quarta-feira, 16 de março de 2016

03.07.1977 - JORGE AMADO EM MANAUS




JORGE AMADO EM MANAUS

Padre Nonato Pinheiro

Manaus teve a honra e o júbilo de receber, pela segunda vez, a visita ou a presença do consagrado autor de "Gabriela, Cravo e Canela", o celso, o excelso, o preexcelso Jorge Amado, cansado de glórias, como sua Teresa Batista, cansada de guerra. Seu grande amigo, e meu também, para honra minha, dr. Emídio Vaz de Oliveira, promenorizou-me sua permanência nesta minha cidade natal, que recebeu de Deus o sortilégio de abraçar em seu regaço os grandes espíritos do meu país, como Jorge Amado, o heleno Coelho Neto, o magnifico Euclides da Cunha e o sonoroso Gonçalves Dias, imortal aedo das tribos guerreiras e das hieráticas e pulquérrimas palmeiras de nossa idolatrada Pátria! 

Tomei conhecimento de sua segunda estada na terra, pela leitura das nossas folhas, distinguindo-se A NOTÍCIA, galardoada com uma entrevista exuberante da qual me ocupei neste entretenimento dominical com os meus leitores. Não o vi pessoalmente, muito de indústria. Muito fácil me seria um encontro com o egrégio romancista. Teria bastado um simples telefonema ao príncipe das elegâncias ─ "arbiter elegantiarum", que é o amigo Emídio Vaz de Oliveira, e em quinze minutos tê-lo-ia comigo. Diria o mesmo do meu dileto Paulo Jacob, romancista de truz, que também possui a chave de sua intimidade. Prefiro ter esses grandes a distância (não se requer a crase), invisíveis, como Jesus na hóstia consagrada, mas sentindo em suas páginas imortais sua presença real e substancial, como os teólogos falam da presença do Mestre Divino na Eucaristia!

Na entrevista que o guapo escritor concedeu a este brilhante órgão da imprensa amazonense, despertou-me a tenção a parte concernente à língua portuguesa que falamos no Brasil. Rebateu logo a exprssão "língua brasileira", que lhe sugeriu a pergunta do noticiarista. Jorge Amado preferiu chamá-la "língua portuguesa do Brasil". Homero Senna, entrevistando o doutíssimo filólogo brasileiro Souza da Silveira, perguntou-lhe: "Existe uma língua brasileira?" O excelso mestre logo obtemperou: "Não: o que existe é a modalidade brasileira da língua portuguesa". João Ribeiro também disso se ocupou com o peso de sua autoridade de mestre de mestres, que conservava entre seus troféus uma estupenda vitória filológica sobre o grande Leite de Vasconcelos, um dos cimos da Filologia em Portugal, provando que, além de macacos e papagaios, o Brasil também podia exportar para Lisboa excelentes lições de português. Para João Ribeiro, a língua portuguesa, transplantada para cá, enriqueceu-se de novo viço e beleza. Opulentou-se de tupinismos, muitos dos quais lá circulam em Portugal, e aqui se ornou de novas galas e louçanias.

A ciência já se pronunciou a esse respeito. Falar em língua brasileira é cometer um deslavado e desmarcado desatino. É dar atestado de incompetência e apedeutismo. O que temos, e é incontestável, é a modalidade brasileira da língua portuguesa, como pontificou Sousa da Silveira.

A própria expressão "língua brasileira " constituiria uma burrice de borla e capelo. Haverá brasileiros tão ingênuos, que suponham que falamos todos do mesmo modo, do Amazonas ao Rio Grande do Sul? Que me perdoem meus patrícios da Paraíba. Mas, quando converso com um paraibano, fico pensando intimamente: "Meu Deus! É essa língua que eu falo no Amazonas?!" E note-se que não se trata, apenas, de modismos, vocabulário e gíria, mas ponho a questão em base fonética. A pronúncia do paraibano é algo de profundamente diferente da nossa, no Extremo Norte. E diria o mesmo, ou quase o mesmo, do resto do nordeste, mas a do paraibano distancia-se muito mais. Se nos deslocarmos lá para as bandas do sul, onde sopra o minuano, novas e surpreendentes distinções. O gaúcho fala diferente. Então? Então, teríamos várias línguas brasileiras.

