terça-feira, 8 de dezembro de 2015

05.10.1988 - A nova Carta entra em vigor



A nova Carta entra em vigor

O Brasil tem a partir de hoje uma nova Constituição. Levou um ano, sete meses e cinco dias para ser elaborada e promulgada, no processo constitucional mais lento e complicado de toda a história constitucional do País. Conclui-se com ela uma das etapas mais importantes do processo de transição democrática.

O texto não tem a harmonia e o equilíbrio de outras Constituições elaboradas por assembleias constituintes: a de 1891, a de 1934 e a de 1946. Ela avança e inova em questões importantes como a dos direitos individuais e sociais; a da reforma agrária; a defesa do meio ambiente; e o fortalecimento do congresso. Na área tributária, aumenta o poder dos estados e municípios em detrimento da União, após a fase de grande centralização do regime militar.

Ao mesmo tempo, porém, o novo texto é imobilista. Mantém a unicidade sindical e o imposto sindical, heranças do Estado Novo, além de deixar inalterada a representação dos estados na Câmara, em detrimento dos que apresentam maior contingente eleitoral. Do mesmo modo, praticamente não se altera a chamada missão constitucional das Forças Armadas.

Avançada de um lado, imobilista de outro, a nova Constituição abriga também algumas discriminações na parte referente ao capital estrangeiro. A empresa nacional, definida como empresa brasileira de capital nacional, recebe tratamento privilegiado. Nas Disposições Transitórias, o perdão das dívidas dos micro empresários representou, igualmente, uma discriminação com relação aos que já havia, saldado seus débitos.

A Constituição surge como produto de uma Assembléia que escolheu método de trabalho excessivamente complicado - 24 subcomissões, oito comissões temáticas, Comissão de Sistematização - para chegar ao texto básico. A consequência é que os trabalhos se prolongaram, o que facilitou a ação dos mais variados grupos de pressão. Eles agiram com desenvoltura e exerceram influência maior do que o normal em regimes democráticos. Estas circunstâncias explicam, em boa medida, a falta de equilíbrio e harmonia do texto finalmente aprovado.

O final de meses de trabalho

Foram 341 sessões plenárias, 1.021 votações, 2.400 horas de discursos, 15 mil pronunciamentos, e 66 mil emendas. Aconteceu de tudo: brigas, emoção, agressões, risos e lágrimas. Vinte meses depois de instalados os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, o Brasil ganha nova Constituição. A sétima desde 1824. E com revisão marcada para daqui a cinco anos.

Militar obtém quase tudo o que desejava

As Forças Armadas conseguiram praticamente tudo o que desejavam na Constituinte, a começar pela manutenção da sua destinação constitucional. Elas continuam responsáveis pela manutenção da lei e da ordem, como acontece desde a Constituição de 1891, com algumas mudanças com relação ao texto da Carta de 67, que não alteraram o essencial do que pretendiam.

Elas se destinam "à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de um desses, da lei e da ordem". Antes garantiam os poderes "constituídos" e podiam agir em defesa da lei e da ordem independentemente de serem acionados por eles.

Direito individual, a maior conquista

O ponto mais positivo da nova Carta, na opinião geral dos parlamentares e juristas, é o dos direitos e garantias individuais. Entre as novidades estão: o habeas data, que permite ao cidadão o acesso às informações que tanto órgãos públicos como privados tenham a seu respeito; o mandado de injunção, para assegurar o exercício de direitos ainda não regulamentados; e o mandado se segurança coletivo, que poderá ser impetrado por associações e sindicatos.

Legislativo recupera e amplia poderes

O Congresso fica consideravelmente fortalecido. Sua força começa com o fim do decreto-lei e com o estabelecimento de maioria absoluta - e não mais de dois terços - para derrubar vetos presidenciais. Os deputados e senadores controlarão o orçamento, as dívidas interna e externa e as concessões de rádio e televisão. As Comissões do Senado e da Câmara poderão realizar audiências públicas como nos Estados Unidos e aprovar projetos de lei sem passar pelo plenário.

Garantias para a defesa do meio ambiente

Pela primeira vez, uma Constituição brasileira trata do meio ambiente e estabelece uma série de normas destinadas a protegê-lo. Obras ou atividades que possam causar degradação ecológica deverão ser precedidas de estudo de impacto ambiental para sua aprovação, e os crimes contra a natureza passam a ser contravenção penal. O infrator sofrerá sanções penais e administrativas e ainda terá de reparar os danos causados. Em outro dispositivo importante, a nova Carta considera patrimônio nacional a floresta amazônica, a mata atlântica, a serra do Mar, o Pantanal mato-grossense e a zona costeira.

Reforma tributária favorece os estados

Uma das medidas de maior impacto para a vida do País, constante no novo texto constitucional. é a reforma tributária, que retira consideráveis recursos da União e os transfere para os estados e municípios. Fundiu-se num único tributo - o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - o ICM e os atuais impostos únicos sobre a energia elétrica, minerais, combustíveis e lubrificantes, transportes e comunicações, que são transferidos para os estados. Além disso, ampliam-se os fundos de participação dos estados e municípios e o especial para 47% das receitas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A transferência dos recursos se dará em cinco anos, até atingir os 47%.

Privilégios para a empresa nacional

A empresa nacional - definida como empresa brasileira de capital nacional - passa a ter direito a uma série de benefícios, a começar pela preferência na venda de bens e serviços ao governo, em detrimento das empresas estrangeiras instaladas no Brasil. Além disso, a empresa nacional poderá ser favorecida com reservas de mercado, se sua atividade for considerada estratégica ou essencial ao desenvolvimento do País.

A pesquisa e a lavra dos recursos minerais ficam igualmente reservados às empresas nacionais e proíbem-se os contratos de risco para a pesquisa e exploração do petróleo, ressalvados os que estão em vigor.

Cidades agora têm regras para crescer

Três medidas principais vão orientar daqui pra frente o desenvolvimento das cidades: o usucapião de cinco anos para os imóveis de até 250 metros quadrados, a desapropriação de imóveis que não estejam cumprindo a sua função social e, no caso das cidades com mais de 20 mil habitantes, a exigência de um plano diretor.

O Estado de São Paulo, São Paulo, 5 de outubro de 1988

Nenhum comentário:

Postar um comentário