quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

25.05.1994 - QUANTO A INFLAÇÃO CUSTA NO BRASIL

QUANTO A INFLAÇÃO CUSTA NO BRASIL

O desperdício chega a 7,2% do PIB — ou seja, 32,8 bilhões de dólares por ano 
MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN 

Quase quarenta anos atrás, o economista americano Martin Bailey apresentava a sua teoria do custo social da inflação na versão mais simples, ou seja, como imposto inflacionário cobrado pelo governo sobre a desvalorização da moeda que emite. A conclusão, não muito surpreendente, era que quanto maior a taxa de inflação maior o seu custo social. E que este último só cairia a zero se a taxa nominal de juro também caísse a zero. Isto posto, o padrão monetário ótimo não era aquele em que os preços fossem rigorosamente estáveis. Mas sim um regime deflacionário, em que a taxa real fosse igual à taxa de deflação. Ninguém tentou implantar esse regime.

Custo social é sinônimo de desperdício, e para fazer as pessoas perder tempo nada melhor que uma bela inflação à moda brasileira. Nunca fomos muito bem-comportados em matéria de estabilidade de preços, e após 1980 ainda partimos para a galhofa dos planos, tablitas e heterodoxias. Nos últimos dez anos, tivemos cinco moedas legais diferentes, o cruzeiro, o cruzado, o cruzado novo, de novo o cruzeiro e o cruzeiro real. Temos agora uma semimoeda oficial, a URV, e em breve chegaremos à sexta moeda, o real. Graças a esses esforços, transformamo-nos no campeão mundial da inflação. Nessa situação, o governo recolhe um imposto inflacionário da ordem de 16 bilhões de dólares por ano, sob a forma de desvalorização do papel-moeda emitido. Esse imposto incide principalmente sobre as classes de renda mais baixa, que não têm acesso às contas remuneradas. Com a estabilização, o governo deixa de arrecadar o imposto inflacionário e desaparece a febre da demanda por serviços financeiros.

Numa inflação aberta, as pessoas transacionam intensamente o tempo todo com uma característica: usam quantidades ínfimas de moeda, dado o seu alto custo de oportunidade. Para isso os intermediários financeiros inventam os mais variados ativos financeiros. Os simples, como CDB e RDB, os múltiplos, como fundos de hedge, commodities e ações. Mais os derivativos, que andam na moda. O objetivo da vida passa a ser empurrar a moeda adiante o mais rápido possível, pois ela queima as mãos de quem a segura. E assim, a inflação, aos trancos e barrancos, nos transforma em banqueiros, bancários, ou pelo menos financistas. Tal medida do custo social da inflação é absolutamente objetiva, resultando de uma construção gráfica: trata-se da área compreendida entre a curva de demanda de moeda pelo indivíduo, em função da taxa de juro, e o eixo dessa taxa de juro. Em suma, a medida inventada por Martin Bailey realmente diz muita coisa e é oportuno de vez em quando estimar quanto ela está afetando a economia. Mais ainda, ela caracteriza uma queda do bem-estar social no sentido de tempo gasto à toa em intermediação financeira.

Pode-se questionar se é só esse o custo da inflação. Com a elevação da taxa de ascensão dos preços, as incertezas aumentam, em termos reais. Isso cheira a custos de outra natureza. Mas, em qualquer hipótese, dificilmente se sai do roteiro clássico de Bailey, em que se mede e confere a perda de tempo que a inflação provoca com o excesso de intermediação financeira e adjacências. 

Recentemente, a literatura sobre o custo social da inflação voltou à moda na Universidade de Chicago, em grande parte pelo interesse que o professor Robert Lucas Jr., o grande teórico das expectativas racionais, tem demonstrado pelo assunto. Esses modelos descrevem coloquialmente o que se passa nas transações financeiras, e muitos deles revelam detalhes operacionais extremamente pormenorizados. Os modelos não são apenas arquétipos, mas chegam a ser organizados com existência real, tipo instituições financeiras modelo. Isso permite que se construam estupendos laboratórios bancários.

Incentivados por Robert Lucas, este escriba e seu colega e co-autor Rubens Penha Cysne, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, resolveram medir os custos sociais da inflação brasileira. Na divisão do trabalho este escriba ficou com a parte teórica, que trata de um mercado no qual coexistem diferentes ativos financeiros, distintos em liquidez e rentabilidade, as denominadas moedas, à moda de M1, M2, M3, M4. Cysne encarregou-se das pesquisas empíricas. O custo social da inflação a que se chegou foi 7,2% do PIB, ou seja, cerca de 90% da percentagem do PIB destinados à intermediação financeira. Em moeda sonante, nada menos que a bagatela de 32,8 bilhões de dólares por ano.

Revista Exame, quarta-feira, 25 de maio de 1994

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