiro? Ou Brutus matando qualquer suspense com seus chavões de homem mau?

Olívia e Popeye na capa do vídeo

Folha de São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1989

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