domingo, 10 de abril de 2016

04.10.1992 - 111 mortos no maior massacre

O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO - 4 DE OUTUBRO DE 1992      Cidades               O ESTADO DE S. PAULO - 1
ELETRODOMÉSTICO
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 LIGUE JÁ.
260-5000

111 mortos no maior massacre

◙ Rebelião na Casa de Detenção teve número recorde de vítimas
◙ Fleury justifica a ação da PM, que deixou 130 presos feridos
◙ O Pavilhão 9, local do motim, ficou totalmente destruído
◙ OAB forma comissão para acompanhar as investigações

Foi o maior massacre de presos da história do Brasil. A rebelião ocorrida sexta-feira na Casa de Detenção de São Paulo terminou com 111 detentos mortos e 130 feridos ─ 35 em estado grave. Iniciada logo após o almoço a partir de uma briga pelo poder entre duas quadrilhas do Pavilhão 9, a rebelião foi sufocada pela Polícia Militar, que entrou em confronto com os presos amotinados. De acordo com o comando da PM, os policiais foram recebidos a bala pelos detentos. O conflito durou meia hora, num ambiente escuro (a energia tinha sido cortada) e 32 policiais ficaram feridos. Mas a tensão continuou. À noite a tropa de choque voltou a entrar no presídio. Guardas penitenciários e parentes disseram ter ouvido tiros. A situação só foi totalmente controlada às 4 horas de ontem. O quadro encontrado pelos guardas penitenciários foi o de dezenas de corpos espalhados, presos gritando por socorro, muitos feridos na cabeça, nas costas ou no peito, canos arrebentados, água por todos os lados, fogo nos corredores e nas celas. Segundo o comando da PM, havia um preso carbonizado, alguns degolados e vários mortos a facadas, a pauladas e a tiros. Os corpos foram distribuídos por vários locais. O nervosismo tomou conta dos policiais. Nenhum dado oficial era transmitido, embora desde a madrugada circulassem informações dando conta de mais de cem mortos. Pela manhã, duas irmãs da Pastoral Carcerária, Isabel Oliveira e Maria Emília Gomes Ferreira, saíram do presídio informando que a polícia tinha acabado de descobrir 13 corpos e que alguns estavam com as mãos para trás, metralhados. O número oficial só foi divulgado pelo secretário de Segurança, Pedro Franco de Campos, pouco antes das 17 horas, negando que a escolha do horário tivesse relação com o encerramento da votação. Antes ele havia almoçado no QG da PM. Massacre? "Usar a palavra massacre é prejulgar um fato que ainda está sendo apurado", disse o secretário, acrescentando que a ação policial visava impedir uma fuga em massa do presídio. Ele afirmou que foram abertos dois inquéritos: um sobre a rebelião e um Inquérito Policial Militar para apurar se houve excessos por parte da polícia. O governador Luiz Antônio Fleury Filho justificou a invasão. "Na verdade o que havia lá dentro era um confronto de quadrilhas muito bem armadas", disse. "Se a ação foi correta ou se houve excessos, isso será devidamente apurado." A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) constituiu uma comissão para acompanhar as investigações. A Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos quer que o Estado responda na Justiça pelas mortes.

Tensão
O aposentado Joaquim M. da Silva luta com cachorro da PM em frente à Detenção: ataque e reação

Centro de conflitos

Av. Cruzeiro do Sul
Entrada da Casa de Detenção. Aqui se concentraram ontem durante todo o dia os parentes de detentos, à espera de informações sobre quem estava vivo. Várias vezes os PMs que faziam o cordão de isolamento atiçaram cães contra as pessoas.

Pavilhão 9
Local do conflito e das mortes. Aqui havia 2.500 detentos, na maioria presos pela primeira vez e com idade entre 18 e 23 anos, presos por roubo, tráfico de drogas ou estelionato. Por ser o pavilhão que concentra os mais jovens, é o que mais dá trabalho no presídio.

Rua Antonio dos Santos Neto
Subindo no muro de uma oficina, uma mulher gritou o nome de seu marido para os presos do Pavilhão 9, ontem de manhã. Os detentos que estavam nas janelas repetiram o nome para os de dentro, até ficarem sabendo se o preso estava bem ou não. Então repassaram a informação para a mulher. A operação foi repetida dezenas de vezes, cada vez com o nome de um preso.

Prédio tinha barricadas, móveis
em chamas e celas às escuras

MARCELO FARIA DE BARROS          

Ao invadirem às 15 horas de sexta-feira o Pavilhão 9 da Casa de Detenção, por autorização de três juízes da Vara dos Presídios, os 340 policiais militares encontraram o prédio preparado para uma luta. Havia barricadas feitas com grades, detentos armados e corredores entulhados de movéis, cobertores e colchões em chamas.

O Corpo de Bombeiros foi chamado para apagar os pontos de incêndio do pavilhão, àquela hora já às escuras ─ a energia havia sido cortada ─ e dominado pela fumaça. Os bombeiros usaram maçaricos para abrir as grades fechadas a cadeado pelos detentos.

Com a entrada dos policiais, houve tiros e muita correria pelos corredores. Alguns presos entrincheiram-se no telhado, casa de máquinas, banheiros e celas escuras. Eles explodiram botijões de gás para retardar a ação da tropa de choque.

