sábado, 9 de abril de 2016

12.09.1973 - Suicídio de Allende?

JORNAL DO BRASIL
Rio de Janeiro ─ Quarta-feira, 12 de setembro de 1973                                                               Ano LXXXIII ─ N.º 157
Hoje tem "Caderno de Automóveis

O Presidente Salvador Allende, do Chile, suicidou-se ontem com um tiro na boca no Palácio de La Monéda, segundo dois repórteres do jornal "El Mercurio", que entraram no Palácio e viram o corpo reclinado num sofá, no meio de uma poça de sangue. O Palácio fora submetido a intenso bombardeio de aviões e tanques durante mais de quatro horas.

As autoridades se recusaram a confirmar ou desmentir a morte do Presidente, prometendo para hoje um comunicado sobre o destino de Allende. Segundo um dos jornalistas de "El Mercurio", Allende, antes de morrer, disse a dois dos seus mais próximos colaboradores, Orlando Letelier e José Toha: "Estas são as últimas palavras que vocês ouvirão de mim. Confiem em seus dirigentes. Continuem a confiar no povo".

O corpo de Allende teria sido retirado do Palácio às 19h 30m e levado para local ignorado. A Junta Militar que o depôs anunciou logo depois ter o país sob controle e prometeu devolver a nação à normalidade. Foi decretado o estado de sítio e o toque de recolher.

O movimento militar começou de manhã, em Valparaíso, principal porto chileno, onde unidades de fuzileiros navais ocuparam a estação de rádio e os pontos-chave da cidade. Logo depois, em Santiago, o General Augusto Pinochet, Ministro da Defesa, o Brigadeiro Gustavo Leigh Guzman, da Aeronáutica, o Almirante José Toribo Medina, da Marinha, e o General César Mendonça, do Corpo de Carabineiros, constituíam uma Junta Militar e exigiam a renúncia de Allende.

A resistência ao movimento, em Santiago, concentrou-se no Palácio de La Moneda e outros pontos do centro da capital, onde franco-atiradores fustigaram até o fim da tarde as tropas que atacavam a sede do Governo.

Em seu primeiro comunicado, os membros da Junta exigiram de Allende a entrega do cargo e sua retirada do Palácio, dizendo-se unidos "na histórica missão de libertar a nossa pátria do jugo marxista". Asseguraram aos trabalhadores a manutenção das "conquistas econômicas e sociais".

Allende foi visto pela última vez em público às 9 horas da manhã, quando de uma das sacadas do Palácio acenou a um pequeno grupo de pessoas. Meia hora depois, sua voz era ouvida pelo rádio: "Um grupo de militares sediciosos levantou-se contra o Governo na cidade de Valparaíso, violando as leis e a Constituição. Confio em que as Forças Armadas saberão esmagar a rebelião".

Poucos minutos depois, iniciou-se o bombardeio aéreo ao Palácio e à casa de Allende no bairro El Alto, que foi mais tarde saqueada pelos seus adversários políticos.

Imensas colunas de fumaça cobriram então o Palácio, totalmente cercado por tanques, jipes armados com metralhadoras e outros veículos militares. O ataque foi suspenso por volta do meio-dia, quando se renovou o ultimato. Com as mãos para cima, alguns funcionários civis saíram, mas o Presidente e seus colaboradores mais próximos permaneceram no Palácio.

A Junta Militar justificou o levante: Pôr fim à "gravíssima crise econômica, moral e social do Chile", devido à incapacidade do Governo de conter o caos, o crescimento de grupos armados e organizados por Partidos da coalizão governamental, e ter fortalecido a luta de classes, "uma luta fratricida alheia à nossa formação".

Nos últimos meses, a economia chilena ficou praticamente paralisada, em consequência de uma sucessão de greves, tanto no setor de produção como de comércio, de uma inflação sem controle e que pode chegar a 400% este ano. Sem crédito no exterior, as importações caíram a níveis insignificantes, causando escassez de combustíveis e até mesmo de alimentos.

O enviado especial do JORNAL DO BRASIL, Humberto Vasconcelos assistiu em Santiago aos últimos momentos do Governo Allende e destacou que os esquerdistas foram tomados de surpresa com a ação militar, que pôs fim a 41 anos de normalidade constitucional no Chile. Em 1932, o Presidente Juan Esteban Montero foi obrigado a renunciar sob pressão das Forças Armadas. Salvador Allende Gossens, de 65 anos, casado, pai de 3 filhas, permaneceu no Poder dois anos, dez meses e sete dias. (Págs. 2, 3, 4, 5, 7. Coluna do Castello. Caderno B e editorial na página 6)

Jornal do Brasil, quarta-feira, 12 de setembro de 1973

Nenhum comentário:

Postar um comentário