terça-feira, 22 de março de 2016

02.10.1987 - Radiação: só Chernobil supera Goiânia

10 ─ O ESTADO DE S. PAULO                                                          Saúde                                         SEXTA-FEIRA ─ 2 DE OUTUBRO DE 1987

Radiação: só Chernobil supera Goiânia

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RIO
AGÊNCIA ESTADO

O diretor de Segurança Nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Luiz Arrieta, considerou ontem o acidente ocorrido em Goiânia como o pior da história nuclear, depois de Chernobyl. Das pessoas atingidas com altas doses de radioatividade, seis (cinco adultas e uma criança) foram transferidas para o Hospital Marcílio Dias no Rio de Janeiro, em estado grave, apresentando sintomas de diarréia, náuseas, vômitos, perda de cabelo e anemia profunda. Para esse quadro ser irreversível resta apenas o último estágio que é o colapso do sistema nervoso central. A situação desses pacientes é preocupante e, nas próximas horas, deverão ser removidas outras cinco pessoas.

Segundo Fernando Bianchini, o acidente foi causado pela ruptura de uma cápsula selada de irradiação à base de Césio-137, usado pelo Instituto Goiano de Combate ao Câncer. Esse serviço estava desativado e o Instituto tinha por obrigação avisar a CNEN para a retirada do equipamento.

O Césio-137, que é um pó, contaminou o pessoal de dois ferros-velhos em Goiânia, as casas onde moram essas pessoas e adjacências. Dois quarteirões dessa zona, considerada nobre de Goiânia e que fica perto do aeroporto foram esvaziados. Todos os moradores estão sendo submetidos a testes de avaliação radiológica no estádio de futebol.

A CNEN, Furnas e Nuclebrás já deslocaram para Goiás 23 pessoas, ambulâncias, roupas e equipamentos especiais. A Aeronáutica entrou no esquema de emergência colocando aviões para o transporte do pessoal e a Marinha colocando seu Hospital Marcílio Dias, especializado em Medicina Nuclear, para receber os pacientes.

Segundo Fernando Bianchini, caso as instalações do hospital não sejam suficientes para tratar de todos os pacientes, uma vez que sua capacidade para pacientes radiológicos éde 12 leitos apenas, o hospital de Mambucaba, próximo à usina nuclear de Angra dos Reis, já está de sobreaviso, com capacidade para mais oito pacientes.

Estão trabalhando em Goiás e no Rio de Janeiro os seguintes médicos especializados em Medicina Nuclear e atendimento de pacientes contaminados por radiações: José Nélson de Lima Valverde e Cleber Márcio de Resende (Furnas), Alexandre de Oliveira (Nuclebrás), Carlos Eduardo Brandão (CNEN) e Sandra Aparecida Belintani (Ipen).

Fernando Bianchini disse que a equipe de técnicos da CNEN, Furnas e Nuclebrás que se deslocou para Goiás esta reconstituindo toda a história para mapear as áreas contaminadas e avaliar o número de pessoas atingidas. O Hospital do Inamps de Goiás está atendendo os casos graves à espera de remoção para o Rio e os pacientes que estão no estádio em Goiás passam por lavagens epidérmicas e internas especiais e são medicados, conforme o caso, com radiogardase, um remédio conhecido também como "Azul da Prússia", usado para descontaminar internamente indivíduos irradiados.

A polícia já isolou o local e o presidente da CNEN avisa a população de Goiânia que não precisa temer maiores problemas, porque o Césio-137 é um pó que adere a qualquer superfície e não pode ser levado facilmente por nuvens de poeiras ou vendavais. Por essa característica de adesão, esse pó também é difícil de ser retirado da epiderme.

No que foi rompida a capsúla, o Césio-137 (que é pó, ao contrário de outro radioisótopo usado no combate ao câncer, o Cobalto (que é metal) se espalhou pela periferia e muitas pessoas passaram a esfregá-lo no corpo por ser fluorescente, como se fosse purpurina. Outras pessoas se contaminaram indiretamente, havendo indicações de pacientes com altas doses, outros com média e baixa dose.

Para o diretor de Segurança Nuclear da CNEM, Luiz Arrieta, as altas doses de irradiação geralmente causam a morte, e o desenrolar desse evento para muitos atingidos dependerá agora da resistência individual e do tratamento médico que, além dos medicamentos apropriados, consiste ainda em transfusões de sangue e a identificação das alterações dos cromossomos dos pacientes.

Luiz Arrieta explicou que o Hospital Marcílio Dias, no Rio, especializado em Medicina Nuclear, possui 12 leitos separados por paredes de concreto e chumbo e detetores de contaminação interna de corpo inteiro, equipe médica e de enfermagem com cursos sobre acidentes nucleares, além de monitores de radiação, equipamentos de descontaminação e roupas especiais. Outro hospital nessas condições é o de Mambucaba, ambos aparelhados para um acidente radiológico.