O conflito demorou cerca de meia hora. Ao final, 32 policiais militares estavam feridos a bala, golpes de estiletes, explosões de botijões de gás e pauladas. Numa explosão, o coronel Ubiratan Guimarães, comandante do policiamento metropolitano, teve os tímpanos afetados e chegou a desmaiar. Do outro lado do conflito, mais de uma centena de mortos. Segundo o coronel Hermes Bittencourt Cruz, chefe do Estado Maior do Comando de Policiamento Metropolitano, havia um preso carbonizado, alguns degolados e vários mortos a facadas, pauladas e tiros. A PM informou que foram recolhidos dos presos 165 estiletes, 25 canos de ferro e 13 armas de fogo, entre revólveres e pistolas automáticas.

Um bilhete recebido ontem por parentes de presos, no entanto, nega que os detentos possuíssem armas de fogo. O bilhete é assinado por Nego Cão, que se declara membro de uma comissão de presos. "Nós confirmamos que em nosso poder não tem arma de fogo e sim temos muitos estiletes", diz Nego Cão no bilhete. Segundo ele, na confusão os PMs atiraram em si mesmos, "revoltados ao verem os companheiros deles feridos".

Os presos da Casa de Detenção há muito planejavam uma fuga em massa, segundo o coronel Cruz. Uma briga, anteontem, entre Luiz Tavares de Azevedo e Antônio Luiz do Nascimento, líderes de quadrilhas que controlavam o tráfico de drogas no Pavilhão 9, precipitou a revolta. A briga entre os chefes de quadrilha que gerou a rebelião teria sido provocada por uma disputa por 2 quilos de cocaína e 2 de maconha. "Depois que Azevedo agrediu Nascimento a pauladas, os integrantes das duas quadrilhas rivais começaram a brigar entre si e o conflito ficou descontrolado", conta o oficial.
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Mais informações na página 2

ELEIÇÕES.

Votação no País é marcada pela tranqüilidade

Depois da agitação das manifestações pró-impeachment, as eleições transcorreram com tranqüilidade nas principais cidades do País. Com os trabalhos de boca-de-urna, as ruas ficaram cobertas de folhetos de propaganda de candidatos e deixaram a difícil tarefa de remover as toneladas de lixo extra depois da festa. As ocorrências policiais decorrentes da votação foram poucas. Na maior parte das capitais, os eleitores preferiram votar cedo para aproveitar o resto do dia.

Em São Paulo, ontem, o clima era de preguiça e feriado. A não ser pela agitação da boca-de-urna, o paulistano queria mesmo aproveitar o bom tempo e relaxar. "Ter de sair do Ibirapuera para votar tem gosto de limão", disse a estudante de Direito Marina Castro. Passado o impeachment, o assunto do sábado era dó eleição para a maioria. Mas alguns, como o eletricitário Luiz Roberto Rodrigues, ainda protestavam. Ele usava a camiseta com os dizeres "O verde-amarelo é nosso e não delle", repudiando Collor. "Votar tem sabor de vitória", disse.

O funcionamento do comércio era facultativo na Capital e a maior parte das lojas ficou fechada. Não houve problemas de trânsito nos principais corredores de tráfego da cidade. Mas a concentração de grupos de cabos eleitorais na Avenida Paulista provocou lentidão no sentido Paraíso─Consolação, desde a Avenida Brigadeiro Luís Antônio.

A Zona Sul do Rio foi um dos pontos mais tranqüilos da cidade, que ficou bastante suja com os folhetos espalhados pela boca de urna. Muitos eleitores preferiram votar cedo e ir à praia ou passear na orla marítima. O trânsito ficou engarrafado nas principais avenidas de Copacabana, Leblon, e Lagoa, porque as ruas próximas à orla foram interditadas para áreas de lazer. Somente em São Conrado foi registrado um início de tumulto. Os eleitores não conseguiram se organizar e a PM teve de ordenar as filas de votação.

A prefeitura de Porto Alegre autorizou os ônibus municipais a funcionar no esquema de passe livre, ontem, para evitar o transporte irregular de eleitores. A calmaria da capital gaúcha não se repetiu no interior do Estado, onde houve muitas prisões e queixas de candidatos. Só em Ronda Alta, a 360 quilômetros de Porto Alegre, houve 15 ocorrências policiais.

O mecânico Sílvio Selmo Parreira de Moura, 30 anos, foi atingido com um tiro na testa de manhã pelo comerciante Benedito Ribeiro do Socorro, após uma discussão política na cidade de Bonfim, a 88 quilômetros de Belo Horizonte. Moura foi internado em estado grave.

No Recife, o clima também era calmo. Até as 13 horas, apenas duas pessoas tinham sido presas e liberadas em seguida. Anteontem à noite, quatro militantes da coligação PL-PMDB foram presos em Vitória de Santo Antão, por crime de tentativa de compra de voto, ao distribuir leite em pó e colchões para eleitores.
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 Mais informações na página 2

Muito papel
Lixo extra: o trabalho de boca de urna deixou as ruas cobertas
por toneladas de folhetos com a propaganda dos candidatos

O Estado de São Paulo, domingo, 4 de outubro de 1992

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