quarta-feira, 30 de março de 2016

15.03.1973 - Tudo assinado. É a Fiat chegando.


Tudo assinado.
É a Fiat chegando.
(O ESTADO DE MINAS GERAIS E A FIAT SERÃO SÓCIOS, COM IGUAL PARTICIPAÇÃO.)

O governador, o presidente da Fiat e o ministro conversam... ... sobre a fábrica que vai produzir 190 mil automóveis.

O presidente da Fiat e o governador de Minas Gerais assinaram o Acordo de Comunhão de Interesses. Agora só falta o Acordo ser aprovado pelo governo federal, para ser constituída a sociedade, desapropriado o terreno e construída a fábrica. Em 1976 os carros Fiat 127 já estarão rodando. Dois anos depois a fábrica estará em produção total. O novo carro é barato e econômico. É um carro para a família.


Os primeiros 30 mil automóveis Fiat 127, brasileiros, estarão rodando em nossas ruas e estradas até 1976. E nos dois anos seguintes a fábrica que será construída em Betim, perto de Belo Horizonte, atingirá sua capacidade total de produção: 190 mil veículos e 150 mil motores, por ano. Dez mil pessoas estarão trabalhando na nova fábrica e outras 30 mil, nas outras indústrias do setor. É Giovanni Agnelli, o presidente da Fiat, quem garante.


Esse italiano de 52 anos, vestido com elegância, muita segurança e objetividade quando fala, fez essa declaração ontem à tarde. Pouco antes, a sua empresa e o estado de Minas Gerais, representado pelo governador Rondon Pacheco, tinham assinado um Acordo de Comunhão de Interesses que resultará na implantação da nova fábrica de automóveis.

No empreendimento serão investidos 280 milhões de dólares (um bilhão e 700 milhões de cruzeiros, aproximadamente), dos quais 73 milhões de dólares serão por conta do estado de Minas Gerais.

Segundo Agnello, ontem foi feita apenas uma declaração de intenções, que ainda deverá ser referendada pelo governo federal. A força desse compromisso, disse, é dada pela lealdade das duas partes.

Mas o governo federal não participará da indústria, a não ser por intermédio da concessão de incentivos tradicionais, de acordo com o que declarou o ministro da Indústria e do Comércio, que também assinou o Acordo de Comunhão de Interesses. Mas a Fiat será obrigada a atender a uma exigência do governo: a exportação anual correspondente a um mínimo de 40 milhões de dólares, por um período não inferior a 10 anos. Isso foi estabelecido por decreto no ano passado a todas as fábricas brasileiras de veículos.

Após solenidade, o governador Rondon Pacheco ofereceu um almoço ao presidente da Fiat, ao ministro e a outros 40 convidados especiais. Às 16 horas, na Federação das Indústrias, Giovanni Agnelli recebeu o título de Conselheiro Honorário da entidade, pela primeira vez concedido. Em seguida viajou para o Rio de Janeiro, em companhia de dirigentes da Fiat, onde hoje será recebido pelo presidente da República, às 16 horas.

A SOCIEDADE
O Acordo prevê que o estado de Minas Gerais e a Fiat vão construir uma sociedade anônima, a Fiat Automóveis S. A. ─ FIASA ─ imediatamente após a aprovação do Acordo, pelo governo. Essa sociedade vai produzir e comercializar veículos do grupo Fiat e as respectivas peças de reposição.

As duas partes terão 45 por cento das ações, cada uma. Os restantes 10 por cento ficarão com o IMI ─ Instituto Mobiliário Italiano ─ que será o responsável pela construção da fábrica, num terreno de 2 milhões de metros quadrados, doado pela Prefeitura de Betim, e localizado entre os quilômetros 9 e 10 da Rodovia Fernão Dias.

Francisco Noronha, secretário da Indústria e do Comércio de Minas Gerais, explicou que o governo fez algumas concessões à Fiat, mas que dentro de seis ou sete anos receberá, em ICM, o seu investimento. E isso ele considera um bom negócio.

Além do investimento, o governo mineiro fará a terraplanagem e drenagem do terreno e tomará providências para que o local tenha água, energia elétrica, rede de esgotos e outros serviços.

O prefeito Newton Amaral Franco, do município de Betim (aproximadamente 70 mil habitantes), disse que o terreno está situado um pouco além da Refinaria Gabriel Passos e tem valor aproximado de 7 milhões de cruzeiros. Além da sua doação ─ depois de o adquirir de particulares ─ a Prefeitura concederá à Fiat isenção de impostos territorial e predial, até 1985, e terá que aplicar 25,6 por cento do ICM que receber da Fiat, em obras sociais de mútuo interesse.