Segundo Arrieta, os demais 30 pacientes não apresentam até o momento sintomas de altas doses, mas todos deverão vir ao Rio de Janeiro para medição interna de corpo inteiro, para avaliação da radiação que receberam. Na opinião do diretor da CNEN, somente no México, em 1985, ocorreu um acidente parecido com este, com uma cápsula de Cobalto, mas sem a gravidade do verificado em Goiás. Arrieta, explicou que o Césio-137 apresenta uma meia-vida de 30 anos, ou seja, o tempo que dura para perder sua atividade ou decair. Entretanto, na forma de pó ou de cloreto como se apresenta em Goiás, sua meia-vida biológica, ou dentro do organismo humano, é de aproximadamente cem dias, tempo de demora para ser expelido pelas fezes e urina. Esse radiosótopo era usado também em gamagrafia (raio X de metais) e por seus inconvenientes foi substituído pelo Cobalto tanto no uso medicinal quanto no industrial.

Preocupação e medo na cidade
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GOIÂNIA
AGÊNCIA ESTADO
Nas ruas de Goiânia o assunto não é outro: os perigos de uma contaminação generalizada. Antonio Faleiros esclarece que somente quem teve contato direto ou prolongado com a peça radioativa necessita de cuidados médicos especiais, passando primeiramente por um aparelho medidor de radioatividade. "As regiões circunvizinhas por onde a partícula atômica de Césio-137 passou no trajeto até chegar à Coordenadoria de Vigilância Sanitária da Organização de Saúde do Estado já foram liberadas, porque o nível de radiação detectado pelo REM estava abaixo da metade do mínimo suportável ao ser humano." Ontem, a equipe agora composta por 20 técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear, liderada pelo físico Julio Rosenthal, continuou seu trabalho de detectar possíveis partículas ou de fragmentos de césio porventura ainda existentes nos locais por onde a peça radioativa transitou.

Até ontem, a peça encontrada, pesando cerca de 40 quilos, não havia sido enviada a São Paulo, como anteriormente anunciado, mas, isolada agora por concreto, barita e chumbo, deverá ser enviada para a sede da CNEN para estudos, sendo posteriormente encaminhada como lixo atômico. Dois inquéritos já foram abertos para apurar responsabilidade (um pela Secretaria de Segurança e outro, pela CNEN). O professor Rosenthal esclareceu que o Instituto Goiano de Radioterapia ─ que funcionava ao lado do antigo prédio da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, onde a peça radioativa foi encontrada casualmente por dois catadores de papel há 15 dias ─, não deu baixa da desativação do aparelho de raios X, e que o fato constitui falta grave, por si só, além de que poderão haver vítimas fatais da exposição à radioatividade.

Após encontrar a peça, Wagner Mota e Roberto Alves venderam-na para um ferro-velho. O proprietário levou o fragmento para casa e a marretadas o abriu, espalhando o material radioativo por toda a casa e contaminando os familiares. Apavorados e com queimaduras por todo o corpo, o grupo levou a peça até a Coordenadoria de Vigilância da Organização de Saúde do Estado de Goiás, quando as primeiras providências foram tomadas. Dentre as pessoas provavelmente contaminadas e em estado de observação estão também mulheres e crianças. Os mais atingidos já começam a perder os cabelos e até os dentes. A exposição ao Césio-137, segundo Rosenthal, pode provocar até a mutação das células e uma série de efeitos somáticos danosos e irreversíveis como o câncer (leucemia).

No Estádio Olímpico, mais de 40 pessoas continuam em observação, enquanto recebem cuidados médicos e aguardam a liberação de suas casa, localizadas nas áreas interditadas sob suspeita de contaminação. Um esquema emergencial foi montado ali, providenciando-se alojamento em barracas de lona, e a descontaminação, que começa por vários banhos com sabão neutro.

O físico Carlos Eduardo de Almeida, da equipe da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que se encontra em Goiânia examinando a contaminação, reconheceu ontem à tarde a gravidade do estado de saúde de dois dos pacientes levados durante a madrugada para o Hospital da Marinha, no Rio de Janeiro. Almeida preferiu classificar de "delicadas" as condições de saúde dessas pessoas, evitando dizer que elas correm realmente perigo de vida.

