sábado, 30 de abril de 2016

15.04.1976 - A morte de Zuzu Angel

Gente
Zuzu Angel, era o único nome brasileiro de livre trânsito no exigente mercado internacional da alta-costura

A morte de Zuzu Angel

Na terça-feira ela havia trabalhado até nove horas da noite, terminando sua nova coleção de moda e preparando os modelos recém-criados e seus manequins para serem filmados pela tevê. Quando terminou, declarou-se exausta. Mesmo assim ainda aceitou jantar em Copacabana, na casa de uma amiga. Por volta das três da madrugada voltou pra casa, dirigindo seu Karmann-Ghia azul. Ao sair do Túnel Dois Irmãos, na auto-estrada Lagoa-Barra da Tijuca, o automóvel bateu na amurada do viaduto Mestre Manoel e despencou por mais de 20 metros. Dentro dele, a figurinista Zuzu Angel, o único nome brasileiro de livre trânsito no selecionado mercado internacional da alta-costura, estava morta.

Nascida em Curvelo, Minas Gerais, Zuzu, aliás Zuleika, ficou famosa não só por assinar roupas de mulheres conhecidas como Kim Novak, Joan Crawford, Ivone De Carlo, Verushka e Jean Shrimpton, como também pela luta que tratava desde 1971, usando inclusive a influência de clientes e amigos estrangeiros, para esclarecer o desaparecimento de seu filho, Stuart Angel Jones, preso naquele mesmo ano por atividades subversivas. Incansável, Zuzu pediu audiências a presidentes da República, enviou cartaz ao presidente Geisel e entregou uma outra, acompanhada por vários documentos, a Henry Kissinger em sua recente visita ao Brasil, pedindo esclarecimentos sobre a morte de seu único filho homem. Entre os documentos entregues por ela ao Secretário de Estado norte-americano estava o livro "Governos Militares 1964-1974", do historiador Hélio Silva, que descreve a morte de Stuart Angel entre as páginas 132 e 136.

Casada com o representante industrial norte-americano Norman Angel Jones, que vive em Minas Gerais e de quem estava separada há seis anos, Zuzu chegou até mesmo a utilizar a morte de seu filho como tema para seu trabalho, em 1971, no que chamou de "primeira coleção de moda política da história". O desenho de um anjo utilizado nessa coleção permaneceu como símbolo de sua firma, a Zuzu Angel Criações. O sucesso fez com que ela montasse um ateliê também em Nova York a partir de 1970, mudando-se para os Estados Unidos para conviver mais com o filho Stuart e as filhas Ana Cristina e Hildegard Angel (esta, atriz da peça Bonifácio Bilhões e colunista de um jornal carioca). Quando estes terminaram seus estudos e voltaram para o Brasil, ela regressou junto e estabeleceu-se no Rio, com uma butique freqüentada pela alta sociedade.

Aos 52 anos, Zuzu era considerada pelos amigos como uma mulher "alegre mas temperamental, que não poupava esforços para conseguir seus objetivos". Foi assim que transformou-se numa das mais produtivas figurinistas do país e na principal exportadora de moda brasileira para o exterior. Segundo suas amigas, ela chegava a trabalhar 16 horas por dia, usando sua atividade como forma "de encher o tempo e evitar a depressão, mas sem nunca esquecer a morte do filho". Este ano, Zuzu por duas vezes deixou as páginas sociais dos jornais para ser noticiada nas páginas políticas: na primeira, dia 21 de fevereiro, por conseguir burlar os serviços de segurança e aproximar-se de Kissinger com a carta e os documentos sobre a morte de Stuart; na segunda por ter tomado pessoalmente o encargo de divulgar o livro de Hélio Silva.

Zuzu Angel, além das clientes estrelas do cinema ou da moda, assinou modelos exclusivos para várias esposas de presidentes brasileiros, entre elas Dona Iolanda Costa e Silva, de quem foi amiga, e até para Patrícia Lindsay, mulher do ex-prefeito de Nova York John Lindsay. A figurinista, que desde sua primeira coleção internacional, lançada em 1969 e utilizando temas brasileiros, foi considerada como uma das mais talentosas e originais desenhistas de moda do mundo, foi sepultada hoje no Rio, às 10h. Em seu caixão, além do desenho do anjo, um retrato de Stuart Edgar Angel Jones, cuja morte não é reconhecida pelas autoridades brasileiras, que o consideram um réu revel.

O Estado de São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 1976

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