terça-feira, 22 de dezembro de 2015

25.07.1984 - Terror na McDonald's

ESTADOS UNIDOS 

Terror na McDonald's

Veterano do Vietnam enlouquecido transforma lanchonete em trincheira e mata 22, inclusive três crianças 

Para James Oliver Huberty, 41 anos, foi apenas uma operação de guerra. Às 4 horas da tarde da última quarta-feira ele pegou um rifle semi-automático, uma carabina de caça calibre 12, uma pistola 45, encheu uma sacola de munições, vestiu uma calça militar de camuflagem, uma camiseta preta — e foi cumprir o que achava ser sua missão. O cenário, no entanto, não era a selva do Vietnam, onde ele combatera há pouco mais de uma década como soldado das tropas americanas, mas sim a cidade de San Ysidro, na movimentada fronteira dos Estados Unidos com o México, no Estado da Califórnia. Seu alvo também não eram inimigos vietnamitas, mas sim seus próprios compatriotas, que saboreavam hambúrguers numa lanchonete da cadeia McDonald's. O objetivo de Huberty, por fim, era claro: matar o máximo possível de gente. E nisso, sem dúvida, sua "missão" foi um êxito completo.

No início, pensou-se que era um assalto. Aparentando tranqüilidade, Huberty entrou na McDonald's e ordenou às quase trinta pessoas ali presentes que permanecessem quietas e deitadas no chão. De repente, um gesto suspeito e hostil: um empregado da lanchonete pega o telefone e tenta chamar a polícia. Foi o que bastou para romper a tênue e difusa linha da realidade para os delírios de Huberty. Nos 90 minutos seguintes ele disparou com perfeita precisão em tudo o que se movia — e apenas no que se movia, como mandam os manuais militares. Assim, depois de massacrar quem estava dentro, tentou acertar motoristas na via expressa em frente à lanchonete, e fulminou, sem vacilar, três crianças que chegavam de bicicleta a um playground ao lado da McDonald's. Metodicamente, fez ainda uma ronda no pavoroso cenário de cacos de vidro ensangüentados e corpos empilhados, e disparou tiros de misericórdia nos feridos. Huberty só terminou sua guerra particular quando um atirador de elite da polícia, postado no teto de um prédio vizinho, conseguiu matá-lo com um único e certeiro tiro. 

RECORDE SANGRENTO — Foi a maior chacina cometida por uma única pessoa, num único dia, nos Estados Unidos: ao fim do tiroteio estavam mortas 22 pessoas e feridas outras dezessete, o que superou o recorde de Charles Whitman, um ex-marinheiro que em 1966, por causas desconhecidas, subiu a uma torre da Universidade de Austin, no Texas, e de lá abateu a tiros dezesseis pessoas e feriu outras 31, até ser fuzilado pela polícia. No caso de James Huberty, a razão imediata de sua ação selvagem foi um desentendimento doméstico, que, na pior das hipóteses, deveria terminar apenas numa troca de bofetões — mas, no confuso cérebro de Huberty, foi o suficiente para transformá-lo num robô assassino. 


San Ysidro: um garoto ferido é socorrido, enquanto a polícia toma posição
e uma das vítimas (acima) aguarda ajuda

Uma hora antes de entrar na lanchonete com seu arsenal, Huberty, segundo sua filha Sandra, de 10 anos, havia "brigado para valer" com a mulher, Edna. Assustada, Sandra saiu de casa, mas não acompanhou sua mãe e a irmã Célia, de 13 anos, que foram, justamente, à fatídica lanchonete fazer uma refeição — e, por milagre, saíram dali minutos antes da chegada de Huberty, enlouquecido. Sandra preferiu ir para o apartamento de um vizinho e de lá pôde assistir à fuzilaria que estalava a apenas 200 metros, sem saber que seu pai era o protagonista do espetáculo. A reação despropositada de Huberty depois de uma briga doméstica foi também incentivada pelo fato de ter perdido, dias atrás, seu emprego de guarda de um conjunto habitacional para um chicano, como são chamados os americanos de origem mexicana — gente que, segundo os amigos, ele odiava e responsabilizava pelo desemprego nos EUA. Mais remotamente, porém, o que fez Huberty apertar o gatilho com tanta facilidade foi sua traumática experiência na guerra do Vietnam. 

DESESPERADOS — "Angústia, depressão e violência física não formam um comportamento atípico dos veteranos do Vietnam", explica Mark McWaters, um assistente social que cuida desses casos no Estado de Washington. "São, isso sim, um traço marcante de toda essa população. O problema é que, quando eles se metem numa complicação real, sabem que têm habilidades especiais para matar." Dan Todd, um ex-fuzileiro naval que combateu no Vietnam, dá um depoimento ilustrativo a esse respeito. "Quando voltei aos EUA me meti em várias brigas de bar, até que comecei a pensar que ia matar todo esse pessoal", conta Todd. "Tinha fantasias de estar em patrulha, e nunca largava meu rifle automático." Por pouco ele não chegou ao estágio de loucura de James Huberty. Antes que isso acontecesse, Todd foi morar nas florestas da Califórnia, longe das aglomerações urbanas e dos problemas.

O ex-fuzileiro, ali, tem numerosa companhia: segundo os serviços de assistência social do Estado da Califórnia, há pelo menos 200 outros veteranos do Vietnam vivendo como eremitas no meio do mato. Um estudo realizado em 1980 dá, em números, a dramática situação desses sobreviventes. Os 3 milhões de americanos veteranos da guerra do Vietnam têm uma média de suicídio 33% superior à média nacional, 29 000 deles estão na cadeia, 87 000 esperam julgamento e 287 000 estão em liberdade condicional. É dessa multidão de desesperados que pode surgir, de uma hora para outra, alguém como James Huberty — tentando resolver, a tiros, as escuras contas de seu passado.

Uma ferida, de origem mexicana, é socorrida


A morte de um menino, ao lado de sua bicicleta


Revista VEJA, quarta-feira, 25 de julho de 1984 

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