Entre as seis pessoas que tiveram contato direto e prolongado com a radiação, encontra-se a menina Leidi Alves Ferreira, de seis anos, Wagner Mota Pereira, de 19, e Roberto Santos Alves, de 24 (esses foram os que encontraram o fragmento nuclear), além de Evair Alves Ferreira (36 anos), Ernesto Fabiano (46) e Ivo Alves Ferreira (de 40). O físico esclareceu, ainda, que o material radioativo não se espalhará pelo ar, incorporando-se, sim, aos materiais sólidos com os quais a peça entrou em contato. Outros fragmentos estão sendo procurados em áreas mapeadas na zona central de Goiânia.
O Popular
Casa interditada
Luiz Bola ─ O Popular
No Estádio Olímpico, exames médicos e isolamento

Mortes do coração, por falta de ação preventiva
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BRASÍLIA
AGÊNCIA ESTADO
Os especialistas que participaram do 43º Congresso Nacional de Cardiologia, realizado em Brasília, chegaram a uma conclusão: apesar de o Brasil ter tecnologia avançada na área, a mortalidade por doenças cardiovasculares continua progressiva devido à falta de ações preventivas t anto do profissional de saúde como da população.

Para alterar essa situação, a exemplo de países desenvolvidos, a Sociedade Brasileira de Cardiologia promoverá programas específicos para cardiologia preventiva, informando todo o País por intermédio de campanhas de esclarecimento. Segundo pesquisas, as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil, exceto na Região Norte.

De acordo com especialistas, muitos fatores contribuem para o índice elevado, assim como a vida agitada das grandes cidades, o stress, a dieta rica em sal e gorduras e, principalmente, a falta de controle da pressão arterial. Até mesmo os médicos não têm o hábito de medir a pressão dos pacientes em qualquer oportunidade, medida considerada eficaz para prevenir doenças vasculares.

Junto a órgãos do governo, como os ministérios da Saúde, da Previdência e Assistência Social e da Educação, a Sociedade Brasileira de Cardiologia pretende desenvolver ações e programas que atinjam diretamente os profissionais da área de saúde, os estudantes universitários do setor e a população em geral. Ontem mesmo, após o encerramento do congresso, ocorreu a primeira reunião que tratou do assunto.

Os participantes do encontro não deixaram de analisar as recentes novidades no campo da cardiologia curativa. Nesse aspecto, um dos principais avanços é a utilização, ainda este ano, em 26 centros de atendimento da Sociedade de Cardiologia da droga PPA, que aplicada nas primeiras seis horas do surgimento de esquemias causadoras do infarto é capaz de desobstruir a artéria e permitir o fluxo normal de sangue, salvando o paciente.

Soro caseiro, arma contra desidratação

Evitar a morte de 60 mil crianças por desidratação no próximo ano é a meta da campanha do soro caseiro que será iniciada este mês pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Anualmente, morrem no Brasil aproximadamente 400 mil crianças, informa o presidente da Sociedade, Navantino Alves Filho. Na faixa etária de zero a quatro anos a principal causa de morte é diarréia, enquanto que dos cinco aos 18 anos o principal motivo da mortalidade são os acidentes e intoxicações.

Essas são conclusões do 25º Congresso Brasileiro de Pediatria, que terminou ontem no Palácio de Convenções do Anhembi e que contou com a participação de seis mil pediatras do Brasil e vários do Exterior. O encontro reuniu os maiores especialistas da área, esclarece Navantino, e foram realizados cursos de atualização e reciclagem. A campanha do soro caseiro (um punhado de açúcar e um pouco de sal em um como de água limpa dado à criança com diarréia em colheradas de dez em dez minutos, sem suspender a alimentação) será patrocinada pela Unicef e contará com a participação da 155 dioceses da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O Congresso decidiu também lutar pela criação do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, com a função de julgar as ações de saúde voltadas à criança brasileira. Navantino informa que já existe projeto nesse sentido no Congresso Nacional. As principais conclusões do encontro incluem ainda a necessidade da manutenção da campanha de aleitamento materno de forma constante e progressiva. "Principalmente nos grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre, onde apenas 10% das mulheres amamentem até os seis meses", esclarece o pediatra.

OS RISCOS

"Vamos informar corretamente acerca dos riscos de contaminação da Aids através de transfusão de sangue não testado para a doença e do baixo risco de transmissão quando da ingestão de leite materno", diz Navantino. O Congresso decidiu exigir maior eficiência das autoridades sanitárias nas campanhas nacionais de imunização, especialmente contra poliomielite e sarampo e a notificação obrigatória de acidentes infantis e intoxicações.

Navantino informa que os especialistas querem cobrar do governo uma "aplicação correta da pouca verba existente nos ministérios da Saúde, da Educação e da Previdência Social e exigindo a implantação da reforma sanitária e dos convênios interministeriais e estaduais para programas de saúde".

O Estado de São Paulo, sexta-feira, 2 de outubro de 1987

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