Esse problema de diversificação linguística pertence a qualquer língua que se transfere para outras plagas. Terei algum leitor tão infantil que pense ou admita que os argentinos, colombianos, venezuelanos, peruanos, bolivianos, equatorianos, chilenos, uruguaios, paraguaios, cubanos, mexicanos e todos os demais povos que falam o espanhol, falam do mesmo modo? E haverá algum asno neste planeta que fale em língua argentina, língua peruana, língua boliviana, língua colombiana, etc? Não creio. O que nos é lícito falar é em linguagem peruana, colombiana, etc., como o douto José Rufino Cuervo falou em "linguage bogotano", o espanhol falado em Bogotá, do qual se ocupou num de seus livros mais reputados. Nesse sentido, é que poderíamos falar em "linguagem brasileira", mas não em "língua brasileira".

Voltando à entrevista de Jorge Amado. Para mim, o que deveria ter sido apreciado, não era a questão da língua portuguesa e língua brasileira, mas o problema da língua falada e língua escrita, que reputo de maior importância. 

Deve o escritor escrever como se fala? O assunto é polêmico, mas eu acompanho os que não aceitam esse ponto de vista. A língua falada é a fonte e nutriz da língua escrita, mas esta é que aperfeiçoa e escoima a primeira. A língua falada é descuidade; a língua escrita é polida. A língua falada é a ganga impura; a língua escrita é o oiro faiscante que reluz nos anéis e nos diademas. Sousa da Silveira bem se expressou: "A língua escrita, saindo da língua falada, vem a tornar-se um modelo desta; e, nesse papel, fica sendo uma força de unificação, que os escritores e os mestres de todos os graus do ensino devem prestigiar no interesse geral da comunidade, que se enfraquecerá, se, desprezada a língua escrita comum, ficar aberto livre caminho à dialetação poderoso agente de desagregação". E o mestre insigne insinua que é papel dos bons escritores aproximar com habilidade a língua escrita da língua falada, que será sempre a fonte de sua vitalidade. E isso faz em toda sua opulenta bibliografia, assim me parece, que o nosso grande Jorge Amado. Servir-se da língua do povo, mas derramando sobre ela o polvilho de ouro, o polimento, as galas e os brincos da língua escrita, o que revela, inclusivamente, talento, arte, aprimoramento e bom gosto!

2-AGRADECENDO BRINDES LITERÁRIOS. 


Tenho sobre a mesa livros que me foram recentemente oferecidos por amigos e intelectuais. Do professor Manoel Bastos Lira, meu antigo mestre no Colégio Dom Bosco (que aulas! que aulas!), recebi o precioso livro "Outline of Linguistic Analysis", obra notabilíssima, da autoria de Bernard Bloch, da Universidade de Brown, e George L. Trager, da Universidade de Yale. Meu confrade dr. Newton Sabbá Guimarães ofereceu-se seu nupérrimo livro "Park Chung Hee O REFORMADOR DA CORÉIA - um perfil de coragem". A poetisa Iris de Sales brindou-me com seu livro de poesias "Arco-Iris de Rimas", trazendo na capa o heptacromo fascinante. Um calendário fortemente carregado não me permitiu ainda tempo para uma leitura remansada, o que farei oportunamente, para uma recensão, posterior. Assinalo, todavia, o meu agradecimento por essas dádivas litarárias, que muito prezo. O livro é sempre o melhor presente!

3- I ENCONTRO PAN-AMAZÔNICO DE PASTORAL INDIGENISTA.

Realizou-se nesta capital o I Encontro Pan-amazônico de Pastoral Indigenista, cujas assembléia se efetuaram no Centro de Formação de Lideres MAROMBA, desta Arquidiocese. Participaram do encontro bispos, missionários e leigos que atuam em áreas indígenas da Amazônia brasileira, boliviana, colombiana, peruana, venezuelana e equatoriana. Um encontro muito proveitoso, com troca de ricas e vivas experiências, em que os participantes estudaram à luz da fé, da ciência, do patriotismo e dos sentimentos humanos, o problema, ou melhor, os problemas do índio em todas essas áreas nacionais e estrangeiras. Foi publicado um Documento Final, cuja cópia Dom João Sousa Lima, nosso Arcebispo Metropolitano, me ofereceu. É um documento corajoso em defesa do indio, dentro da linha encarnacionista-libertadora, que honra os partipantes do Encontro.

Jornal A Notícia, domingo, de 03 de julho de 1977

Um comentário:

  1. Prezado. Gostaria imensamente de informações sobre o livro "Arco-Íris de Rimas", de Íris de Sales. Procuro este livro desde a década de 80 e não o encontro em lugar algum. Meu WhatsApp 93-991112-3532 Valdenir Araújo Pessôa

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