sábado, 19 de dezembro de 2015

19.09.1993 - Bancos ganham com imposto inflacionário


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Bancos ganham com imposto inflacionário

Dinheiro parado em conta corrente não rende, mas já transferiu US$ 18,6 bilhões para o sistema bancário nos últimos 45 anos 

LUCILA SOARES
O dinheiro que usamos no dia a dia e que fica parado em depósitos na conta corrente está pagando um tributo ilegal e camuflado. É, na pratica, o imposto inflacionário, que transferiu para o sistema bancário 4,2% de tudo o que foi produzido no país nos últimos 45 anos - ou o equivalente a US$ 18,6 bilhões, considerando-se um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 450 bilhões. Nos últimos dez anos, as transferências chegaram a US$ 157,89 bilhões, ou mais de sete vezes o montante que o país tem hoje em reservas internacionais. O cálculo é do economista Rubens Penha Cysne, da Escola de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas.

Para expressar melhor o peso dessa transferência compulsória, Cysne fez uma outra conta: esses 4,2% do PIB traduzidos em tempo Mostram que, a cada 24 anos, toda a economia trabalhou durante um ano de graça para os bancos. Ou que, a cada 24 meses, um é doado ao sistema, como se o país vivesse na Idade Média e condenado a trabalhar gratuitamente por um período para seu senhor.

Imposto inflacionário é, na definição econômica, a sistemática perda de poder de compra da moeda, decorrente da inflação e do fato de ela não render juros nominais. O maior beneficiado é o Banco Central, que detona esse processo ao expandir constantemente a base monetária, diz Cysne, considerando que a moeda é um bem do público e uma dívida do BC.

Sociedade - Mas os bancos comerciais acabam sendo sócios do BC nesses ganhos, na medida em que os depósitos à vista (todos os recursos em conta corrente) não são remunerados e ficam desprotegidos da inflação. Na prática, ao não remunerar nem a moeda corrente nem os depósitos à vista, todo o sistema bancário paga o que em economês se chama juros reais negativos. Em bom português, provoca uma perda que, com inflação de 30% ao mês, chega a 95% ao ano.

Evidentemente, não é um ganho expresso em arrecadação, esclarece Cysne. Ou seja, o sistema bancário não se apropria do dinheiro, no que o senso comum classifica como arrecadação tributária (por isso o imposto tributário é camuflado). "Mas se alguém me obriga a usar um dinheiro que hoje é suficiente para comprar dez laranjas e amanhã só comprará cinco, a diferença é uma perda minha e um ganho do sistema bancário", diz.

A eterna briga entre os bancos comerciais e o BC sobre o percentual dos depósitos à vista que deve ser recolhido ao BC ilustra bem a importância desse ganho indireto que a inflação propicia ao sistema. Se não houvesse vantagem em reter o dinheiro, a discussão sequer existiria. Cysne lembra também que, como o recolhimento compulsório só incide sobre os depósitos à vista, os bancos comerciais se esmeram em criar novas modalidades de investimento. 

Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, domingo, 19 de setembro de 1993

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