O dinheiro para desapropriação da área será emprestado pela Caixa Econômica Estadual, com quatro anos de carência e prazo de resgate de cinco anos. Ele considera um grande negócio para a Prefeitura, justificando que a arrecadação do município, no exercício deste ano, será da ordem de 3 milhões e 700 mil cruzeiros mas que passará para 40 milhões quando a Fiat já estiver funcionando.

O ENTUSIASMO
A visita de Giovanni Agnelli, para assinatura do Acordo, foi um acontecimento importante para Belo Horizonte. Desde o Aeroporto da Pampulha, onde um jato da Líder desceu trazendo toda a comitiva, até o Palácio dos Despachos, foram colocadas faixas saudando o presidente da Fiat.

O entusiasmo mineiro pela presença do presidente da Fiat estava nos dizeres das faixas que iam desde Benvindo per sempre sr. Agnelli até Minas corre com Fiat. Houve uma preocupação em ligar a futura instalação da fábrica e do seu presidente com a velocidade.

Além do entusiasmo houve alguma confusão. Durante a assinatura do Acordo, o presidente do Sindicato Nacional da Indústria Automobilística, Oscar Augusto de Camargo, não teve sua presença lembrada. Na Federação das Indústrias, além de um passeio desnecessário da comitiva de Giovanni Agnelli, por estreitos corredores e banheiros, o presidente da entidade preferiu ler seu discurso em um italiano que ninguém entendeu, obrigando Giovanni Agnelli a acompanhar o discurso, nervosamente, até que um de seus assessores providenciou uma cópia do texto para que ele pudesse entender o que se falava.

Caminhões serão feitos no Rio de Janeiro
Agnelli: muitos planos.
O Fiat 127 leva 5 pessoas e muita bagagem

UM CARRO PARA TODA A FAMÍLIA

O Fiat 127, lançado pela Fiat italiana em 1971, foi considerado por dois juris internacionais como o melhor carro europeu do ano. Com seu estilo diferente, de cupê em forma de perua, conforto para 5 pessoas e espaço para um bom volume de bagagem, com acesso por uma porta traseira e também pelas suas características mecânicas e de construção, é apontado como o veículo certo para a família, adaptando-se perfeitamente à formula trânsito durante a semana e à fórmula estrada em fins-de-semana ou feriados.

É um carro que atingiu plenamente os objetivos do projeto. A Fiat conseguiu produzir um veículo que apresenta 80 por cento do espaço reservado aos passageiros e à bagagem e 20 por cento à parte mecânica.

Tem motor dianteiro, instalado transversalmente (o que proporciona grande aproveitamento de espaço), com 4 cilindros em linha, 903 cm3 de cilindrada e potência de 47 HP DIN, ao regime de 6.600 rotações por minuto. Um motor com válvulas na cabeça, refrigeração a água, com sistema de radiador selado. É um carro com tração dianteira, caixa de mudanças com 4 marchas, alavanca de mudanças no assoalho, suspensão independente nas 4 rodas, molas espirais e amortecedores de dupla ação. Os freios são a disco nas rodas da frente, e a tambor nas rodas traseiras, com corretor de freadas e circuitos independentes, para maior segurança.

Com 2.225 mm de distância entre eixos; 1.280 mm de bitola dianteira; 1,295 mm de bitola traseira; 1,325 mm de altura; 1m527 mm de largura e 3,595 mm de comprimento total, o Fiat 127 é um carrinho em condições de fazer aproximadamente 14 quilometros por litro de gasolina e de atingir a velocidade maxima de 140 quilometros por hora.

O preço do Fiat 127 seria
de aproximadamente
Cr$ 14.500,00, se estivesse à
venda hoje. Ele gasta
pouca gasolina: 14km/litro e
anda a 140 km/hora.

ASSIM FORAM
ESCOLHIDOS
O CARRO E O LOCAL
PARA A FÁBRICA

O carro é barato e já
foi testado no Brasil.
Na escolha de Minas, a Fiat foi ajudada
pelo próprio governo federal.

─ O automóvel Fiat 127 foi o escolhido para o Brasil porque é o mais competitivo da linha, e o que demonstrou melhores características para o mercado brasileiro. Além disso, foi projetado para ser produzido, perfeitamente atualizado para o mercado internacional, até 1981, o que corresponde às necessidades da época. Esse modelo custa, aproximadamente, 11 mil cruzeiros na Itália. Aqui, se fosse vendido hoje, em consequência dos impostos mais caros teria seu custo elevado em cêrca de 40 por cento (o que corresponde a aproximadamente 14 mil e 500 cruzeiros).

