sábado, 16 de abril de 2016

19.11.1999 - Oleoduto é vitória de Washington


Oleoduto é vitória de Washington

INSTAMBUL — Os Estados Unidos obtiveram importante vitória diplomática com a assinatura, ontem em Istambul, de acordo para a construção de um oleoduto de 1.730 quilômetros e orçado em US$ 2,4 bilhões, que sem atravessar território russo ou iraniano levará petróleo da capital do Azerbaijão, Baku, no Mar Cáspio, ao porto mediterrâneo de Ceyhan, na Turquia — país-membro da Otan — rumo aos mercados ocidentais. A construção deve começar no início de 2001 e terminar em 2004.

"Este oleoduto dará segurança ao mundo inteiro, porque garantirá o transporte de reservas de energia por múltiplas rotas, em vez de um gargalo único", disse o presidente americano Bill Clinton, depois que os presidentes da Turquia, do Azerbaijão e da Geórgia assinaram o acordo num palácio da era otomana às margens do Estreito de Bósforo, em evento paralelo à cúpula da OSCE. Os três, mais Turcomênia, ainda firmaram protocolo de intenção de construção de um gasoduto.

Alívio — Para os Estados Unidos, maior importador de petróleo do mundo — o que os obriga a ginásticas inclusive militares para garantir seus suprimentos no Golfo Pérsico —, é um alívio não depender da "instável" Rússia ou do "potencialmente hostil" Irã para ter acesso aos ricos campos de óleo do Mar Cáspio. Além disso, esperam os EUA, quando o oleoduto estiver em operação acenderá um alerta vermelho na sede da poderosa Opep, cujos xeques anteontem mesmo anunciavam calmamente que devido ao frio a produção de petróleo deve cair aos índices de 1996, o que elevará ainda mais o preço do barril.

Mas a grande derrotada pelo acordo é mesmo a Rússia, que na era soviética controlava sozinha o petróleo do Cáspio — reforço estratégico de suas reservas na Sibéria. Ultimamente Moscou negociava mudança no traçado do oleoduto que já mantém em parceria com o Azerbaijão, o Baku-Novorossiisk, que transporta petróleo bruto até o porto russo de Novorossiisk, no Mar Negro, e de lá para o Ocidente.

Chechênia — Mas o duto atravessa a rebelde Chechênia, e o abastecimento é precário. A Rússia queria então construir uma variante que contornasse, pela Geórgia, a república separatista "Tarde demais", disse Natik Aliyev, presidente da petrolífera azerbaijana, Socar. "O tremia partiu. Deveriam ter pensado nisto há dois anos e meio."

O presidente georgiano, Eduard Shevardnadze, disse que o acordo estabelece cooperação entre "parceiros confiáveis" na região do Cáspio. Chanceler da antiga União Soviética na era Gorbachev, Shevardnadze não quer Moscou nesta lista. Além do interesse em trocar óleo pelas moedas fortes ocidentais, o sentimento anti-Rússia é tão forte que as repúblicas caucasianas preferem afrouxar os laços com Moscou e cair nos braços dos Estados Unidos. Shevardnadze inclusive quer ver a Geórgia na Otan.

Mapa — "Moscou vai considerar Baku-Ceyhan parte dos planos dos EUA de expulsar os russos do Cáucaso", previu Bulent Aliriza, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington. O assessor para Segurança Nacional de Clinton, Sandy Berger, disse que o oleoduto não está "de jeito nenhum" direcionado contra Moscou. O novo mapa dos dutos, porém, mostra que a antiga área de influência soviética mudou de mãos.

Há contudo obstáculos a superar até que o oleoduto funcione. O maior é sua própria viabilidade econômica, possível com a produção anual de 50 milhões de toneladas, ou 1 milhão de barris diários. O Azerbaijão produz hoje um décimo disso: 100 mil barris. A Arábia Saudita sozinha bombeia 8 milhões de barris/dia, e o Brasil produziu em setembro 1,126 milhão/dia.

Briga — Especialistas afirmam também que a infra-estrutura necessária ao oleoduto demandará bilhões de dólares — a Turquia se compromete a cobrir tudo que ultrapassar os US$ 2,4 bilhões. Mas agora é que vai começar a briga de foice entre governos e companhias de petróleo em torno do financiamento do projeto.

Veteranos nesta luta, funcionários da British Petroleum-Amoco, que opera nos campos do Cáspio, já começaram a dizer que provavelmente estão erradas as estimativas que davam as reservas da região como as maiores do mundo. Israfil Mamedova, executivo da Socar, desdenhou: "Assim que os investimentos começarem a produção vai crescer." 

Jornal do Brasil, sexta-feira, 19 de novembro de 1999

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