Giovanni Agnelli justificou assim ─ diante de jornalistas brasileiros, norte-americanos, italianos, alemães, ingleses e de vários países da América do Sul ─ a escolha do carro, feita após testes realizados com os modelos 126 (com motor de 504 cm3) e 127 no Brasil: cada veiculo rodou cerca de 60 mil quilômetros, em estradas de diferentes condições.

Demonstrando muita tranquilidade, rapidez de raciocínio, com gestos rápidos e jeito de quem está pronto para qualquer resposta, Giovanni Agnelli disse que em nenhum momento a Fiat teve dúvidas sobra o êxito do investimento.

─ Em nossas pesquisas, tomamos conhecimento de que o Brasil possui 40 por cento de sua população com menos de 20 anos de idade e 42 por cento abaixo dos 50. A juventude do país é um dos motivos que nos faz confiar no empreendimento. Além disso, a estabilidade monetária e do produto nacional bruto refletem um clima de tranquilidade social e política.

O INTERESSE POR MINAS

Depois falou a respeito de críticas feitas por um jornal brasileiro sobre as razões do interesse da Fiat em Minas Gerais, por estar longe das indústrias de peças e dos maiores mercados consumidores:

─ As dimensões da iniciativa eram tão grandes que devíamos, por força, ter algum sócio. Em dezembro de 1970, o governador Rondon Pacheco visitou Turim e mantivemos as conversações iniciais sobre o plano. Inicialmente pedimos a participação de um capital do Estado, e recebemos resposta positiva. Logo realizamos os estudos das possibilidades do mercado, das condições da indústria complementar, dos transportes, da localização e de outros pormenores para a segurança do investimento. E seguimos também instrução do governo do Brasil para evitar o congestionamento industrial de São Paulo e do Rio Grande do Sul. E esclareço que os entendimentos para o projeto foram mantidos apenas com o governo de Minas.

Giovanni Agnelli reconheceu que a mão-de-obra qualificada de Minas Gerais é falha atualmente, mas esclareceu que já foi feito um acordo com a Prefeitura de Betim para a formação de profissionais, através de convênios com as escolas existentes, além da formação de outras escolas. E desmentiu as instalações de que a Fiat teria optado por Minas Gerais pela concessão de incentivos especiais ou que a instalação da fábrica estaria condicionada a vitória na concorrência pública de uma empresa italiana, da usina hidroelétrica de São Simão.

Como um "matreiro político do PSD mineiro" ─ como foi considerado em tom de brincadeira por um repórter ─ Agnelli esquivou-se de perguntas que pudessem comprometer as negociações da empresa com o governo mineiro, sobre lucros ou com sua posição de grande produtor de veículos.

IMPORTAÇÃO
Depois de justificar que a fábrica de Betum não provocará nenhuma alteração dos planos da Fiat Concord, da Argentina ─ informou que haverá a necessidade de importação de 4 ou 5 produtos argentinos para os futuros carros brasileiros ─ Giovanni Agnelli confirmou que a Fiat adquiriu 43 por cento das ações da Fábrica Nacional de Motores ─ no setor dos veículos industriais ─ e que já a partir do próximo ano poderão ser produzidos caminhões Fiat leves e pesados, nas instalações do Rio de Janeiro. "Unindo a capacidade das duas empresas a produção atual da FNM poderá ser multiplicada por ser até atingir, com vasta gama de veículos, a produção anual de 15.000 unidades", disse.

─ A Fiat é uma emprêsa polivalente, não limitada ao setor de veículos, mas no Brasil nos ateremos a investimentos somente no setor automobilístico e a ele relacionados, como financiamentos a fornecedores e a outros setores.

Agnelli explicou que a Fiat já fez tentativas de ingressar no mercado brasileiro em 1955 e em 1963, mas sem êxito. E fez uma previsão: se a indústria automobilística brasileira crescer apenas 10 por cento a partir de agora, em 1982 o Brasil atingirá o total de 1 milhão e 800 mil veículos anuais. E disse que a Fiat ficará contente se a sua participação for de apenas 16 por cento.

─ Por isso, posso afirmar que nenhuma fábrica vai sofrer prejuízos com a vinda da Fiat. O mercado brasileiro é amplo e permite êxito para todas as fábricas.

O Estado de São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 1973

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